Atividades Aquáticas: Um Olhar Dirigido ao Ensino
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- Nota: 5 de 5 estrelas5/5Muito bom seu trabalho amei. com certeza vai ser bem util
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Atividades Aquáticas - Márcia Fajardo
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO FÍSICA
AGRADECIMENTOS
A teoria ganha vida quando a colocamos em prática e, dessa experiência, é constantemente alimentada. Gratidão aos milhares de alunos e colegas docentes que estiveram conosco em sala de aula e à beira da piscina, contribuindo para a tessitura desta obra.
Eu posso fazer coisas que você não consegue e você pode fazer coisas que eu não consigo, mas juntos podemos fazer coisas incríveis.
(Madre Teresa de Calcutá)
PREFÁCIO
É com imensa satisfação que vejo a produção deste livro como resultado de um trabalho desenvolvido por professores e ex-alunos de Educação Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O grupo é formado por profissionais altamente qualificados, dentre os quais tive o privilégio de indicar alguns para o quadro docente. Vale registrar que, embora este projeto não tenha contado com a totalidade de professores do setor aquático dessa instituição nos últimos 30 anos, pude perceber a presença de cada um, pois deixaram suas marcas no discurso dos autores.
Tenho certeza de que a proposta deste livro, produzido com elevado espírito de equipe, trará uma contribuição significativa para o desenvolvimento e a expansão das modalidades aquáticas em nosso país. Será, igualmente, um modelo a ser seguido de trabalho de equipe.
Parabenizo a coordenação do grupo, que enfatizou a experiência pessoal de cada um e, ao mesmo tempo, deu prioridade ao detalhamento de técnicas e habilidades específicas de cada segmento.
Com carinho,
Margarida Menezes
Professora emérita da Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ
Sumário
INTRODUÇÃO 13
CAPÍTULO 1
HISTÓRIA DAS ATIVIDADES AQUÁTICAS 17
Silvio Telles
Renato Novaes
CAPÍTULO 2
ASPECTOS PEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM DAS ATIVIDADES AQUÁTICAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR 43
Heloisa Araujo Gonzalez Alonso
CAPÍTULO 3
ASPECTOS FISIOLÓGICOS NO PROCESSO DE ENSINO/APRENDIZAGEM DAS ATIVIDADES AQUÁTICAS 65
Diego Viana Gomes
Fabiana Rodrigues Scartoni
CAPÍTULO 4
CONCEITOS BIOMECÂNICOS APLICADOS À CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA CORPORAL NA ADAPTAÇÃO AO MEIO AQUÁTICO 83
Sônia Cavalcanti Corrêa
Gabriel Costa e Silva
CAPÍTULO 5
DESCOBERTA DE UM NOVO MUNDO: A FASE DE (RE)ADAPTAÇÃO AO MEIO AQUÁTICO 103
Márcia Fajardo de Faria
Participação do atleta Rafael Bunn Quirino da Silva
Fotografia Viviane Natasha
CAPÍTULO 6
NADO CRAWL 123
Guilherme Tucher
CAPÍTULO 7
NADO COSTAS 143
Waldyr Mendes Ramos
CAPÍTULO 8
NADO PEITO 155
Ronaldo Martiniano
Colaboradora: Ilustradora Bianca Werneck Martiniano,
responsável pela elaboração das figuras correspondentes às descrições dos exercícios educativos.
CAPÍTULO 9
NADO BORBOLETA 177
Gabriel Costa e Silva
CAPÍTULO 10
A PRÁTICA DE ATIVIDADES AQUÁTICAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA 191
Tania Werner
Michele Pereira de Souza da Fonseca
CAPÍTULO 11
ATIVIDADES AQUÁTICAS PARA GRUPOS DE RISCO 211
Elizabeth Carvalho Lugão
CAPÍTULO 12
NADO ARTÍSTICO 233
Sonia Hercowitz
Lívia Prestes Lemos da Silva
Maura Lúcia Xavier
Colaboradoras: Suzanne Bunn e Gláucia Soutinho
Participação da atleta olímpica Luisa Borges
Fotografia Luciana Nunes
CAPÍTULO 13
A AQUISIÇÃO DE HABILIDADES MOTORAS NO POLO AQUÁTICO 281
Silvio Telles
Renato Novaes
SOBRE OS AUTORES 315
ÍNDICE REMISSIVO 321
INTRODUÇÃO
Enquanto cientistas do esporte, compreendemos que devemos publicar um livro se pretendemos apresentar algo novo. Já enquanto professores, entendemos que essa escrita se justifica quando temos a intenção de apresentar um conteúdo que facilite a aprendizagem dos nossos estudantes, futuros docentes. E com esse livro nós atendemos a essas duas exigências. O que almejamos é conversar com os nossos alunos e colegas professores de educação física que estão espalhados pelas piscinas de todo nosso Brasil. Esses profissionais ensinam às crianças as diversas experiências que podem ser realizadas no meio aquático, seja no ambiente escolar, de academias, clubes competitivos ou não competitivos.
