Cadeia de Mentiras
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Sobre este e-book
Vários futuros iminentes esperam que o homem permaneça alheio à sua realidade e o livro apresenta um deles, aquele em que a ciência assumiu o controle após graves erros ambientais e políticos.
A história se desenrola em um pequeno vilarejo de testes de pesquisas científicas, que não deveriam impactar tanto o mundo inteiro, devido à sua pequenez, mas como qualquer efeito borboleta o faz, se não estamos atentos à sua influência.
Qual será a solução se agora a ciência também falhar?
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Cadeia de Mentiras - Marcela Gutiérrez Bravo
CADEIA DE MENTIRAS
MARCELA GUTIÉRREZ BRAVO
Tradução: Cristiane Thurm
CAPA: Nyxferatu
Para Tlaxcala
E para você, leitor
––––––––
«Te dedicaria
por cada tristeza
que tivesses vivido
em todos teus dias
uma musiquinha
dessas que te animam»
N. Leonardo Arias V.
Isenção de responsabilidade e agradecimento
A seguinte é uma obra de ficção. Declaro que nenhum personagem representa uma pessoa da vida real, muito menos sua maneira de pensar, ser ou agir. Qualquer semelhança com alguém não é coincidência, é apenas mera inspiração (pois a vida ensina tanto quanto livros).
Deixo nessa obra meu carinho e gratidão infinitos para aqueles com uma personalidade suficientemente marcante para me fazer entender outros universos possíveis e ser capaz de traduzi-los no que criei para o leitor. Todo o resto é resultado de anos de leitura e da minha imaginação.
M.G.B.
PREFÁCIO
Eu preferiria sempre falar com um hipnotizador consciente. Mas eu sei que eles são escorregadios quanto à percepção.
Um hipnotizador pode ser qualquer pessoa. É quem lhe diz qual é a realidade, essa que você terá que aceitar, se quiser. Não importa se é um ser inteligente ou um objeto com essa função ou sem ela. O ser humano está agora plenamente consciente de que a realidade é o que se aceita como tal e a história, qualquer história, é essa mesma. Uma realidade adequada à própria escolha.
O que você está fazendo nesse momento? Lendo? É possível que sim, esteja lendo ou acredite que está, mas, com certeza, não o faz da maneira que espero ou que desejaria que fizesse.
O que quero dizer está atrapalhando minha razão e começo a tremer como uma criança esperando um presente, ansiando que seja o que ela quer; não é um presente, mas O Presente. Essa ansiedade paralisa minhas mãos enquanto sonhos e memórias me arrastam para muito longe de mim.
Não vem ao caso.
Por isso não escrevo isto. Estou ditando em um dispositivo de captura de voz. Vou falando enquanto os pés me levam a passear em círculos pelo meu quarto.
Exclamo e, ao exclamar, meus olhos buscam no vazio os seus para que você veja toda a verdade estampada no meu rosto. Clamo, esperando para entrar, destruir, despir, saquear minhas ruínas. Ah, eu as pilharia na sua totalidade e sem piedade por você, por colocar tudo diante de você! Para que você leve isso na sua mente, como eu. Tudo isso com um único Objetivo Egoísta: que você acredite em mim.
No lugar e no tempo em que eu vivo, damos, se nos solicitam ou queremos, nossas razões para agir. Isso se faz mediante ao que se conhece por Objetivos Egoístas ou Altruístas e Razões Egoístas ou Altruístas. Me sinto na obrigação de esclarecer porque, ainda que o ser humano sempre tenha se movido principalmente por egoísmo, por séculos lhe custou trabalho aceitar que assim era e lhe deu à palavra egoísmo
uma conotação negativa. Isso tem facilitado as condutas irresponsáveis e as absurdas confusões interpessoais. Obviamente, também entre as massas. Ignoro se esta disposição esteja vigente quando esse documento chegue a você, ou se voltaremos ao estado romântico e caótico de não dizer abertamente por que e para quê é, na realidade, que fazemos o que seja que façamos.
Muitos também mentem.
Eu escrevo para que você acredite em mim, porque não possuo nada mais que o que te deixo aqui. Mas você, ao final das contas, vai acreditar no que haja interpretado, no que quiser acreditar no que disse e, com isso, a bela virtude de ser verídico, desaparecerá.
Vale à pena?
