Educação, Utopia & Ditadura Militar: Um Professor Comunista no Interior do Brasil (1964-1985)
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Educação, Utopia & Ditadura Militar - Aguinaldo Rodrigues Gomes
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO - POLÍTICAS E DEBATES
Aos pais, José Rodrigues Gomes (in memoriam) e Maura Fonseca Rodrigues, trabalhadores dedicados e incansáveis que inspiram a minha luta por um futuro melhor.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a José Luís Sanfelice, por orientação humana e competente, pela atenção e gentileza, mesmo nos momentos mais angustiantes, e por ter me permitido autonomia intelectual ao mesmo tempo em que apontava caminhos teóricos e metodológicos fundamentais para a conclusão da pesquisa. À professora Mara Regina Martins Jacomelli, presença constante em minha formação desde meu ingresso no programa de pós-graduação, agradeço pelas contribuições dadas ao trabalho durante as disciplinas cursadas, e à professora Azilde Lina Adreotti, pelas contribuições valiosas durante nossos diálogos na fase final da pesquisa. Aos professores Carlos Martins Júnior e André Luiz Paulilo, agradeço pela leitura, sugestões e pelas contribuições ao longo da pesquisa. Ao professor Eudes Fernando Leite, que inspirou com seus estudos e ainda pelo empréstimo de materiais valiosos para a confecção da pesquisa. Agradeço aos colegas do Departamento de História CUR/UFMT, que apoiaram e permitiram minha liberação parcial para elaboração da pesquisa. Agradeço aos amigos que dividiram comigo seus afetos em terras paraenses, Magda Costa, Maria Betanha, Júlia, Frederico e Guilherme. Aos meus irmãos e minhas irmãs que estiveram comigo em todos os momentos. Aos meus queridos sobrinhos, Jhonathan, Laura e Laís, que me ensinaram o significado do amor incondicional. Aos meus amigos André e Peterson, Sandra e Eduardo, que sempre me incentivaram, com conversas, doses etílicas e boas risadas. Aos amigos de Aquidauana, Iara, Edvaldo, Vera, João, Ana Paula Squinelo, Ana Paula Werri, Helen e Edelberto, Débora, agradeço pelo apoio e trocas acadêmicas. Aos meus queridos amigos Toni e Robson, que tornaram minha chegada em Rondonópolis mais leve e divertida. Agradeço, ainda, às funcionárias da biblioteca do campus de Aquidauana que, com gentileza e competência, auxiliaram-me na localização de alguns dos materiais de pesquisa. Também aos funcionários da BPRAM, que me aturaram
em seu espaço de trabalho durante a pesquisa. Agradeço aos meus amigos e amigas de todas as horas, Jorgetânia, Thaís, Marcos, Sandrinha, Luiz, Cida (in memoriam) e Vanda, sem os quais a vida tornar-se-ia mais difícil. Aos queridos amigos Miguel Rodrigues e Gleides Pamplona, que me ensinaram o valor da amizade e o sentido das palavras confiança e cumplicidade, obrigado por tudo!
PREFÁCIO
O cenário no qual se desenvolveram os acontecimentos escolhidos para objeto do presente livro, inserido no campo da Ciência da História, é o centro-oeste do Brasil, nos tempos da Ditadura Civil-Militar dos anos 60 e 70, mais precisamente, a cidade de Aquidauana.
Munido de fontes primárias dentre as quais se destacam a revista Brasil-Oeste e um inquérito policial militar (IPM), o autor visa a analisar o nacional-desenvolvimentismo e a modernização conservadora da região, bem como a presença do PCB e com destaque a atuação de um sujeito, Ênio Cabral, professor de História. O recurso epistemológico que sustenta a pesquisa é buscado no campo do marxismo, ou seja, o materialismo histórico-dialético, com o aporte de escritos do filósofo Antonio Gramsci.