Tudo bem, mas o que mais justifica a elaboração deste livro? Conseguimos reunir um grupo de profissionais com extensa vida acadêmica e com anos de experiência na área para discutir o ambiente da prática das atividades e esportes aquáticos. Essa proposta surgiu por meio dos professores de Natação da Escola de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os capítulos foram pensados e propostos a partir das dúvidas que estudantes e profissionais têm sobre o tema. Assim, trazemos a esse público, assuntos de interesse do profissional do meio aquático. Alguns deles são carentes na literatura nacional, como é o caso do Nado Artístico e do Polo Aquático. Outros ainda necessitam ser aprofundados, como é o caso da prática da Natação no ambiente escolar, da aplicação dos conceitos biomecânicos e da prática da Natação por pessoas com deficiências.
Esclarecemos desde já que não buscamos uma uniformização rígida na escrita dos capítulos. Cada autor teve liberdade de fazer a abordagem que melhor atendesse à sua visão e de acordo com a sua formação. Assim, não entenda as diferentes formas de apresentação dos capítulos como falta de unidade, mas como respeito ao que cada um dos autores considerava mais importante de ser transmitido sobre o assunto em questão.
No capítulo 1, os professores Silvio Telles e Renato Novaes discutem com maestria a história das atividades aquáticas – da vivência do homem pré-histórico com o ambiente aquático até a atualidade – em que temos a prática dos esportes formais e de outras atividades como a hidroginástica. Lá você também pode ler sobre a construção histórica da prática do nado Crawl, Costas, Peito e Borboleta e como foram as transformações históricas relativas à prática da Natação em águas abertas, com o Polo Aquático, o Nado Artístico e os Saltos Ornamentais. Não tem como perder!
A professora Heloisa Alonso apresenta, no capítulo 2, os aspectos pedagógicos da aprendizagem das atividades aquáticas na educação física escolar, respeitando suas finalidades e características. Nele os leitores têm contato com discussões relativas aos princípios do desenvolvimento humano e a inter-relação entre as fases do desenvolvimento motor e os estágios de aprendizagem das habilidades motoras. Além disso, o capítulo apresenta a aplicação desse conhecimento a partir do tópico princípios metodológicos e a relação do professor com o seu aluno. Vale destacar que, apesar de pautar-se no ambiente escolar, essas informações são importantes para qualquer etapa de aprendizagem e local onde haja o relacionamento entre alguém que ensina e alguém que aprende.
O capítulo 3 traz discussões específicas da fisiologia para o ambiente aquático. O professor Diego Gomes e a professora Fabiana Scartoni apresentam preocupações relativas aos aspectos fisiológicos no processo ensino aprendizagem das atividades aquáticas. Devemos lembrar que, quando estamos no ambiente aquático, é como se estivéssemos em outro mundo. Nossos sistemas e percepções sofrem algumas alterações que podem influenciar na aprendizagem – direta ou indiretamente. Por isso é importante que o professor tenha atenção à temperatura da água e as modificações na frequência cardíaca e respiratória – por exemplo. Ainda é importante termos conhecimento sobre a prática de atividades aquáticas pelas meninas na época da menstruação, como lidar com as câimbras, a prática de atividade aquática após alimentação e o motivo daquela vontade de urinar que nossos alunos têm durante a aula. Ou seja, são discussões úteis ao nosso dia a dia.
A professora Sônia Corrêa e o professor Gabriel Costa e Silva, no capítulo 4, apresentam, de forma didática e com exemplos práticos, como os conceitos biomecânicos podem ser utilizados na construção da consciência corporal na adaptação ao meio aquático (AMA). Por meio de perguntas e respostas os autores escrevem o capítulo de uma forma muito interessante. Você irá se surpreender. E por falar em adaptação ao meio aquático, chegamos ao capítulo 5, intitulado A descoberta de um novo mundo: a fase de (re)adaptação ao meio aquático
. Aqui a professora Márcia Fajardo de Faria conduz o professor a valorizar a AMA como etapa de contato inicial do aprendiz com esse ambiente que costuma encantar a todos. Ao longo da leitura você saberá o que ensinar e como ensinar nessa etapa tão importante para todos os esportes aquáticos.
Nos capítulos 6 a 9 chegamos ao assunto mais comum aos livros de Natação – a técnica e a aprendizagem dos nados formais-competitivos. Cada professor, à sua maneira, expôs a descrição do nado e uma proposta de atividades ao seu ensino. O capítulo 6 ficou a cargo do professor Guilherme Tucher, que optou por apresentar os conteúdos de ensino do nado Crawl da saída de bloco a chegada à borda. Mesmo que o foco do livro não seja na Natação competitiva, o autor se preocupou em apresentar aos leitores discussões atuais sobre o conhecimento do nado e o seu ensino. Em seguida, o professor Waldyr Ramos faz o mesmo com o nado Costas – seu companheiro de muitos anos de Natação. Além da descrição técnica dos movimentos do nado, o autor sugere vídeos na internet para a sua melhor compreensão e ensino. Sabemos que, infelizmente, o deslocamento no nado Costas não é muito querido pela maioria dos aprendizes – mas precisamos reverter esse quadro.
O nado Peito ficou sob a responsabilidade do professor Ronaldo Martiniano. Ele começa apresentando fatos marcantes do nado e, em seguida, os conteúdos técnicos que devem ser ensinados. Destacamos a atenção dedicada aos movimentos da pernada – que alguns aprendizes sentem dificuldade em realizar. Em seguida, o professor Gabriel Costa e Silva começa com uma breve introdução e histórico do nado Borboleta. Junto à descrição cuidadosa dos movimentos técnicos do nado, o autor discute as possíveis lesões no ombro decorrentes da prática desse nado. O autor ainda se propõe a apresentar os erros mais comumente realizados no nado Borboleta e como corrigi-los.
Então chegamos ao capítulo 10, em que as professoras Tania Werner e Michele Fonseca trazem, como especialistas na área, informações sobre a prática de atividades aquáticas para pessoas com deficiência. Texto muito importante por tratar da aprendizagem e da participação de qualquer pessoa nas atividades aquáticas. As primeiras discussões do capítulo são sobre a Síndrome de Down, seguida da deficiência visual, da deficiência física e da lesão medular. Mais uma leitura obrigatória a todos os professores.
O capítulo 11, escrito pela professora Elizabeth Lugão, discute a prática de atividades aquáticas para grupos de risco. Destacamos que a prática dos esportes aquáticos não deve estar focada unicamente em sua finalidade competitiva – que é um fim importante, não temos dúvidas. Entretanto a maioria das pessoas pode praticar Natação, por exemplo, com finalidades de saúde e lazer. Mas, para que essa atividade seja feita com segurança, é preciso que o professor tenha conhecimento sobre alguns grupos de risco. Nesse sentido, o leitor terá contato com informações relativas à prática de atividade física por indivíduos com asma, diabetes mellitus e obesidade.
Chegando ao final do nosso livro e fechando com chave de ouro, os capítulos 12 e 13 trazem uma considerável discussão sobre a técnica e o ensino do Nado Artístico e do Polo Aquático– literatura raríssima em nosso país. Consideramos uma inovação a apresentação de informações sobre esse assunto. As professoras Lívia Prestes, Sônia Hercowitz e Maura Xavier expõem com detalhes o que precisamos saber para conhecer melhor e começar a ensinar o Nado Artístico. Esse é um capítulo que fizemos questão de usar imagens, com a participação da atleta olímpica Luísa Borges, para que ficasse mais perceptível a proposta dos movimentos – que, como dito pela professora Sônia Hercowitz, também podem ser usados na fase de adaptação ao meio aquático. Aproveitem!
No capítulo sobre o Polo Aquático, os professores Silvio Telles e Renato Novaes retornam para apresentar subsídios relevantes sobre a pedagogia dessa prática esportiva. Expõem ainda informações sobre a sua estrutura de prática e diversos educativos para a aprendizagem dos fundamentos técnicos da modalidade. Aqui também contamos com imagens que visam facilitar o entendimento do leitor. Recomendamos a leitura desse capítulo mesmo para aqueles profissionais que não trabalham especificamente com a modalidade. A leitura se torna relevante por acreditarmos que são conteúdos que podem ser usados com facilidade na fase de adaptação ao meio aquático ou mesmo como jogos para os aprendizes de Natação.
Boa leitura!
Prof.ª Márcia Fajardo
Prof. Guilherme Tucher
Organizadores
CAPÍTULO 1
HISTÓRIA DAS ATIVIDADES AQUÁTICAS
Silvio Telles
Renato Novaes
1. Introdução
Quando pensamos em movimentos no meio aquático somos levados a salientar a importância da água para a humanidade. As principais nações do mundo desenvolveram-se próximas à água, fossem em rios ou mesmo em mares. Muito antes do surgimento da civilização, o homem pré-histórico já se valia da água para sobreviver. A pesca, desde o paleolítico (pedra lascada), neolítico (pedra polida) e era dos metais, foi fundamental para o homem sedentário e principalmente para o nômade que buscou a sobrevivência na e pela água (KRUEL, 1994; BONACHELA, 2001).
Os romanos utilizavam a água com finalidades curativas e recreativas. Algumas termas eram divididas em fases ou mesmo em partes isoladas dependendo da intenção do usuário. O Sudatorium era um local destinado a intensificar a transpiração dos corpos após as lutas por meio de banhos de vapor. O Caldarium era o local mais importante das termas. Lá os praticantes de atividades físicas limpavam o óleo do corpo que utilizavam para a prática e relaxavam numa fonte de água bem quente e depois iam para um tanque para completar sua limpeza. O Tepidarium também possuía fontes ou piscinas e tinha a água menos aquecida que preparava o homem para a última fase, o Frigidarium. Nesse último local, ainda com os poros bem dilatados em virtude da anterior imersão na água relativamente quente, a vaso constrição ocasionada pela água mais fria provocava uma sensação de bem estar e relaxamento (BONACHELA, 2001).
Assim, desde a pré-história, passando pela Antiguidade, Idade Média, Moderna e Contemporânea, a água teve papel preponderante para toda a humanidade. Contudo um novo paradigma se instauraria a partir do processo de industrialização, entre os séculos XVIII e XIX, alterando definitivamente o tempo do homem e sua relação com o mundo.
O corpo maquínico passa a ser almejado para a quebra de recordes. A medicina e o avanço dos conhecimentos sobre o corpo ditam e definem limites até então nunca pensados, ampliando as possibilidades do homem frente as suas próprias fronteiras, tornando o esporte moderno um apêndice de toda uma nova visão de mundo, pautada no surgimento e consolidação dos Estados-Nação que tinham como seus pilares a soberania, a cidadania e o nacionalismo.
Veyne (1998) nos explica que um acontecimento só tem sentido dentro de uma série. O número de séries é indefinido, elas não seguem um padrão geométrico no qual a lógica sirva para esclarecer definitivamente o acontecido. A ideia de história é um limite inacessível, ela é subjetiva e reflete a projeção de nossos valores nas respostas aos questionamentos que decidimos fazer. Descrever a totalidade dos fatos no campo histórico seria uma tarefa impossível, já que um caminho deve ser escolhido, e ele não pode passar por toda parte. Acreditamos ainda que nenhum desses caminhos é o único ou o correto e que, muito menos, reflete na totalidade da história. A história está no conjunto de informações, nos cruzamentos dos itinerários possíveis e principalmente nos objetivos propostos.
Dessa forma, este capítulo tem como objetivo apresentar uma discussão sobre a relação entre o surgimento/desenvolvimento das atividades/esportes aquáticos frente aos novos paradigmas de uma sociedade industrial, moderna e, posteriormente, contemporânea. Como atividades meramente ligadas ao lazer e à subsistência passaram a ser consideradas atividades competitivas e lucrativas? O esporte moderno, fase que sucedeu aos antigos jogos, passa a reverberar um novo paradigma social, econômico e cultural. Assim o ponto focal situa-se na construção de um ideário de esporte, no qual a culturalidade, que dava contornos regionais às competições, cede espaço para um processo de homogeneização de condutas, ações, técnicas e regras. O diferente, o fora do padrão passa a ser minoria e com poucas chances de sucesso. A técnica para a otimização e o alcance do êxito e da vitória passa a representar a tônica do esporte moderno.
2. A Revolução Industrial, a atividade física e o esporte
Para Norbert Elias (1994), o processo civilizatório que acontece entre os séculos XII e XIX na Europa se caracteriza pela construção de uma sociedade mais civilizada e pela preocupação com o controle das emoções. Essas mudanças contribuíram para a aquisição de uma nova cultura aristocrática. A luta entre burguesia e aristocracia que se alternavam no poder desenvolveu um código de conduta que protegia uns e outros por conta dessa alternância. Essas atitudes espalharam-se por toda a sociedade dando início a uma preocupação em obedecer a certas regras sociais, que geraram forte influência na figura do gentleman inglês e do sportman.
Para o inglês, a educação também podia ser conquistada no esporte, tendo, inclusive, criado o conceito de fair play que se traduz em uma atitude de respeito ao adversário. Enfim, relaciona-se tal atitude ao ethos cavalheiresco do esporte vitoriano. Esse processo, ainda segundo Elias (1994), é fruto da parlamentarização e da busca do controle da violência.
Assim, as atividades lúdicas e os esportes deveriam ter na essência certo grau de sofisticação, afastando-se das atividades mais violentas e sem controle. Era uma construção de cima para baixo, sendo, inclusive, uma forma de separação entre a burguesia ascendente, pós-Revolução Francesa, e a plebe, reproduzindo assim os costumes da classe dominante.
No Brasil aconteceu caso semelhante. Quando da chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, Carlota Joaquina e as filhas desembarcam no Rio de Janeiro com as cabeças raspadas ou cabelos muito curtos, além de usarem turbantes, tudo isso em virtude de uma infestação de piolhos. Pouco tempo depois, muitas mulheres aderiram ao visual acreditando se tratar da última moda na Europa (GOMES, 2007). Como vemos, a elite dita as regras.
Mandell (1986) explica que a Revolução Industrial – com sua noção de aplicação racional do tempo, fé na ciência e na busca do êxito – teria sido deflagradora da origem dos esportes modernos. Para o autor, os primeiros capitalistas eram no fundo jogadores que apostavam na probabilidade do êxito. A industrialização trouxe uma padronização de tempo e medidas que acabaram por serem integradas à vida cotidiana da população.
O uniforme, os horários de entrada e saída, a necessidade do aumento da produção e a opção da Inglaterra, berço da Revolução Industrial, pelo esporte em detrimento do movimento ginástico foram ações determinantes para o surgimento de diversos esportes modernos. De fato, o que houve foi a transformação dos jogos que já existiam mas que mantinham suas peculiaridades de acordo com a cultura em que eram praticados em atividades que atendiam à racionalização, novo paradigma de uma era. Com isso, a padronização de regras e o surgimento de federações passaram a ser uma constante nos séculos XIX e início do XX na Europa.
Nessa perspectiva, o homem é destituído de sua condição carnal. A ele são atribuídas funções de máquina. O corpo é dissociado da condição humana. Le Breton (2007) explica que o corpo passa a ser um membro supra numérico do homem em virtude de um mecanicismo biológico que isola o próprio corpo e deixa o homem em suspensão. Explica ainda que quanto mais o corpo perde o valor moral, mais cresce o valor técnico mercadológico. Assim, usa-se o corpo como meio para o alcance do objetivo e sua essência pouco importa para tal. O doping é um mecanismo que pode ser socialmente compreendido a partir dessa perspectiva.
Sevcenko (2001) expõe sua opinião sobre a sociedade moderna e seu crescente conceito evolutivo de tempo. A vida urbana agora é regida dentro de uma variável, na forma de um índice de intensidade e aceleração até então nunca vistos. O período pós-guerra acentuou esses conceitos, aproximando o mundo como um todo por meio da comunicação que acaba se traduzindo na vida cotidiana, seja na arte ou mesmo no esporte. O mundo agora vive uma sintonia que pode ser traduzida dentro de uma temporalidade própria, principalmente em função do aparato tecnológico de alcance mundial que se vê cristalizado e ostensivo a partir do surgimento das megalópoles modernas.
Dentro dessa cultura industrial nasce a competição entre as fábricas, a regulamentação de procedimentos que acabaram por influenciar a unificação de diversas regras esportivas. Já não seria mais possível nesse modelo de sociedade competições que não fossem padronizadas. A frase escolhida por Pierre de Coubertin como lema olímpico, Citius, Altius e Fortius, mais rápido, mais alto e mais forte, se encaixa perfeitamente no novo ideal cultural de eficiência no esporte. Ser um herói moderno e alcançar as benesses que um campeão olímpico gera é fonte de inspiração para aqueles que sonham em serem imortalizados como seus antecessores gregos.