A impenetrável e ingênua verdade enterrada no meu cérebro, já um pouco distorcida pelos meus próprios pensamentos, se converterá em outra parábola, lenda, mito ou conto histórico inútil, como no Confucionismo, o Cristianismo, em conselhos ou aquilo que seus pais e professores, em escassos e radiantes momentos, ensinaram, tendo certeza absoluta que o que tentavam ensinar era bom e por amor autêntico.
Vou correr o risco porque, de verdade, quero te contar esta história.
Uma história.
Por onde começar?
Um belo começo anunciaria um final terrível e, ainda assim, ao contrário? Como poderia? Já chorei enquanto outros riam e já ri enquanto outros choravam. Já fui o mal e o bem personificados, sabedoria e estupidez, força e debilidade, já fui tantas coisas.
Assim é a história de todos.
O céu e o inferno se misturam no nosso interior, cada um ganhando um sem fim de batalhas que duram um segundo, uma década ou anos, e que se sobrepõem a outras e outras e outras... Tantas quantas nossa percepção e expressão suportem.
Então, resulta injusto e inútil tentar parecer sempre nobre ou ingênuo, contando toda a vida como uma mentira, uma cadeia de mentiras.
Exatamente como são todas as histórias contadas por um protagonista. Nunca aceitará a totalidade dos seus erros, suas estupideces ou maldades.
As pessoas que mentem descaradamente e sem nenhum freio me cansam. Não se deveria confiar em alguém que está sempre dizendo ser bom, e peço, aqui, que desconfiem de mim se eu fizer isso ao contar tudo.
O começo para mim, então, é a ponta aleatória de intrincadas circunstâncias, belas e terríveis, as quais, em determinado momento, necessitaram umas das outras para existir. E todas elas formam uma treliça de vidas coloridas. Assim é a realidade das histórias.
Assim é a vida.
Um emaranhado de belas e terríveis mentiras que começam e terminam nos convencendo de que foram realidade, de tanto que as recordamos e as contamos.
Sendo assim, definitivamente não sou real para o sentido humano, mas o sou em toda forma dentro da sua mente.
Existo.
Tudo é uma ideia composta de mais ideias. Eu o sou agora para você e você o é para mim.
É possível que, por estar ditando a um processador de leitura, você descubra mais coisas sobre o que guardo em minha mente do que eu, é possível que um dia exploda e me torne ilegível, é possível que chegue o milésimo de tempo exato em que somente prefira me calar para ver se assim deixo de pensar, deixo de ver tudo ou talvez comece a ver como os demais.
Este é meu primeiro dia escrevendo
e tive que fazê-lo pausadamente. Se aqueles literatos com tinta e pena dos séculos passados me conhecessem, com certeza cuspiriam com nojo da minha falta de vontade e preguiça. Como é possível que um ser humano possa escrever
, enquanto um dispositivo que captura suas palavras, trata de obter suas emoções para redigir tudo da melhor maneira possível, e não possa produzir enormes capítulos por dia? Mas, e a cena da Loucura criada por Donizetti para Lucia di Lammermoor¹está toda cheia de palavras? Por acaso também não é com choros e gemidos que uma ou outra expressão do que ela crê serem os piores e melhores momentos da sua vida acontecem? Assim, com lamentos e lágrimas, podemos entender sua loucura, senti-la e chorá-la.
Lucia, a louca sortuda.
Quem não se deu a oportunidade de amar com todas as forças do seu ser, ignora a melhor parte da sua vida e nega ao mundo a presença de um milagre.
Mas ter é poder perder. E a tristeza de perder algo é diretamente proporcional ao valor do tesouro perdido.
Sorte, má sorte: você não me enlouqueceu, mas ainda sinto a sua ameaça. Te observo agachada em cada canto da minha vida, pronta para destroçar minha razão de uma vez por todas.
Sorte, boa sorte: você também não me enlouqueceu, mas veio até mim.
Te conheci completamente.
––––––––
1 N.T.: Ópera em três atos de Gaetano Donizetti, baseada no romance A Noiva de Lammermoor, de Walter Scott, de 1835.
CAPÍTULO 1
NARRADOR
Nosso poder intelectual, esse majestoso morador do nosso cérebro, é uma das partes do nosso ser que conseguimos dominar com maior insuficiência. Ele é, geralmente, quem domina o resto graças ao dano evolucionário da escassa atenção que lhe demos nos últimos séculos, e ele faz isso de maneira eficaz, disso não temos sombra de dúvidas. Faz conduzido por nossos instintos ou sentimentos. É um desafio do nosso tempo, descobrir sua verdadeira voz, que é a nossa própria. Aprender a ouvi-lo e dominar nossas ações para ser totalmente responsável por elas, para não se arrepender das nossas decisões ou fazê-lo o mínimo possível.