Justificando os seus compromissos e explicitando o papel dos historiadores, o autor ampara-se em Hobsbawm. O grande desafio é esquivar-se de uma historiografia oficial e afastar-se de construções memorialísticas que buscam apaziguar o passado de conflitos. O aguçar do olhar sobre a atuação política do professor identificado como comunista significa tomar como ponto de partida outra linha do novelo histórico a ser destrançado. Mas a biografia de um sujeito histórico tem sempre um entorno que, ao mesmo tempo em que atua sobre ele, sofre dele uma intervenção. Trata-se, pois, de explicitar tal relação e, passo a passo, apresentá-la ao leitor. Percebemos, então, as interlocuções do historiador com os documentos e todos os demais registros que pacientemente foram buscados e selecionados.
A biografia de Ênio Cabral embaralha-se com o contexto local/regional que expressavam singularidades, mas conectadas com as dimensões econômica, política, social e ideológica de toda a sociedade brasileira à época. A perseguição da Ditadura Civil-Militar resultante do Movimento de 64 aos comunistas e seus simpatizantes é uma tônica expressiva da leitura e inventário realizado junto aos registros do IPM movido contra Ênio Cabral.
O grande pano de fundo da pesquisa é a Marcha para o Oeste, uma busca induzida de interiorização das atividades produtivas, com uma perspectiva nacional-desenvolvimentista e sustentada por sucessivos governos. O projeto não ia além da dimensão de uma modernização conservadora e pró-interesses do capital, embora também se vinculasse a aspectos geopolíticos de ocupação territorial e segurança nacional. Na Ditadura Civil-Militar pós-64, todos os pretextos foram utilizados para reprimir os opositores do projeto que representavam. Nenhum ideário distinto dos interesses das elites foi suportado. Entende-se assim melhor o IPM contra o professor Ênio Cabral e as ações gerais de caça ao PCB e aos comunistas declarados ou não.
O estudo feito da revista Brasil-Oeste tornou-se um recurso essencial para demonstrar o que as elites desejavam para o Estado de Mato Grosso, ainda uno. Suscita-se ainda o debate sobre a categoria analítica modernização conservadora
e o papel do Estado que a promoveu em diferentes conjunturas: o governo Vargas e a Marcha para o Oeste, o nacional-desenvolvimentismo de JK e as obras de infraestrutura dos governos militares dos anos 60 e 70. É sugestiva e esclarecedora a interlocução que o pesquisador estabelece com as matérias circuladas na revista. Ele empenha-se, apropriando-se de bibliografia especializada, em transcender o já dito
. Um dos temas em destaque é o anticomunismo do periódico.
A escolha do processo-crime movido contra o professor Ênio Cabral é um mergulho nos porões da Ditadura. Vê-se como que o Estado e seus representantes compreendem as ações do professor Ênio. A disputa jurídica na qual, manifestam a acusação, a defesa e as testemunhas, além do réu, revelam que as partes representavam e defendiam dois projetos distintos de sociedade. Para o historiador, o recurso analítico foi apropriar-se das categorias de análise cultura política dominante e cultura política de oposição. O tratamento das fontes de tal natureza exigiram-lhe desafios metodológicos e severos cuidados na abordagem.
O resultado geral da pesquisa revela uma obra instigante para se acrescentar na supressão de lacunas no que há ainda muito por fazer. A historiografia regional, o estudo das biografias, a história da educação e a história da Ditadura Civil-Militar dos anos 60 e 70 encontram aqui uma valiosa e competente contribuição. Numa dimensão política é uma obra que se soma à perspectiva de resistência: NÃO ao ESQUECIMENTO. E, parafraseando Hobsbawm: os historiadores são necessários.
José Luís Sanfelice.
Prof. titular de História da Educação - Unicamp.
