Escrito para a Eternidade: A Epigrafia e os Estudos da Antiguidade
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Escrito para a Eternidade - Raquel de Morais Soutelo Gomes
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA
Historiador
Veio para ressuscitar o tempo
e escalpelar os mortos,
as condecorações, as liturgias, as espadas,
o espectro das fazendas submergidas,
o muro de pedra entre membros da família,
o ardido queixume das solteironas,
os negócios de trapaça, as ilusões jamais confirmadas
nem desfeitas.
Veio para contar
o que não faz jus a ser glorificado
e se deposita, grânulo,
no poço vazio da memória.
É importuno,
sabe-se importuno e insiste,
rancoroso, fiel.
Carlos Drummond de Andrade, in ‘A Paixão Medida’.
Apresentação
Escrito para a Eternidade: A Epigrafia e os Estudos da Antiguidade é uma coletânea de artigos que têm como tema a utilização dos monumentos epigráficos para a construção dos estudos históricos. Os capítulos que compõem o presente volume oferecem ao público trabalhos de onze pesquisadores brasileiros e portugueses que se dedicam ao estudo da Antiguidade em diferentes espaços e temporalidades, e que se destacam nas áreas de Epigrafia, Arqueologia e História. Os enfoques escolhidos pelos autores colocam em perspectiva profusas e diferentes abordagens investigativas, sobretudo pela sutileza das interpretações advindas do encontro entre os estudos históricos e a análise epigráfica.
Os leitores têm em mãos uma reunião de estudos que colocam em evidência a riqueza da intercessão entre essas ciências. Tais trabalhos apresentam, fundamentalmente, os caminhos e possibilidades que os estudos epigráficos viabilizam para as pesquisas a respeito de incontáveis temas da Antiguidade. Observa-se, portanto, uma tarefa ousada dada a amplitude do tema e sua importância na historiografia clássica. Cientes disso, as organizadoras não têm a pretensão de transcrever o longo trajeto de ambas as disciplinas, mas sim mapear as intercessões de seus percursos, seus possíveis diálogos e publicizar a fertilidade desses encontros para o estudo da História Antiga.
A abrir os debates está o capítulo do Prof. Dr. José d’Encarnação intitulado Os Estudos Epigráficos Em Portugal, no qual apresenta um estudo panorâmico e atualizado sobre as investigações mais recentes em Epigrafia em Portugal, além de enriquecer-nos com o estudo de uma epígrafe recém-publicada no Ficheiro Epigráfico.
Na sequência, o Prof. Dr. Luis Eduardo Lobianco em seu capítulo Epigrafia, Papirologia e Iconografia Grega, Latina e Faraônica como Testemunhas do Antigo Oriente Próximo para a Eternidade, utiliza uma pluralidade de fontes – dentre elas as epigráficas – para a construção da história do Antigo Oriente Próximo, provenientes do Egito Ptolomaico e Romano e da Judeia Romana.
Já a Prof.ª Dr.ª Renata Senna Garraffoni e o Me. Alexandre Cozer, na terceira contribuição a esta obra, discutem as contribuições da ciência epigráfica para a criação de novas metodologias para o estudo da poesia e lírica do início do Principado Romano. Para tanto, escolhem como objeto de análise os grafitti, um dos tipos de inscrições ainda pouco trabalhados no campo da Epigrafia.
O Prof. Me. Carlos Eduardo da Costa Campos, em seu capítulo, nos transporta para a cidade de Sagunto, na Hispania Citerior Tarraconensis, em uma temporalidade específica: o período referente aos séculos I a.C. – I d. C. Definindo-a como uma cidade provincial com fortes marcas da administração e da presença romana na região, Campos dedica-se ao estudo da documentação epigráfica com a proposta de levantar novas possibilidades de leituras sobre a dinâmica política local.
Os Profs. Drs. Gilvan Ventura da Silva e Érica Cristhyane Morais da Silva, por sua vez, propõem um estudo sobre a construção da paisagem urbana do Império Romano durante a Antiguidade Tardia, a saber, entre os séculos IV e V d.C. No texto intitulado Evergetismo e a Vida Urbana em Antioquia: Considerações à luz da Epigrafia (séc. IV-V), os autores confrontam as interpretações que observam a transição para o medievo como um período de declínio ou ruína e propõem um olhar renovador no estudo das inscrições tardo-antigas ao buscar outros elementos para problematizar e compreender a prática do evergetismo, bem como sobre as instituições cívicas, as atividades cotidianas e o ritmo de vida na polis.
Avançando na temática da práxis cotidiana, os Prof. Drs. Luciane Munhoz de Omena e Pedro Paulo de Abreu Funari, no capítulo O Fio da Memória: O Condutor dos Mortos nos Parentalia, apresentam um estudo sobre as relações de afetividade e de pietas familiar a partir da celebração dos Parentalia. Para tanto, destacam a estela funerária dedicada à Vrsilia Ingenua, encontrada na Via Manzoni-Giardino, em Milão, datável entre os séculos II e III d. C.
Já a Prof.ª Dr.ª Airan dos Santos Borges em sua contribuição denominada As Formas de Integração, as Redes de Comunicação e Promoção Política das Elites Provinciais Lusitanas no Alto Império, apresenta as potencialidades da epigrafia jurídica para o estudo das elites provinciais lusitanas ao longo do Alto Império Romano.
O estudo de inscrições poéticas volta à cena com o capítulo dos Profs. Drs. Maricí Martins Magalhães e Álvaro Alfredo Bragança Júnior. No capítulo intitulado A Inscrição do Poeta Lucceius Conservada em Stabiae: As Fabulae Atellanae e o Exodium Atellanicum, esses autores apresentam um rico estudo dividido em duas partes. A primeira, assinada por Magalhães, intitula-se A inscrição do Poeta Lucceius e o Centro Samnítico-Romano de Atella e é dedicada à inscrição deste artista e suas relações com o centro mencionado. A segunda seção, A Fabula Atellanae o Exodium Atellanicum, de Bragança Junior, realiza uma breve conceptualização do gênero da fabula atellana e apresenta um estudo de caso centrado nos dados biobibliográficos de Lucius Pomponius.
Nosso percurso histórico-epigráfico chega à cidade de Roma pelas mãos da Prof.ª Me. Débora Casanova da Silva, com o capítulo Magistri Vici: A Autopromoção dos Vicomagistri nos Bairros de Roma sob o Principado de Augusto. O século I a.C. é o período analítico escolhido para o estudo, especificamente durante o período das mudanças físicas da cidade de Roma, entre os anos 12 e 7, executadas por Augusto e seu cunhado Agripa (Marcus Vipsanius Agrippa), com a ajuda de outros colaboradores. O objetivo geral de Casanova consiste em analisar a inclusão da plebe nos rituais oficiais da cidade de Roma a partir da nova função que adquirem no Festival das Compitalia, resgatados e ressignificados no governo de Augusto (Gaius Iulius Caesar Octavianus Augustus).
Enriquecendo o volume, a Prof.ª Me. Raquel de Morais Soutelo Gomes nos apresenta o capítulo O Culto ao Marte Romano-Indígena no Ocidente Brácaro: A Epigrafia no Auxílio dos Estudos dos Contatos Religiosos em Período Romano. Nele, a autora apresenta algumas características do culto a um possível Marte romano-indígena verificado nas inscrições votivas encontradas na faixa atlântica do Conuentus Bracaraugustanus, localizado no Noroeste da Península Ibérica, comparando as informações advindas destas com aquelas de manifestações religiosas ao Marte romano, a fim de individualizar cada deidade.
Por fim, o capítulo do Prof. Dr. Armando Redentor, intitulado Nótula sobre Representações Zoomórficas nas Estelas Funerárias Romanas Transmontano-Zamoranas, conclui, com maestria, a presente obra. Em seu estudo, o autor traz à baila as representações zoomórficas apresentando-as como um aspecto peculiar sobre a epigrafia funerária romana de Trás-os-Montes Oriental e da Zamora Ocidental.
Esses capítulos mostram, portanto, os profícuos diálogos que podem surgir ao analisarmos em conjunto as fontes epigráficas, históricas, literárias e arqueológicas para a produção de conhecimento sobre a Antiguidade. E, como o seu homônimo, Escrito para a Eternidade: A Literatura no Egito Antigo de Emanuel Araújo, apresentar também um conjunto de fontes e textos da Antiguidade por vezes pouco conhecidos do público brasileiro e internacional.
Prefácio¹
Claudia Beltrão da Rosa
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
A Epigrafia nos fornece uma ampla gama de tipos distintos de textos escritos em diversos suportes materiais: textos gravados em pedra ou metal, em pinturas, relevos, vidros, mosaicos, ou textos escritos em outras superfícies, como paredes de edifícios públicos ou privados, túmulos, enfim, uma grande variedade de inscrições traçadas em algum suporte durável.² Os achados arqueológicos naturalmente determinam nosso conhecimento sobre esses diferentes tipos de escrita no passado, mas a pesquisa antiquista vem revelando o mundo antigo, especialmente no chamado período imperial romano, como um mundo no qual a elaboração e a disposição pública de textos os mais diversos era uma prática rotineira, seja no âmbito institucional, no religioso, ou na quotidianeidade. De certo modo, as inscrições podem ser vistas como um fenômeno de massa no mundo antigo, e isso se aplica não somente às regiões de língua grega e latina, mas também a outros idiomas que compuseram a tradição epigráfica do Império romano, como o púnico, o siríaco, o hebraico, o aramaico ou o demótico. As inscrições de diversos tipos existem em tal quantidade que, mesmo no que tange às inscrições latinas e gregas, é impossível fornecer números precisos. E, se levarmos em consideração que a maior parte das inscrições imperiais romanas foi feita em madeira e bronze, percebemos com clareza que a maior parte das inscrições antigas não chegou até nós.³
Este livro, cujo tema central é a relação entre monumentos epigráficos e a construção do conhecimento histórico, traz onze contribuições de pesquisadores brasileiros e portugueses que permitem ao leitor compreender tanto o potencial quanto as limitações das inscrições como fonte material e textual para o estudo da história, considerando a diversidade da cultura epigráfica no mundo romano e o material que chegou até nós. Para uma boa compreensão da cultura epigráfica, é importante reconhecer a plasticidade da escrita que foi preservada e seus diversos suportes – notando que o tipo de suporte utilizado para um texto nem sempre depende da intenção de seu autor, mas simplesmente do próprio material à disposição, e que o pesquisador precisa conhecer não apenas o texto, sua função e seu suporte, os métodos de escrita e o contexto arqueológico, o que requer um bom esforço de comparação não apenas entre diferentes inscrições e de objetos do registro arqueológico, mas também um sólido conhecimento de outras formas e estilos de escrita da época e do lugar estudados, e as variações derivadas por mudanças culturais, sociais ou políticas.