O lugar em que ocorreu essa história, sempre foi o que ocupou a AdeP Tlaxcala. No centro do que antes foi conhecido como México e que, atualmente, se chama Os Três Méxicos.
Uma Aldeia de Provas é uma comunidade criada para realizar investigações científicas para benefício do planeta inteiro, com um Objetivo Altruísta.
Depois da Grande Morte (G.M.) e da Crise Ecológica, vários acordos de cooperação internacional foram fechados e um deles incluiu a criação da AdeP, uma entidade com presença em todo o mundo. Claro que houve países que se opuseram, mas eles agora necessitam entregar imensos e complexos relatórios a Todas as Nações com frequência, para testificar que seu país não será o gerador da semente de uma nova Grande Morte.
A verdade é que as investigações científicas e sociais no âmbito mundial antes da G.M. estavam muito limitadas pelos pouco efetivos comitês de ética, e as mostras eram insuficientes e pouco representativas. Os estudos feitos já não cobriam as necessidades que se propagaram antes e depois da G.M. e se crê que, majoritariamente, a falta de boas investigações foi outro fator determinante do desenvolvimento da tragédia de múltiplas facetas.
Como quando uma mãe perde a visão objetiva das ações dos seus filhos e, sem um terapeuta que a ajude a enxergar a realidade novamente, quando descobre que era preciso tê-la, já é demasiado tarde e seus descendentes já se tornaram criminais.
Após da globalização que a internet trouxe, e que a G.M. afetasse todo o planeta da maneira mais brutal que o ser humano poderia fazer, já não podíamos mais continuar fingindo que as ações de cada país eram autônomas ou que era melhor que fossem realizadas dessa maneira. Constituiu-se o que conhecemos como Todas as Nações e que mantém a Ordem Mundial, por enquanto. Não é uma reunião de políticos, nem de poderosos, nem de chefes de nações: é o voto de cada Indivíduo Responsável que, em porcentagem, decide os acordos de Todas as Nações. Decisões administradas pela Inteligência Artificial.
Um Indivíduo Responsável é nomeado como tal após um exame no qual sua maturidade intelectual é decidida. Esse exame pode ser feito em casa, em qualquer dispositivo de internet e seu resultado não é vitalício, portanto, toda vez que houver eleições, o eleitor deve demonstrar novamente que é um Indivíduo Responsável. A nomeação vem imediatamente junto com um código para votar exclusivamente na eleição para a qual a pessoa se preparou. Quando uma votação é solicitada, o Indivíduo Responsável abre o site de votação e escreve sua senha, enquanto um sensor de imagem e impressão digital certifica sua identidade, além de confirmar o IP do dispositivo no qual votou e que fica registrado.
Cada país finaliza a sua decisão conforme a média da votação, por meio de Inteligência Artificial. Depois se quantificam os votos de Todas as Nações e se aceita ou nega um acordo. Obviamente, os acordos não são divulgados sem cuidados especiais. Uma matéria especializada sobre o assunto a votar é enviada aos centros educativos desde que se propõe um acordo e isso poderia durar meses ou até anos para a votação, como o assunto das clonagens em humanos. Um assunto a votar que apresenta arestas que devem ser estudadas evolutivamente, se estuda assim, evolutivamente, até que se especifique o ou os motivos e aspectos da votação.
O Indivíduo Responsável com intenção de voto está obrigado a estudar essa matéria e a terminá-la antes que se leve a cabo a votação.
Bem, voltando à criação das AdePs, pois se tratou de algo fácil de aceitar, o mundo estava extremamente sensível depois da G.M. e urgiam medidas rápidas antes que a humanidade acabasse. A existência de AdePs é tão antiga como a criação de Todas as Nações.
Cada país doou, com prazer, espaço para as AdePs depois dos acordos da Grande Paz realizados na Argentina, Noruega, Egito, Canadá e Nova Zelândia.
Uma Aldeia de Provas por cada milhão de habitantes foi a regra, com suas óbvias exceções.
E foi uma loucura!
Para começar, era preciso ter os estudiosos dispostos a viver nas AdePs. Deviam morar nelas. Depois de revisar exaustivamente as leis que manteriam tal estrutura, ficou decidido que a família do investigador também poderia ir para a Aldeia de Provas, sempre e quando cada membro dela aceitasse ser um Indivíduo de Provas. Cada habitante de uma AdeP assina anualmente a aceitação da