APRESENTAÇÃO
Empreende-se, aqui, a tarefa de compreender a construção de uma historiografia acerca da Ditadura Militar brasileira e as lacunas havidas sobre tal processo na Região Centro-Oeste. Além disso, busco analisar o nacional-desenvolvimentismo e a modernização conservadora na região por meio da produção intelectual expressa na revista Brasil-Oeste; e investigar a atuação do PCB, notadamente a do professor catedrático de História Ênio Cabral, a partir de um inquérito policial militar (IPM) que lhe foi impetrado. A pesquisa em questão circunscreve-se ao período da Ditadura Militar e espacialmente à Região Centro-Oeste, especialmente à cidade de Aquidauana. Para a pesquisa, utilizamos a coleção completa da revista Brasil-Oeste, processos-crime contra intelectuais comunistas, disponíveis no Fórum do município de Aquidauana, e documentos do Partido Comunista Brasileiro, organizados pelo historiador Edgard Carone em forma de livro, intitulado P.C.B. 1964 a 1982, e publicado pela Difel em 1982. Além disso, utilizamos algumas entrevistas, realizadas em 1993, cedidas pelo professor doutor Eudes Fernandes Leite. A inspiração metodológica deste trabalho encontra-se na epistemologia do materialismo histórico dialético, que busca compreender a realidade a partir de sua relação com a base material da sociedade que interaciona com a produção das ideias e ideologias no campo social. Recorremos, portanto, à produção marxiana e, de maneira especial, aos escritos do filósofo italiano Antonio Gramsci, que, em sua obra Os intelectuais e a organização da cultura, aponta para a importância dos intelectuais tradicionais e/ou orgânicos na defesa de projetos de determinados grupos sociais.
Buscaremos, assim, entender a trajetória de Ênio Cabral e sua experiência como sujeito histórico, professor e militante comunista, atravessada pela conjuntura econômica, política e social.
A ascensão de João Goulart ao poder, com sua proposta de reforma de bases, animou os militantes de esquerda, principalmente os sindicalistas e comunistas, a intensificar as ações de mobilização e organização dos trabalhadores para poderem garantir seus direitos perante a nova conjuntura política do país. Tido como herdeiro, até certo ponto, da política trabalhista/nacionalista de Getúlio, e impulsionado pelo apoio popular que julgava ter, Jango acreditou que poderia finalmente realizar a reforma agrária e outras que pudessem modificar a estrutura econômica, que se encontrava em declínio em 1964. A elite brasileira via com temor a movimentação política do novo governante, que, no plano interno, prometia uma inclusão das classes menos abastadas por meio de suas políticas, no plano externo, parecia aproximar-se das grandes potências comunistas.
Em Mato Grosso, principalmente em Aquidauana, esse temor era ainda maior, pois a elite local, assentada na tradição ruralista e coronelista que constituiu, e ainda constitui, a identidade do estado, mostrava-se bastante preocupada com a possibilidade de melhoria nas condições de trabalho de seus empregados, pois isso atingiria, certamente, a estrutura econômica organizada e o lucro obtido pelos fazendeiros e comerciantes mato-grossenses.
Para explicar a dinâmica desses conflitos, estabeleci um recorte espacial – o município de Aquidauana – e recorrerei a um caso bastante específico: um inquérito policial militar movido contra um professor de História que intentava organizar o partido comunista na cidade de Aquidauana.
A partir do caso de Ênio Cabral, busco defender algumas ideias no decorrer desta investigação: primeiramente, demonstrar que a historiografia acerca do período da Ditadura Civil-Militar brasileira produziu reflexões muito centradas no eixo Rio-São Paulo, favorecendo, assim, a ideia de que as ações ditatoriais não ocorreram nas demais regiões, principalmente nos interiores do país. Ao lado de tal ideia, é preciso frisar que essa historiografia foi muitas vezes marcada por visões dicotômicas: de um lado, a visão de direita, de que houve uma revolução em favor da democracia, defendida pelos intelectuais ligados aos militares; de outro, a visão de esquerda, marcada principalmente pela opinião do PCB, de que foi um golpe de grandes proporções que se insurgiu contra as forças progressistas do país e que atingiu a sociedade como um todo. É preciso frisar que não discordamos da visão de esquerda do PCB, no entanto entendemos que tal historiografia deu pouca atenção ao cotidiano da Ditadura Militar, o que os impediu de visualizar que muitos indivíduos não foram nada revolucionários e passaram incólumes por esse processo ditatorial, seja em função do apoio direto ao regime, da alienação ou mesmo do medo que as ações repressivas exerciam sobre a população.