Assim, o esporte oferecido para todos passa a ser um bem e um direito social. Ter o reconhecimento da sociedade a ponto de ser considerado um herói e com maior possibilidades de acúmulo de riquezas passa a ser objetivo de muitos jovens. Essa vontade, que surge do poder simbólico que o herói propaga, impulsiona o homem a procurar uma prática corporal que seja o caminho para o sucesso.
3. O movimento de esportivização das atividades aquáticas
O esporte surge, portanto, como resultado do processo de industrialização e urbanização iniciado na Inglaterra no século XVIII – o que contradiz o senso comum que associa seu surgimento aos Jogos Olímpicos da Grécia Antiga (BETTI, 1991). No caso das atividades aquáticas, a criação dos Jogos Olímpicos da era moderna e da Fédération Internationale de Natation Amater (FINA) são etapas fundamentais para compreendermos a relação que hoje temos como natural entre as atividades aquáticas e o esporte institucionalizado (SAAVEDRA, ESCALANTE; RODRÍGUEZ, 2003).
Nos Jogos Olímpicos da Grécia Antiga, não existem registros sobre a prática da Natação ou de outras atividades aquáticas como modalidade competitiva, apesar de serem mencionadas como atividades importantes para o treinamento militar e para a recuperação de atletas. É apenas no século XIX que se registra a construção da primeira piscina coberta, em 1828, e a primeira competição organizada de Natação, em 1837¹. Com as primeiras competições de Natação na Inglaterra surge a necessidade do estabelecimento de regras, que culminou em 1874 na criação da primeira federação de clubes de Natação, a Association Metropolitan Swimming Clube
. A partir desse momento, redige-se o primeiro regulamento de Natação e a possibilidade do estabelecimento de recordes (SAAVEDRA et al., 2003; LOVE, 2007).
Um ano mais tarde, Matthew Webb se consagraria como o primeiro ser humano a atravessar o Canal de Mancha, com o tempo de 21 horas e 45 minutos. O feito de Webb contribuiria enormemente para a difusão da Natação na Europa, principalmente na Inglaterra, sendo noticiado de forma dramática e heroica em diferentes jornais. Sua imagem foi veiculada a diversos produtos, assim como livros sobre Natação foram atribuídos a ele² (LOVE, 2007).
A partir do movimento de institucionalização das práticas corporais em esportes, que aconteceu principalmente na Inglaterra, em 1896 são celebrados em Atenas os primeiros Jogos Olímpicos da era moderna. A Natação foi contemplada nesses jogos com as seguintes modalidades: 100m, 500m e 1200m livres. Quatro anos mais tarde, em Paris, a Natação ganha ainda mais notoriedade, com as seguintes modalidades: 100m e 200m livres, 200m costas, 60m submarinos e 200m com obstáculos, tendo sido todas disputadas no rio Sena. Na edição seguinte dos Jogos Olímpicos, no ano de 1904 em Saint Louis (EUA), as provas disputadas foram os 100, 200 e 400 jardas livres, 100 jardas costas e 400 jardas peito (RODRÍGUEZ, 1997) e as raias foram demarcadas por flutuadores. Apenas na edição Londres, em 1908, os jogos vieram a ocorrer numa piscina (FINA, 2015d).
Percebe-se, portanto, que desde a criação dos Jogos Olímpicos em 1896 até a edição de 1908, em Londres, não há uma padronização internacional das modalidades, distâncias e local de realização das provas – por exemplo. Com a expansão internacional do movimento de institucionalização do esporte iniciado na Inglaterra no século anterior, visto pela crescente notoriedade dos Jogos Olímpicos, nasce em Londres no ano de 1908 a FINA, com os seguintes propósitos: 1) estabelecer regras unificadas para a Natação, os saltos e o Polo Aquático; b) verificar os recordes do mundo e estabelecer uma lista dos mesmos; e c) dirigir as competições nos Jogos Olímpicos (FINA, 2000). Faziam parte dessa federação os seguintes países: Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Hungria e Suécia (FINA, 2015e). As principais regras, vale dizer, foram adotadas da Amateur Swimming Association, criada em 1886, em Londres (LOVE, 2007). A partir do momento da criação da FINA, sua história e a dos Jogos Olímpicos se confundem. Os esportes aquáticos ganharam proporções internacionais e foram institucionalizados nos moldes sociais que emergiram no século anterior com o advento da Revolução Industrial.
A seguir, apresentamos importantes marcos históricos relacionados à FINA e aos esportes aquáticos: