A Redução da Maioridade Penal, Afronto a Cláusulas Pétreas e Impacto Orçamentário
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A Redução da Maioridade Penal, Afronto a Cláusulas Pétreas e Impacto Orçamentário - Alcio Pereira
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO DIREITO E DEMOCRACIA
Dedico esta obra à esposa e aos filhos
Pelo apoio e por estarem ao meu lado por toda a vida.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, antes de tudo, a Deus, por agraciar-me com a vida.
Agradeço a toda a minha família e, de modo especial, a meus pais, Flavio de Oliveira Pereira e Maria Elizabete de Mayor, por toda atenção e suporte que sempre me ofereceram e pelo apoio em todos os projetos. À esposa, Milena Beliene Pereira, por todo incentivo e pelo amor necessários para compreender, no decorrer desse curso, as tantas vezes em que, mesmo presente, fiz-me ausente, oferecendo o máximo e o melhor de mim aos estudos.
Agradeço ao meu orientador, professor doutor Jaime Meira do Nascimento Junior, por toda colaboração e aporte nas discussões acadêmicas necessários à elaboração desta obra. Agradeço ainda a todos os demais professores do curso por tudo que ofertaram para agregar à minha vida suas experiências e conhecimentos, em especial o coorientador professor doutor Pablo Jimenez Serrano.
Agradeço ainda aos tantos que, de algum modo, durante o curso, participaram desta história, como personagens ou em qualquer outra função, sem os quais esta história não poderia culminar na apresentação desta obra como demonstração de que hoje sou um homem que agregou ao próprio conhecimento o conhecimento de todos os que se dispuseram a doar um pouco de si. Aos meus colegas mestrandos, que muito me ajudaram tanto no conhecimento como na amizade dispensada nas aulas em que muitas das vezes se fazia necessário o auxílio, quer seja pelo conteúdo programático, quer seja pelas ausências às aulas e complementação da matéria dada.
Se não vejo na criança uma criança, é porque alguém a violentou antes e o que eu vejo é o que sobrou de tudo que lhe foi tirado. Essa que vejo na rua sem pai, sem mãe, sem casa, cama e comida, essa que vive a solidão das noites sem gente por perto, é um grito, é um espanto. Diante dela, o mundo deveria parar para começar um novo encontro, porque a criança é o princípio sem fim e o seu fim é o fim de todos.
(Herbet de Souza - Betinho)
Sumário
1
INTRODUÇÃO 13
2
A MAIORIDADE PENAL: ARCABOUÇO PARA INIMPUTABILIDADE DO MENOR DE 18 ANOS 21
2.1. Evolução histórica legal da maioridade penal: um século de demonstração da necessidade de proteger a infância 21
2.2. A evolução legislativa e o código de Menores 28
2.2.1. O caso Bernardino 32
2.2.2. Período de Vigência do Código de Menores 33
2.2.3. Expectativas da sociedade – da orientação familiar à presença do Estado frente à Doutrina da Proteção Integral 33
3
MEDIDAS PROTETIVAS DOS DIRETOS DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE INTERNACIONALMENTE – AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E A PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 43
4
A MAIORIDADE PENAL DE OUTROS PAÍSES 49
4.1. Maioridade Penal no Direito Comparado e os países mais seguros do mundo 49
5
O MENOR E AS PRÁTICAS DELITUOSAS: UMA QUESTÃO JURÍDICA OU SOCIAL? 55
5.1. Motivos que conduzem o menor ao delito 56
5.1.1. Falta de estrutura familiar – Abandono 57
5.1.2. Evasão escolar – o passo certo para o (in)certo 59
5.1.3. Uso de drogas e envolvimento com o tráfico 62
5.1.4. A pobreza 64
5.2. Fator comum em evidência: a inoperância Estatal 64
6
O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E OS PRIMADOS PROTETIVOS 71
6.1. O princípio da dignidade da pessoa 73
6.2. O princípio da prioridade absoluta 74
6.3. O princípio da prevenção 75
6.4. O princípio da prevalência dos interesses do menor 75
6.5. O princípio da reeducação e reintegração 75
6.6. O princípio da Respeitabilidade e do Compromisso 76
6.7. O princípio da proteção estatal 76
6.8. O princípio do contraditório 76
7
DIREITO DE NÃO REDUÇÃO: FIXAÇÃO COMO CLÁUSULA PÉTREA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 79
7.1. Direitos Individuais e Cláusulas Pétreas: imutabilidade 84
7.2. A maioridade penal: Redução necessária ou ilusão jurídica 99
8
ANÁLISE SOBRE O ELEVADO CUSTO DAS INTERNAÇÕES E DA PRISÃO 109
8.1. O custo do sistema prisional brasileiro 112
8.1.1. Os cinco problemas mais crônicos dos presídios brasileiros 117
8.2. Qual o gasto do Estado? 128
8.3. Qual o custo que torna possível um sistema capaz de promover a ressocialização do indivíduo 129
8.3.1. Custo financeiro e retorno social das Apacs 132
CONCLUSÃO 135
REFERÊNCIAS 139
ANEXOS 153
1
INTRODUÇÃO
A segurança e o bem-estar social sempre estiveram entre as prioridades máximas do homem como ser social e, como tal, vai além da mera preocupação. A segurança apresenta-se como uma necessidade das sociedades para um convívio harmônico e próspero. Daí porque a segurança encontra-se no cume da pirâmide de necessidades sociais.
Ao mapear de forma sistêmica o convívio social nos grandes centros urbanos nas últimas décadas, deflagra-se que trouxe consigo a indigência do respeito aos direitos de outrem, condição necessária ao consenso social, sob pena de restar impossível a manutenção da vida em sociedade e uma vida digna e equilibrada.
Trataremos acerca da segurança como prioridade das necessidades fisiológicas (a exemplo da saciedade alimentar e da necessidade de repouso e sono) e em toda sua complexidade. O fato é que sentir-se seguro não se restringe a estar a salvo da violência, haja vista que o tema permeia múltiplos fatores que culminam sempre no direito à liberdade, este que acaba lesionado sobremaneira, em razão da falta de punição por parte do Estado àqueles adolescentes infratores.
A questão, quando vislumbrada pela mídia, a qual destaca em seus quadros as agruras dos crimes praticados em numerosos casos por menores infratores, muitas das vezes com intenções divorciadas do contexto jornalístico informativo, voltando-se ao sensacionalismo, acaba por fomentar junto ao legislativo. Este, com leis extravagantes e intentos, como a redução da maioridade penal, buscando um ataque a toda essa criminalidade, muitas em desacordo com os princípios constitucionais, acredita que responde às aspirações da sociedade por mais segurança, nem sempre de forma adequada, porque certas propostas legislativas são nada mais que ideologias ou manobras políticas.
Existe grande preocupação com a segurança no mundo todo, o que sempre foi justificável, porém, no contexto do Brasil, sobretudo nos dias atuais, as proporções descabidas e inaceitáveis as quais vêm sendo atingidas pela violência conduzem o cidadão à constante incerteza em relação à sua segurança e de seus familiares, até porque cabe ao Estado a prestação dos serviços ditos essenciais a uma vida digna, nas quais a segurança encontra-se inserida nesse rol, e uma vez que não vem sendo adequadamente fornecido pelo Estado, que já não dispõe de condições de prestar, leva a buscar por medidas paliativas, como a proposta de reduzir a maioridade penal.
Por vezes (e cada vez mais frequente), a prática da violência já não se limita apenas aos olhares protetivos de cada indivíduo da sociedade. Essa mazela alcança diretamente incontáveis famílias que, além de conviver com as incertezas, ainda precisam gerir a (in)segurança presente no próprio seio familiar, em que, incutido nesse complexo cenário de degradação social, vê-se a criança e o adolescente infrator como autores de delitos, antes atribuídos a crueldades e impetuosidades só concebíveis se relacionados ao indivíduo adulto, quer pela força e fúria, quer pela dureza e crueldade que se imaginava necessária para tais atos.
Deflagra-se que, com o crescente aumento dos índices de violência envolvendo adolescentes nos dias de hoje, o que se verifica é um ordenamento jurídico falho no que se refere à aplicação das normas em face desses adolescentes em conflito com a lei que se envolvem na criminalidade. Tudo isso leva a repensar não apenas as políticas públicas voltadas à proteção e reeducação desses jovens, mas, e até mesmo, a questão tão atual no contexto do país que é a redução da maioridade penal com vistas a buscar a manutenção da imputabilidade penal dos menores de 18 anos, retirando da sociedade os infratores e amontoando em presídios. Por um lado, reduz-se, em tese, a violência, por outro, colocam-se os menores em situações degradantes, ou seja, como o dito popular extraído do Provérbio Português, "despir um santo para cobrir o outro".
De fato, a transformação histórica operada no âmbito do direito da criança e do adolescente no Brasil é ponto que se apresenta imprescindível para entendermos as problemáticas que devem ser enfrentadas hodiernamente a fim de identificar se a redução da maioridade penal realmente vem ao encontro da necessidade de proteger a criança e o jovem delinquente.
A geração atual mudou a olhos vistos, tornando impossível que a sociedade continue passivamente ignorando os fatores que possam ter desencadeado o roteiro que vem sendo presenciado e pode ser visto nas mídias ou a qualquer instante, em qualquer lugar. Como resultado, as circunstâncias atuais de uma sociedade que não tem disposição para cuidar de nossos jovens, que são despejados nessa sociedade intolerante cujo sistema, que deveria proteger os menores, ao contrário, sufoca-lhes e aprisiona.
Dessa forma, o panorama social desolador que se instalou por todo o país, em especial nas grandes cidades, apresenta-se como resultado das desigualdades sociais, que, embora possa ser apontada como uma das primeiras causas imagináveis para justificar a realidade, está longe de ser a única, porquanto o rol é cada vez mais numeroso.
Questões como, desde a falta de estrutura familiar e garantias das condições mínimas de subsistência que possam assegurar dignidade do indivíduo, até a falta de políticas públicas que olhem para ele como cidadão detentor de deveres, mas também de direitos, senão também a ausência do Estado se faz notar nitidamente, ao passo que a sociedade civil aumenta as discussões acerca do que presencia no dia a dia, tornando o delito praticado pelos menores tema cada vez mais frequente em palanques políticos para a busca de votos eleitoreiros que, em muitas das vezes, são votos do próprio povo mais atingido com a situação.
Na esperança de mitigar os efeitos causados por séculos de desigualdades sociais, desestruturação familiar, injustiças e ausência do cumprimento dos deveres do Estado para com o cidadão (algumas das causas determinantes da realidade que vivenciamos hodiernamente), passou a haver um clamor social gritante pela redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, como se a imputabilidade do adolescente fosse magicamente alterar a realidade de anos de chacina social.
Indubitavelmente, a política nacional de proteção integral promovida pelo advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.º 8.069/90, instituiu preceitos contemporâneos para o enfrentamento dos problemas relativos ao comportamento dos adolescentes do país, traçando regras jurídicas inovadoras para a expressão dos conceitos centrais de prevalência da ordem social daqueles que atuam em desacordo com as regras gerais de direito, contudo, ao que parece, não são eficientes para conter ou minimizar esses índices.
Ao examinar a questão, destacam-se nesse contexto alguns posicionamentos relativos à maioridade penal no âmbito brasileiro, evidenciando o favoritismo e também a contrariedade na doutrina jurídica para com a redução, visto que as distintas correntes sobre a matéria, além de segmentadas, estão, em tese, abalizadas no primado de indigência pela reforma do Código Penal vigente e arcaico enquanto Tábua de salvação
ao caos provocado pelo aumento da criminalidade envolvendo os menores e, inclusive, pela violência em que a sociedade atual está mergulhada e clama veemente por mais segurança.
Parece que, com a redução da maioridade penal, com a manutenção na imputabilidade dos maiores de 18 anos, essa mudança teria de imediato o condão de minimizar os elevados índices de criminalidade e violência na sociedade brasileira, tampando os olhos de todos conquanto se trata de mera ilusão jurídica, quando o foco dessa problemática toda é bem mais enraizado em questões de cunho social evidentes em países menos desenvolvidos que não têm as desigualdades como pauta de atenção.
Nesse desenvolver, então, bastasse a alteração da maioridade para fazer cumprir, sob pena de sanções, ao que determina a Lei no Código Penal, a sociedade assistiria ao desfecho de um simples dilema: ou viveríamos na mais perfeita das sociedades, de forma harmônica e justa, ou o próprio Estado estaria sofrendo sanções por descumprir, ele mesmo, aquilo que propõe e define como direitos fundamentais do cidadão e os destinados à proteção daqueles que entende o mesmo Estado como detentores de proteção integral diante de sua condição de pessoa em desenvolvimento e vulnerabilidade.
Com este estudo, fica cristalino que as reformas setoriais e de urgência, incitadas pelo Estado e por aqueles que lutam em defesa do menor, por episódios sociais graves, não se apresentam virtualmente competentes a dar cabo da insatisfação da sociedade brasileira com o problema punitivo do país, porquanto, em meio à contenda sobre repressão maior, quer aumentando penas, quer reduzindo a idade da responsabilidade penal daqueles que agem em desconformidade com o ordenamento, quer adotando-se qualquer outra medida socioeducativa, infelizmente, o país não tem estrutura prisional para abrigar presos maiores