Tal fato levou certa historiografia (ingênua), e a população em geral a afirmar diversas vezes frases como essas sobre o período ditatorial: aqui não aconteceu nada disso
, ou na época da Ditadura tudo era melhor
etc. Essas afirmações são motivadas pelo que expressamos anteriormente e, principalmente, pelo medo que os militares impuseram sobre a maioria da população, fazendo, assim, com que se silenciasse sobre o processo, a ponto de introjetar a memória positiva que os militares buscaram construir sobre o período. Nesse sentido, ela suplantou as diversas histórias de tortura, repressão e silenciamentos que ocorreram em diversos rincões brasileiros, a exemplo de Aquidauana.
Portanto, a ideia força que defendemos é a de que o processo de modernização da Região Centro-Oeste, consequência do nacional-desenvolvimentismo e da Marcha para o Oeste, condicionou também a política e a educação e produziu, na região, condições para a instauração de regimes autoritários que se insurgiram contra a ideia de uma revolução brasileira, capaz de retirar o país de seu atraso econômico, social e político e permitir a constituição de uma sociedade mais progressista. Para pensar esse processo em Aquidauana, apoio-me em um inquérito policial militar e em um processo criminal que levaram à perseguição do educador comunista Ênio Cabral, que buscou resistir a esse modelo de sociedade e procurou, por meio da educação, conscientizar seus alunos para a possibilidade de uma sociedade mais progressista mediante seus embates constantes com o meio conservador em que vivia. É, portanto, sobre esse processo histórico que nos debruçaremos neste livro, assim organizada:
No primeiro capítulo, apresento o sujeito central deste trabalho, Ênio Cabral, e a perseguição que sofreu como educador comunista ao resistir ao modelo de sociedade dominante. Nosso intuito é colocar em diálogo com essa conjuntura internacional e nacional a experiência de Ênio Cabral, comunista que atuava na educação básica na cidade de Aquidauana, compreendendo a indissociabilidade de ambos. Buscamos, ainda, a partir dos documentos do PCB, discutir como Ênio buscou outra proposta de sociedade, estruturada a partir da ideia de uma revolução brasileira, capaz de retirar o país de seu atraso econômico, social e político e permitir a constituição de uma sociedade mais progressista. Aponto, também, o papel da educação nesse processo e os erros táticos cometidos pelo partido em decorrência de uma tentativa de transposição mecânica da teoria marxista para a conjuntura brasileira.
No segundo capítulo, tratarei do processo de modernização da Região Centro-Oeste como uma consequência do nacional-desenvolvimentismo e da Marcha para o Oeste, com o intuito de demonstrar como o conservadorismo no plano econômico e social condicionou também a política e a educação e produziu na região condições para instauração de regimes autoritários.
No terceiro capítulo, procuro visualizar como o Estado e seus representantes compreenderam de maneira contraditória as ações de Ênio e dos demais comunistas daquele período a partir do debate travado entre acusação e defesa, entendendo-o como uma disputa, não meramente jurídica, mas sim entre dois projetos contraditórios de sociedade, ou seja, entre capitalistas e socialistas.
Aquidauana, outono de 2019.
Toda espécie de virtude tem a sua fonte no encontro que faz o pensamento em seu embate com uma matéria sem indulgência nem perfídia. Não se pode imaginar nada maior para o homem do que um destino que o coloque diretamente no embate com a necessidade nua, sem que tenha nada a esperar senão de si mesmo, e de tal forma que a sua vida seja uma perpétua criação de si mesmo por si mesmo. Vivemos num mundo no qual o homem deve esperar milagres apenas de si mesmo.
(Simone Weil, Opressão e liberdade.)
Sumário
INTRODUÇÃO 19
CAPÍTULO I
EMBATES DE UM PROFESSOR COMUNISTA CONTRA A DITADURA EM AQUIDAUANA 39
ÊNIO CABRAL: SUJEITO HISTÓRICO, EXPERIÊNCIA E ATUAÇÃO POLÍTICA 43
AS CONTRADIÇÕES DA POLÍTICA EM AQUIDAUANA: ÊNIO CABRAL, COMUNISTA E VEREADOR PELA UDN? 50
ÊNIO CABRAL E SUA ATUAÇÃO NO MAGISTÉRIO 53
A QUESTÃO EDUCACIONAL NOS ESCRITOS DO PCB E DE INTELECTUAIS COMUNISTAS 57
O ESTADO CONTRA ÊNIO CABRAL, UM COMUNISTA UTÓPICO
64
O MÊS DE ABRIL E OS IPMS CONTRA OS COMUNISTAS 66
AS DOMINGUEIRAS E A PARANÓIA MILITAR 70
ÊNIO CABRAL E SEUS DETRATORES 79
CAPÍTULO II
A MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA E O COMBATE À UTOPIA COMUNISTA NO CENTRO-OESTE BRASILEIRO 93
A IMPRENSA E A MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA NO SUL DE MATO GROSSO 96
A REVISTA BRASIL-OESTE 105
A REVISTA BRASIL-OESTE E A DEFESA DO PROGRESSO EM MATO GROSSO 109
A IMPRENSA E O FAVORECIMENTO DAS ELITES EM MATO GROSSO 118
O NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO E A PENETRAÇÃO DO CAPITAL ESTRANGEIRO NO GOVERNO DE JUSCELINO KUBITSCHEK 124
O COMBATE AO PENSAMENTO COMUNISTA NA BRASIL- OESTE 140
DA MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA À INSTITUIÇÃO DO REGIME MILITAR E ALGUNS DE SEUS IMPACTOS NA EDUCAÇÃO 155
CAPÍTULO III
ÊNIO CABRAL E SEUS EMBATES COM OS APARELHOS REPRESSIVOS DO ESTADO 169
O PROCESSO-CRIME: CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS 172
A DITADURA EM AQUIDAUANA: O EXÉRCITO BRASILEIRO CONTRA
ÊNIO CABRAL 178
O PODER JUDICIÁRIO E A RESISTÊNCIA À DITADURA 184
DO PROCESSO CONTRA ÊNIO 187
O ADVOGADO DE ÊNIO E SUAS RELAÇÕES COM A ELITE LOCAL 194
OS DELITOS IMPUTADOS AO RÉU 209
O ESTADO CONTRA A AUTONOMIA DIDÁTICA DE ÊNIO 216
DAS ALEGAÇÕES DO JUIZ 227
O RECURSO DA PROMOTORIA E DECISÃO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 232
CONSIDERAÇÕES FINAIS 241
DOCUMENTOS 249
REFERÊNCIAS 251
POSFÁCIO 263
ÍNDICE ONOMÁSTICO 265
ÍNDICE REMISSIVO 269
INTRODUÇÃO
Meu foco nesta obra será a discussão das experiências ditatoriais ocorridas nas regiões interioranas do país, geralmente, não apresentadas nos estudos sobre o período que se concentram nos grandes centros políticos e econômicos. A Ditadura implantada no Brasil no período de 1964 a 1985 teve muitas repercussões no centro-oeste, atingindo não só as instituições sociais, como também sujeitos históricos diversos, a exemplo do professor catedrático Ênio Cabral que foi preso, torturado e processo durante a vigência desse regime. Nessa região, o nacional-desenvolvimentismo e a modernização conservadora pavimentaram o caminho para que as experiências autoritárias fossem igualmente violentas. Não só o sujeito principal dessa reflexão, Ênio, como outras 15 pessoas também foram investigadas, presas e algumas torturadas pelas autoridades militares, essas histórias estão, ainda, soterradas nos arquivos de nosso país, aguardando que os pesquisadores possam retirá-las dos escombros da história.