Mais ainda, é necessário ter sensibilidade para escapar aos limites impostos pelas tradicionais categorizações do conhecimento epigráfico que estudamos nos manuais de epigrafia latina, que dividem a análise das inscrições em sagradas, sepulcrais, honoríficas, públicas, legais, sacerdotais/colegiais, fasti, instrumentum domesticum, inscrições parietais etc.⁴ Tais divisões, se têm uma justificativa didática no uso da epigrafia na pesquisa de diferentes temas históricos, talvez não reflitam adequadamente, ou nem sempre refletem, as motivações que levaram as pessoas da antiguidade a criar inscrições de natureza variada. Um exemplo é uma inscrição em base de estátua de um ser humano que, se pode ser categorizada como honorífica
em seu propósito, a classificação tradicional é desafiada quando se observa quem a patrocinou (uma municipalidade, um colégio, um liberto, um parente etc.), ou se a estátua foi feita para ser disposta em um lugar público – e que tipo de lugar público... –, ou em uma casa, ou um túmulo.⁵ Inscrições permitem conhecer imagens de um indivíduo, de uma ocupação, de um grupo social, de rituais, de cerimônias etc. Sem uma boa base metodológica e como muitas vezes apenas a inscrição chegou até nós, corre-se o risco de tomá-la como a própria honra
, esquecendo que o texto na base é geralmente apenas o texto explicativo que acompanha a honra propriamente dita, a estátua. Em suma, as inscrições realizavam um amplo espectro de funções que devem ser levadas em conta na pesquisa.
Uma das maiores contribuições dos estudos epigráficos, inegavelmente, é a ampliação do uso das inscrições como documentos históricos, e avanços significativos foram feitos nas últimas décadas quando se passou a insistir que, mais do que textos objetivos
, são também subjetivos
e seletivos
. Esta coletânea reúne estudos inéditos de monumentos
epigráficos, e esse destaque liga-se ao que pode ser chamado memorialização
, seja de cidades, governos, grupos particulares ou de um único indivíduo.⁶ Como os capítulos mostram, a inscrição é, de um modo ou de outro, monumento. A comemoração é um aspecto importante da inscrição, e essa função podia ser intensificada (por leituras públicas, rituais etc.). Com isso, amplia-se para nós a noção da inscrição ao permitir que pensemos em sua subjetividade. A questão da autoria é particularmente relevante aqui, pois longe de oferecer relatos objetivos, a inscrição revela como indivíduos e grupos humanos queriam ser lembrados.⁷
Ao estudarem os contextos cultural, político, religioso e social das inscrições, as contribuições aqui presentes também mostram o quanto é importante observar como elas eram recebidas e percebidas. Se muitas ou poucas pessoas podiam ler, de fato, as inscrições eram frequentemente apresentadas junto com imagens e/ou em contextos espaciais precisos. Assim, mesmo que em certas regiões poucas pessoas realmente pudessem ler uma inscrição monumental em latim, independente de saberem ler ou não, essa não passaria despercebida.⁸ O estudo da localização das inscrições nos espaços públicos e dos conjuntos visuais-arquitetônicos que ajudavam a compor, uma conquista relativamente recente nos estudos epigráficos, fizeram com que se compreendesse que, mesmo sem conseguir efetivamente ler uma inscrição, as populações imperais não ficavam imunes a ela, e a ela respondiam, inclusive fazendo que caísse na obscuridade ou fosse, mesmo, destruída.⁹ Além do seu material, a aparência geral de uma inscrição era cuidadosamente escolhida e calculada, incluindo o design e a linguagem do texto.¹⁰ Por exemplo, a tradução grega das Res Gestae de Augusto difere significativamente da inscrição latina, explicando e simplificando termos técnicos latinos, incluindo dados topográficos da cidade de Roma e modificando o tom imperialista
da inscrição latina para seu público provincial na Galácia.¹¹
Personagens literárias muitas vezes fornecem ricas impressões sobre a vida dos grupos humanos no passado, e uma personagem em especial pode nos dar uma vívida ideia do envolvimento potencial dos antigos com suas inscrições. Trata-se do mais famoso nouveau riche da literatura, o Trimalchio do Satyricon (Petron. Sat. 71). O riquíssimo liberto não apenas dita, palavra por palavra, o texto que quer ter em seu epitáfio, mas também especifica em detalhes os relevos esculpidos que deveriam decorar seu túmulo. É possível que parte do humor da passagem seja derivada do excesso de zelo e o controle de design e estilo demonstrado pela personagem em relação ao seu túmulo, mas é também possível que fosse o excesso de imagens – uma cena de banquete público, navios carregados com suas velas abertas, a imagem de Fortunata segurando uma pomba, um escravo chorando sobre um jarro de vinho quebrado –, o que divertia o público romano. É de se notar que o texto de seu epitáfio mescla fórmulas usuais de epitáfios com outras frases menos usuais, compondo uma inscrição muito extravagante, para o deleite da plateia.¹²
Obviamente, nem todas as pessoas podiam cuidar com tanto esmero de seus túmulos, e é bem conhecida a produção em massa
de objetos funerários romanos, mas a cena literária permite imaginar que as inscrições eram parte integrante da vida das pessoas, seja nos espaços públicos, seja nos ambientes privados no chamado período imperial romano. E a ascensão do cristianismo, ainda que elementos tradicionais das inscrições clássicas persistissem, levou ao desenvolvimento de uma nova cultura epigráfica, adotando novas fórmulas linguísticas que refletiam valores cristãos, e alterando padrões onomásticos e figurativos de modo a refletir símbolos exclusivos de grupos cristãos.
Se em Portugal a epigrafia é uma ciência e um conhecimento muito bem consolidados, com obras que são referências internacionais, são ainda recentes as pesquisas que lidam com inscrições no Brasil, mas o interesse é crescente e com produção de alta qualidade. De fato, o interesse pelas inscrições no Brasil certamente é fruto da consolidação dos estudos da antiguidade, mas é também um sintoma da ampliação e do amadurecimento geral da pesquisa em ciências humanas em nosso meio acadêmico e, sobretudo, das novas questões que colocamos a nós mesmos e ao passado. Este livro é, portanto, muito bem-vindo, oferecendo estudos inéditos em língua portuguesa que interessarão aos antiquistas em particular e aos interessados nos estudos de Humanidades em geral.
Sumário
Os Estudos Epigráficos em Portugal
José d’Encarnação (Universidade de Coimbra)
Epigrafia, Papirologia e Iconografia Grega, Latina e Faraônica como Testemunhas do Antigo Oriente Próximo para a Eternidade
Luis Eduardo Lobianco (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)
Espaços da Escrita: Um Diálogo entre a Poesia Romana e as Inscrições Urbanas no início do Principado
Renata Senna Garraffoni (Universidade Federal do Paraná)
Alexandre Cozer (Universidade Federal do Paraná)
O Estatuto Municipal de Sagunto e a Inserção de seus Municipes na Dinâmica Romana: Um Estudo de Caso sobre os Séculos I a.C. – I d.C.
Carlos Eduardo da Costa Campos (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Evergetismo e a Vida Urbana em Antioquia: Considerações à luz da Epigrafia (séc. IV-V)
Gilvan Ventura da Silva (Universidade Federal do Espírito Santo)
Érica Cristhyane Morais da Silva (Universidade Federal do Espírito Santo)
O Fio da Memória: O Condutor dos Mortos nos Parentalia
Luciane Munhoz de Omena (Universidade Federal de Goiás)
Pedro Paulo A. Funari (Universidade Estadual de Campinas)
As Formas de Integração, as Redes de Comunicação e Promoção Política das Elites Provinciais Lusitanas no Alto Império
Airan dos Santos Borges (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
A Inscrição do Poeta Lucceius Conservada em Stabiae: As Fabulae Atellanae e o Exodium Atellanicum
Maricí Martins Magalhães (Centro di Studi e Ricerche Bartolomeo Capasso Sorrento)
Álvaro Alfredo Bragança Júnior (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Magistri Vici: A Autopromoção dos Vicomagistri nos Bairros de Roma sob o Principado de Augusto
Debora Casanova da Silva (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro)
O Culto ao Marte Romano-Indígena no Ocidente Brácaro: A Epigrafia no Auxílio dos Estudos dos Contatos Religiosos em Período Romano
Raquel de Morais Soutelo Gomes (Universidade do Minho)
Nótula sobre Representações Zoomórficas nas Estelas Funerárias Romanas Transmontano-Zamoranas
Armando Redentor (Universidade de Coimbra)
Sobre os Autores
Os Estudos Epigráficos em Portugal
José d’Encarnação (Universidade de Coimbra)
Introdução
Pode dizer-se que se encontra praticamente feita a história da ciência epigráfica em Portugal, na medida em que várias têm sido as publicações que a abordam.
Pouco a pouco, aliás, se colmatam lacunas, se levantam questões e assim se vai avançando. Ainda recentemente (18 de julho de 2016) Pedro Correia Marques defendia, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a tese A Epigrafia da Hispania na Correspondência Epistolar entre Emílio Hübner e José Leite de Vasconcelos, que veio trazer nova luz acerca desses finais do século XIX e do modo como se encaravam então os monumentos, amiúde mais numa tónica filológica e linguística, que a histórico-arqueológica que hoje preconizamos.
Recomeçam, designadamente, as reflexões sobre as referências que os historiadores dos séculos XVII, XVIII e, até, XIX faziam acerca de inscrições que aduziam a comprovar as histórias assaz mirabolantes que contavam. André de Resende (1500? – 1573), Frei Bernardo de Brito (1569-1617) ou Luís Marinho de Azevedo (†1652) terão sido voluntariamente falsários, deram abrigo a falsidades ou era essa a mentalidade da época e poderão, porventura, ter-se servido de textos concretos, autênticos, copiando-os na totalidade ou adaptando-os à sua maneira?
Enfim, há toda uma panóplia de questões para que já se encontrou explicação, que acarretou, por seu turno, outras reflexões e outros modos de encarar o ambiente histórico-geográfico em que determinada epígrafe «nasceu».
Perante este panorama, tomei a liberdade de optar pela seguinte metodologia, não isenta, naturalmente, objecções:
– Numa primeira parte, retomei, em traços largos, essa história, situando-me, de modo especial, nos anos mais próximos.
– Na segunda parte, quase em jeito de anexo, reuni bibliografia seleccionada, apresentando-a não – como é hábito – por ordem alfabética do apelido dos autores, mas sim por ordem cronológica, para que se fique com uma ideia mais exacta da evolução verificada.¹³ Para essa segunda parte vou, por conseguinte, remeter implicitamente na primeira, porque nela serão indicados os textos previamente citados; essa opção permitirá aligeirar o discurso, uma vez que se trata de referências bibliográficas de fácil identificação.
– Reproduzo, na terceira parte, o estudo de uma epígrafe publicada há poucos meses no Ficheiro Epigráfico e comento, de seguida, os seus aspectos mais relevantes.
Para uma história da Epigrafia em Portugal
Ciência que procura decifrar e interpretar os textos gravados em materiais duradoiros, para, contextualizando-os, os utilizar como fonte histórica, a Epigrafia conheceu, desde o Humanismo e o tempo das Academias, mui importantes cultores entre nós, porque, apresentando a epígrafe textos sintéticos e, por esse motivo, pensados e entremeados de siglas e abreviaturas, despertavam essas «pedras com letras» uma curiosidade imensa: que enigmática mensagem aqui se ocultará? Na verdade, como muito bem sugeriu Giancarlo Susini¹⁴, a Epigrafia é o estudo da forma como, em determinado momento, o Homem seleccionou ideias para, por escrito, as transmitir aos vindouros!...
Epígrafes houve-as, pois, em todos os tempos; foi, porém, sem dúvida, a época romana que, nesse domínio, maior atenção despertou, não apenas por serem abundantes as epígrafes desse tempo, mas, sobretudo, porque assim se completava capazmente a história haurida nos livros clássicos, uma história, essa – de Tácito, de Tito Lívio ou Díon Cássio…–, sempre susceptível de ter passado antes pelo crivo de uma censura qualquer.
Será uma academia, a Academia das Ciências de Berlim, que chamará a si a tarefa de reunir num monumental corpus – segundo critérios comprovadamente científicos – todas as inscrições conhecidas do mundo romano. Os volumes foram organizados geograficamente: do II, referente aos textos da Península Ibérica, ficaria encarregado Emílio Hübner, que visitou Portugal durante o ano de 1861. Viu museus, recolheu ampla bibliografia impressa e manuscrita, relacionou-se com os nossos académicos. Sistematizados os materiais, a Academia publicou, em 1869, o primeiro tomo do Corpus Inscriptionum Latinarum II (= CIL II); o 2º, de suplemento, viria a lume em 1892; um primeiro volume de «Additamenta» foi publicado em 1896¹⁵. Hübner faleceu em 1901; no entanto, os materiais que coligira foram apresentados por H. Dessau em novo volume de «Additamenta»¹⁶.
E é, sem dúvida, a figura de Leite de Vasconcelos (falecido em 1941) que, no campo da Epigrafia, preenche quase por completo a primeira metade do séc. XX, quer como director do seu museu (onde procurou reunir todos os monumentos epigráficos de que foi tendo conhecimento e que teve possibilidade de para aí fazer transportar) quer mediante a publicação regular d’O Archeologo Portuguez, cuja publicação prévia em fascículos permitia dar a conhecer rapidamente o que se ia encontrando.
Finda a Segunda Grande Guerra, os estudos epigráficos ganham, necessariamente, novo alento.
Na década de 50, a Epigrafia Romana conhece, em Portugal, um decisivo impulso. Além de se preconizar um regresso à pedra para, com melhores fotografias e decalques, se encontrar a leitura exacta, o avanço dos conhecimentos veio permitir comparações susceptíveis de atribuir a cada monumento uma dimensão histórica maior.
Nesse movimento ocupou lugar de relevo Scarlat Lambrino (1891-1964), professor de Epigrafia na Faculdade de Letras de Lisboa. Lambrino preparou os catálogos do Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia e do Museu de Odrinhas e, fundado nas novas leituras, lançou ombros a trabalhos de reflexão e síntese sobre, nomeadamente, divindades, governadores da Lusitânia, povos, aculturação onomástica... Prosseguiu essa tarefa, devotadamente ainda que com menos fôlego, o seu directo colaborador, D. Fernando de Almeida, insigne mestre a cujo entusiasmo e nunca desmentida dedicação devo o estar hoje aqui, a escrever sobre Epigrafia.
Será, todavia, na década de 70 que essa ciência antiga tomará rumos ainda mais inovadores.
O incremento de salutar intercâmbio com os investigadores estrangeiros; a crescente permuta com revistas da especialidade; o interesse manifestado por epigrafistas europeus, designadamente franceses, espanhóis e alemães – em relação aos monumentos do nosso território; a possibilidade de, mediante a reestruturação dos cursos universitários, a Epigrafia passar a ser cadeira anual – são alguns dos factores responsáveis por esses novos rumos.
Veio a lume, em 1976, o tomo II das Fouilles de Conimbriga, dedicado precisamente à epigrafia dessa cidade romana. Foram Georges Fabre (da Universidade de Pau) e Robert Étienne (da Universidade de Bordéus III) os grandes mentores dessa nova forma de encarar a epígrafe como monumento, a partir de agora analisado na sua totalidade, integrado num contexto arqueológico, como objecto cultural onde tudo foi pensado: o texto, sintético, intencional, preciso; a decoração; a tipologia; o material… Inclusive os grafitos, até aí totalmente descurados, passaram a ser tidos como eloquente fonte de informação.
Acabara, por outro lado, de se criar, na Faculdade de Letras de Coimbra, a Pré-Especialização em Arqueologia (1974-1975), em cujo currículo a Epigrafia figurava como disciplina anual e obrigatória. Logo os primeiros estudantes foram particularmente dotados e receptivos, de maneira que cedo a revista Conimbriga passou a incluir regularmente artigos de Epigrafia. E o aparecimento, em cada vez maior número, de novos documentos, mercê sobretudo do trabalho de campo levado a efeito por esses estudantes universitários e pelos membros das associações de defesa do património – quantas inscrições romanas não estavam à vista de todos, há longos anos, e ninguém as procurava decifrar! – postulou, inclusive, a edição dum suplemento à revista, a que se deu o nome de Ficheiro Epigráfico, com a finalidade de inserir, rapidamente, nos circuitos científicos as epígrafes inéditas que se encontrassem. Desde 1982 até julho de 2016, o Ficheiro publicou 139 números, em que se deram a conhecer perto de 600 textos novos – o que dá uma ideia do dinamismo que se logrou imprimir. Aliás, isso mesmo se passava na Europa, onde, para além do projecto, gizado a partir de dezembro de 1977, de se fazerem novas edições regionais do CIL, uma vez que tantos novos testemunhos se iam descobrindo, as universidades criaram projectos de publicações sistemáticas. Assim, a Universidade de Bordéus III, através do Centre Pierre Paris, concebeu, inclusive, um programa informático próprio para apresentar os textos nas edições em papel (com sinais diacríticos específicos) e, sob orientação de Robert Étienne, gizou-se um plano de publicar por núcleos toda a epigrafia peninsular¹⁷. O plano teve relativo êxito na Catalunha, com a publicação de cinco volumes, e em Lugo¹⁸; as próprias IRCP¹⁹ nele se inseriam, assim o corpus de Ávila²⁰. Contudo, em Espanha, as Diputaciones Provinciales depressa incitaram e apoiaram os especialistas locais a prepararem, eles próprios, os respectivos corpora epigráficos provinciais.²¹
Dir-se-á que, nos dois últimos anos da década de 70 e por toda a década de 80 e, ainda, 90, os estudos epigráficos ganharam na Europa um desenvolvimento invulgar, tendo-se deixado definitivamente de parte a ideia de ser a Epigrafia mera «ciência auxiliar» da História. A esse movimento também não terá sido alheio o facto de os congressos da Associação Internacional de Epigrafia Grega e Latina (VII, Constantza, 1977; VIII, Atenas, 1982; IX, Sófia, 1987; X, Nîmes, 1992; XI, Roma, 1997 etc), continuarem a reunir-se regularmente de cinco em cinco anos e com cada vez maior número de participantes, que facilmente estabeleciam laços de camaradagem e procuravam gizar projectos internacionais em comum. Por outro lado, além da «escola de Bordéus», o saudoso Professor Giancarlo Susini, em Bolonha, contribuiu mui eficazmente para essa concepção da epígrafe como «monumento cultural», quer por já ter chamado, há bastante tempo, a atenção para as fases de preparação da epígrafe²², quer, de modo especial, por ele próprio ter dado substancial exemplo através das sugestões que deixou no seu manual²³ quer nos inúmeros escritos que nos legou.
Houve, ainda, domínios específicos que se criaram, precisamente por serem específicas as questões que determinado tipo de epígrafes levantavam. No que respeita a Portugal, é de realçar o significativo papel que teve o estudo das enigmáticas inscrições que, desde o século XVI, se haviam identificado no Sudoeste, com uma escrita por completo desconhecida e para cuja decifração ainda hoje se não encontrou uma… «pedra de Roseta»! Para esse estudo se criou expressamente uma comissão internacional encarregada de organizar periodicamente os Colóquios Internacionais sobre Línguas e Culturas Paleo-Hispânicas. Cito em nota²⁴ apenas os mais recentes, para se ficar com uma ideia do dinamismo que esse tipo de estudos provocou, nomeadamente se tivermos em conta que as comunicações neles apresentadas têm sido regularmente publicadas: primeiro, pelos serviços editoriais da Universidade de Salamanca; agora, pelo Institución «Fernando el Católico», de Zaragoza.
Esse extraordinário desenvolvimento da disciplina obrigou, de certo modo, à elaboração de manuais – tanto em Portugal como em Espanha e mesmo em