Minha reflexão soma-se aos esforços de outros historiadores que já trilharam esse caminho de investigar a história dos efeitos da Ditadura na Região Sul do mato grosso. Dentre eles, podemos destacar os trabalhos de Altemir Luiz Dalpiaz (2008) sobre A construção da identidade cultural do professor durante o regime militar no Brasil – 1964 a 1985; Suzana Arakaki (2015) , As Implicações Do Golpe Civil-Militar No Sul De Mato Grosso: Apoio Civil, Autoritarismo E Repressão (1964 – 1969) e Eudes Fernando Leite (2009) em Aquidauana: a Baioneta, a Toga e a Utopia nos Entremeios de uma Pretensa Revolução que se constituiu em grande inspiração para este trabalho.
O cenário de minhas reflexões será, portanto, a Região Sul do Mato Grosso e, principalmente, o município de Aquidauana, onde encontramos a documentação disponível para esta pesquisa – revista Brasil-Oeste, os processos-crime contra intelectuais comunistas disponíveis no Fórum do município de Aquidauana e os documentos do Partido Comunista Brasileiro, na edição organizada Edgard Carone intitulada P.C.B. 1964 a 1982, e publicado pela Difel em 1982. Devo ao professor Dr. Eudes Fernandes Leite a sessão e algumas entrevistas, realizadas em 1993, que enriqueceram em muito meu trabalho.
Os embates com as fontes ou em busca de verdades parciais
Desta feita, inquire-se aqui a velha máxima positivista de que, sem documentos, não há história – o que não é inteiramente falso, contudo é preciso pensar que os documentos não são capazes de fazer perguntas a si mesmos. Portanto, tão importantes quanto eles são as questões que o historiador constrói a partir deles. Podemos afirmar que o ofício do historiador está sempre atravessado pela dicotomia objetividade/subjetividade, verdade/mentira. Por conseguinte, proponho, acima de tudo, uma reflexão que extrapole a noção de fonte como suporte documental e que permita pensá-la em seu sentido político, ou seja, como, a partir delas, estruturou-se uma interpretação oficial dos processos históricos que privilegiou alguns sujeitos e excluiu outros, sobretudo os trabalhadores e marginalizados. Assim, procuro aqui retomar o sentido político da história e, para isso, recorro à epistemologia marxista. Devo confessar que tal proposta não é fácil, pois vivemos um tempo de revisionismo e anticomunismo, não só na sociedade, mas, sobretudo, no interior da academia, que perdeu seu caráter social e cada vez menos tem se dedicado aos problemas sociais que a cercam. As ciências, de maneira geral, tornaram-se positivas, no pior sentido do termo – perderam seu sentido político-filosófico e voltaram a resolver problemas práticos
e filigranas
, abandonando as questões ontológicas que perturbam a humanidade. Como destacou Senna Júnior:
Nas duas últimas décadas uma parte da historiografia
sobre revoluções, movimentos sociais, partidos e organizações de esquerda sofreu um assédio revisionista que pretendeu deslocar o foco dos estudos antes situados no plano político e social para o terreno das subjetividades e da condenação moral. Imbuídos de um discurso que aspira reduzir a história das revoluções, homens, classes e partidos à história dos regimes que se ergueram e foram identificados como comunistas
, tal historiografia
, se assim se pode chamar o conjunto de escritos eivados de ideologia e memória surgido nas últimas décadas, travou uma batalha que, à maneira de uma cruzada, reivindicou a condenação dos envolvidos e responsáveis pelo comunismo
pelo extermínio, genocídio e holocausto de populações em dimensões surpreendentemente superiores às atingidas pelo nazismo. (SENNA JÚNIOR, 2014, p. 100).
O autor, em seu texto intitulado Mito, memória e historiografia: a histografia anticomunista no Brasil e no mundo, afirma que, em que se pese o fato de Marx e Engels estarem entre os autores mais publicados do mundo, a historiografia contemporânea bebe na fonte de um antimarxismo marcante no plano nacional e internacional, tanto em meios midiáticos quanto intelectuais.
Os acontecimentos históricos do século XX, como a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria,