Educação física e esporte no século XXI
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Sobre este e-book
O ano de 1992 marcou o lançamento do livro Educação física & esportes: Perspectivas para o século XXI, que foi lido e discutido por um universo de profissionais – da educação, da saúde, da educação física, do esporte e de áreas afins. Para esse mesmo público, a presente publicação foca as possibilidades do trabalho com o corpo pela educação física e pelo esporte neste novo século, buscando interpretar as perspectivas apontadas naquela época.
Os textos aqui reunidos, elaborados por professores que pesquisam e trabalham em universidades, relacionam o sentido de um corpo ativo com vários aspectos de manifestações culturais e preocupações existentes no mundo hoje, tais como: lazer, meio ambiente, educação, saúde, movimento olímpico, formação profissional, tecnologias da informação e corporeidade.
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Educação física e esporte no século XXI - Wagner Wey Moreira
CRÉDITOS
PARTE I
PERSPECTIVAS DO FENÔMENO ESPORTIVO
1
PARA ONDE CAMINHA A EDUCAÇÃO? QUAL É O IDEAL QUE A GUIA?
Jorge Olímpio Bento
Dar um novo passo, pronunciar uma nova palavra;
é isso o que as pessoas mais temem.
Fiódor Dostoiévski
Inicio este escrito com dois esclarecimentos. É para pôr de sobreaviso os leitores!
Primeiro: isto não é um capítulo de livro. Recusa-se terminantemente a assumir esse estatuto. Almeja ser um ensaio, sem autor no singular; veicula o apelo à participação de quantos o vão ler, visando uma elaboração plural em torno dos desvios e perigos da mentalidade fabricadora, tecnicista e utilitária, de uma racionalidade inteiramente centrada no critério da eficiência, que se assenhorearam dos comandos da educação.
A cooperação dos leitores é igualmente requerida para lograr conferir alguma unidade ao desalinho das ideias que perfazem o texto, tendo eu consciência cabal de que ele padece de insuficiente estrutura lógica. Assim, a leitura e a digestão destas garatujas desconexas representam um cabo de trabalhos. Espero que sejam de algum proveito; caso contrário, vou me sentir frustrado e arrependido por ter entrado nesta aventura.
Segundo: estas páginas foram redigidas no mês de janeiro. O deus Jano, de onde deriva a designação do referido mês, tinha duas caras: uma olhava para o passado e a outra, para o futuro. No panteão dos deuses romanos, ele era o primeiro a quem os humanos se dirigiam, pedindo sua intercessão junto das demais divindades e potestades. Era, por isso, o deus de todos os começos e princípios.
Vale este introito para valorizar a importância da construção da ponte entre a tradição e a inovação, o passado e o futuro. O empreendimento é obra de muitos, para não dizer de todos. Esse é o papel da cultura; essa é uma das tarefas da educação e das obrigações de todos quantos aram o terreno educativo e formativo.[1]
I
Julgo que estamos metidos num contexto caótico, prenhe de relativismos, confusões e contradições. Carecemos de entender, compreender, equacionar e perspectivar, mas nos deparamos com uma escassez de conceitos que balizem, definam e retratem, com satisfatória aproximação e exatidão, o contexto da vida. Não o sabemos ilustrar com rigor, todavia, estamos perante uma rotura completa – e não apenas de alguns aspetos – em relação às eras transatas. A mudança é tão abrangente e súbita que nos causa visível desconforto e profunda inquietação.
Não desconhecemos que a percepção das mudanças é sempre tardia; é conseguida depois que ocorrem. Por via de regra, do ponto de vista conceitual, reagimos com atraso. E por quê? Porque nos faltam categorias e grandezas intelectuais para captar e ponderar a realidade circundante, olhamos para ela com paradigmas inadequados e ultrapassados, portanto, com prazo de validade esgotado.
Esse é um ensinamento do passado e se aplica à presente transição de época e às respectivas implicações. Agimos como que perdidos na neblina ou hesitantes numa encruzilhada, sem conhecer as vias de saída para o itinerário conveniente e desejado. Ou como o tolo no meio de uma ponte, incapazes de optar pelo lado aconselhável.
Marcel Proust (1871-1922) formulou que a viagem da descoberta consiste não em achar novas paisagens, mas em ver com novos olhos. Novos olhos é o que não temos; não estão à venda, logo a essa altura em que tanto precisávamos deles! Só nos resta recriá-los em nós.
Estamos imersos numa conjuntura labiríntica, que gera em nós desorientação e até animosidade. Ou seja, dentro de nós ressurge uma versão do labirinto que nos enreda e consome na procura da porta de saída. Desconhecemos a sua extensão e quanto tempo demora a percorrê-lo. Movemo-nos no seu emaranhado com avanços e recuos, umas vezes levados pela consciência dos fins e meios, outras vezes pela ignorância e, ainda outras, pelo acaso e pela crença.[2]
Para aumentar a perplexidade e a desnorteação, após vários anos de elegias pós-industriais e de exaltação dos serviços, reclama-se agora a reindustrialização como solução para a crise econômica, para a estagnação, para o conservadorismo e o obscurantismo, para o desemprego (e os seus efeitos potenciadores de múltiplos radicalismos) que se abateram sobre vários países e povos.
Por outro lado, o papel de massificação e homogeneização, de consenso e dominação, assumido pelos meios de comunicação social, é alvo de crescente contestação, por condicionar, formatar e manipular as pessoas, por baixar o seu nível de exigência e vigilância, por contribuir para reeditar o bando e a horda, a manada e a tribo, a demagogia e o populismo, por instaurar a idade das multidões. Contra esta, voltou-se Gustave Le Bon (1841-1931), que via nela o reino da mediocridade coletiva e da multidão, no qual submergem identidade e individualidade, entendidas como capacidade de julgamento racional. Ela serve ao interesse dos aproveitadores do ambiente de falta de transparência na condução e no governo da coisa pública, de abaixamento e redução da participação das populações na democracia e de perversão da consciência democrática.
Como referiu Friedrich Nietzsche (1844-1900), sente-se no ar o odor do estábulo. E Zigmunt Bauman (1925-2009) assinala nos membros da multidão a fragmentação e a desintegração de suas vidas numa sucessão de experiências, estímulos e palpitações fugazes, sem plano ou desígnio; a notável falta de qualquer capacidade para realizar um esforço ou autossacrifício intencional de longo prazo em nome de um projeto meritório
(BAUMAN, 2010, p. 206).
Desaprendemos de dar valor àquilo que não tem a etiqueta de uma marca especial e não ocorre no contexto funcionalizado. Não sabemos distinguir entre custo e valor nem valorizar o que não tem preço.
Pouco a pouco, acordamos assustados e entontecidos com as euforias que nos embebedaram. A globalização pôs à vista os nossos temores e fragilidades. Atirou-nos para a vertigem da competição insana entre pessoas e organizações: o lugar da cooperação e da emulação é tomado pela egolatria e destruição dos outros. Para não falar no achatamento das diferenças e diversidades e da sua trágica perda de valia. O outro tende a inexistir no centro da nossa atenção e consideração. E isso ocorre, de maneira deliberada e programada, dentro das instituições de formação e educação.
Tudo isso afeta a civilização, dado que esta se baseia em forças morais, geradoras de impulsos rumo à autoperfeição e a uma vida sob a razão. Por isso, a conjuntura nos causa também repugnância ou, no mínimo, desconfiança e inquietude cívicas, éticas e estéticas.
II
Encontramo-nos, manifestamente, numa fase de transição. O que, bem o sei, não é novidade, porquanto os humanos sempre estiveram, estão e estarão a caminho e em trânsito. Nada fica como está! Neste momento, é a nós que a ética da responsabilidade intima a modelar o futuro próximo e distante com as escolhas feitas no presente.
Como acadêmicos, cientistas, intelectuais, teóricos e professores, temos a obrigação acrescida (em relação aos cidadãos comuns) de intervir na configuração do mundo. Há deveres de cuja observância não estamos dispensados; não é lícito desistirmos deles. Incumbe-nos não aceitar o determinismo nem ficar à espera que o futuro aconteça e nos seja imposto; não somos livres de elaborar porfiadamente novas ideias, palavras, noções e atitudes e de encorajar os outros a se servir delas.
Não temos alternativa: a conjuntura nos desafia a sair do conformismo, a sermos ofensivos e a olhar para frente. Chegou a nossa vez de formular propostas inovadoras de um presente que nos inquieta e invade com fantasmas de um passado que julgávamos esquecido no arquivo do tempo.
Talvez nos assalte a visão de que contamos demasiado pouco ou quase nada para podermos fazer a diferença, o que é parcialmente verdade. Daí o sentimento de desânimo, de impotência e desistência: não vale a pena o nosso envolvimento, o melhor é deixar andar tudo como está, esperando que venha algum gênio divino ou sobrenatural fazer o milagre de reformar a realidade, de transformá-la e afeiçoar aos nossos anseios, sonhos e ideais, de lhe dar as cores do arco-íris da nossa admiração e do nosso contentamento.
É desse jeito que se abrem as portas à desesperança e à demissão, parentes próximos do egoísmo e da indiferença.
Todavia, por menores ou mais insignificantes que se julguem as pessoas (eu e tu, nós e outros como nós), na incomensurável escala da história humana e do conjunto das coisas que importa refletir e modificar, o contributo de cada uma é indispensável. De resto, um olhar retrospectivo nos mostra que tanta coisa que se afigurava difícil e até impossível de alterar acabou por evoluir no sentido desejado. Eis assim gratificado o otimismo e, com ele, a obrigação de nos soltarmos das amarras da acomodação e da conivência!
Sobre nós pesa o imperativo de tomar a palavra, de pegar no gládio do verbo, com o intuito de abrir fendas no terreno das nossas inquietudes e perplexidades, mesmo que não estejamos de todo convencidos do acerto do que vamos nomear e, desse modo, criar. A nossa vez e a nossa dignidade não podem ser tomadas e defendidas por mais ninguém. Como disse Mahatma Gandhi (1869-1948), cumpre-nos ser a mudança que queremos ver ao nosso redor e no mundo.
Seria de se esperar que correspondêssemos à necessidade de andarmos à frente dos acontecimentos para eles não nos surpreenderem. Concedo que não é fácil. Temos capacidade de análise e compreensão, mas ela não é acompanhada do dom da antecipação e da previsão. Ignoramos que vivemos no presente e para o presente, olhando mais para diante, ou seja, é nosso mister encarar os desafios que ele nos coloca, para que tenha futuro. E este, paradoxalmente ou não, pede-nos que não gastemos tempo a prevê-lo, porque nunca virá como previsto, mas que cuidemos do presente imperfeito, todavia perfectível, para lhe darmos um rumo futurante.
Vamos, pois, abrir o livro do desassossego e deitar cá para fora o que nos inquieta. Haja ou não haja colheita de frutos no termo da indagação introspectiva, o importante é ter tentado observar e fazer o caminho por fora e para além das trilhas oficialmente
recomendadas e sinalizadas.
III
Quanto esta hora é hostil e necessitada de pensamento e questionamento filosóficos! É preciso trazê-los de volta ao centro da discussão e das nossas reflexões e tomadas de decisão. Afinal, alguém tem de manter acesa a chama da curiosidade intelectual da humanidade – e são a filosofia e os filósofos que cumprem essa função primordial.
As ciências (ditas) duras e os cientistas gozam de endeusamento, de notícias espalhafatosas e de agências financiadoras, ao passo que a filosofia e os filósofos vivem como que escorraçados da luz do dia e escondidos, para escapar à comiseração pública e ao destino de Sócrates (a execução com a taça de cicuta). Ninguém os leva a sério. E, no entanto, a filosofia e os filósofos, nesta sociedade tão produtivista, apresentam um produto extraordinário: perguntas.
A filosofia é a arte de perguntar, de produzir uma perplexidade gratificante perante as contradições institucionais, pessoais e sociais. E faz isso de modo simples, fascinante, rápido e viciante, gerando no seu utilizador experiências imaginárias, facilmente acessíveis, levando-o diretamente ao coração de um assunto complicado.
Portanto, ela é um investimento muito mais barato e democrático do que a enaltecida ciência bibliométrica (do paper slicing ou salami papers): não requer laboratórios nem equipamentos sofisticados, nem uma grande habilidade para lidar com números. É de simples aplicação e compreensão, aberta a todos e a qualquer um.
A filosofia é a arte de formular boas perguntas, sabendo que as melhores respostas provêm das melhores perguntas. Ademais, a filosofia tem uma parte prática – a ética – que ensina e lembra o bastante para nos importunar ou lixar a cabeça e a consciência no quotidiano e ao longo da vida.
No presente, como no passado e no futuro, somos o homo sacer, curioso, faminto e sedento de conhecer, de saber e de verdade. Carecemos de questionar o que nos rodeia e perturba; de mirar o alto, para fora e além de nós, à procura de uma referência e de um ponto de apoio que permitam sobrepujar a realidade. Filosofar é imaginar o novo e superior e, por isso, um exercício de autonomia e liberdade, típico de quem não se acomoda aos determinismos e alienações de toda a ordem.
Estamos, assim, fazendo uso da razão para pensarmos a nós mesmos e ao mundo em que vivemos com as suas crenças, tradições, costumes e mitos.
Quando, na nossa ação, não usamos a inteligência, a lucidez e a sensatez, caímos nas garras do manicômio teológico ou ideológico ou de outro matiz; crescem o improviso e o deserto de causas, ideais e valores. Alguns dizem gostar, mas não são eles que falam, é a ignorância que os habita.
Dediquemo-nos a aprimorar a arte de perguntar! Talvez seja curial começar por questionarmos se estamos agradados e satisfeitos ou preocupados e insatisfeitos com o quadro conceitual que serve de referência à educação atual. Para tanto, requer-se que apuremos o olhar, que alarguemos a panóplia das achegas e informações que compõem a nossa visão. E isso implica despertarmos para a necessidade de ler, de ler muito e bem, sobretudo obras que nos acordem da letargia, que ajudem a perceber o grau e os fins da instrumentalização dos saberes, das técnicas e de nós próprios.
Concomitantemente, exige-se a determinação e a disponibilidade para romper com uma conjuntura de tecnização do mundo, há várias décadas assinalada por Martin Heidegger (1889-1976), que nos convida a aceitar, com toda a naturalidade, como correto, perfeito e válido, tudo quanto esteja tecnicamente bem equacionado, apresentado e realizado, sem estranhar a inversão da relação dos fins e dos meios, com os últimos a usurpar o lugar dos primeiros.
IV
Poderá parecer muito abstrata a observação anterior; ela quer dizer que a educação está sendo reduzida à dimensão da instrução funcionalizante. Por outras palavras, a educação está sendo configurada como preparação dos indivíduos para o desempenho de funções estritamente profissionais. Há uma consciência suficientemente avivada e esclarecida sobre isso? Estão despertos para isso os formadores (nas universidades) e os educadores (nas escolas)? Se estão, não parece, já que é diminuto o número de ensaios que se entregam à problematização do assunto, isto é, vive-se num tempo carecido de abordagens radicais no tocante aos paradigmas e roteiros impostos à educação.
Se passarmos para o lado da opinião pública, o que é que constatamos? Nos jornais e canais de televisão, é predominante um discurso perverso que imputa à educação o cumprimento de finalidades de pendor pragmatista e utilitarista, adstritas aos setores laborais e profissionais. São estes que dão o tom e indicam o itinerário a seguir.
Obviamente, os pais são condicionados a se alinharem pelo mesmo diapasão. Se seus filhos, para ter acesso ao mundo do emprego e nele triunfar, necessitam de mais e melhores competências nas disciplinas com resultados fácil, imediata e objetivamente mensurados (matemática, português etc.), naturalmente, são propensos a engrossar o alarido dos que advogam mais horas nas áreas em causa, cortando para esse efeito os horários de domínios considerados secundários, embora indispensáveis à formação e expressão humanas
do indivíduo (esporte, música etc.).
Como se sabe, a educação e a formação do ser transfronteiriço (entre a animalidade e a humanidade), para lograr transformá-lo em pessoa ou persona (que quer dizer uma máscara posta para conter e, quiçá, operar o milagre da conversão e sublimação do animal em humano), têm de abranger não apenas categorias racionais, fundamentais para o entendimento e a compreensão do mundo: matemáticas, biológicas, linguísticas etc. Igualmente são outras as categorias requeridas, fundadoras do Ser, voltadas para a configuração significante de manifestações da liberdade e da exploração dos seus limites. Os afetos, as relações e os sentimentos, livres de intencionalidades utilitárias, são vistos, em muitas reflexões antropológicas e pedagógicas, como uma necessidade ou pressuposto e como manifestação da realização humana do indivíduo. Reconhecem na apropriação da pluralidade de sentidos imanentes aos diversos domínios culturais, científicos e técnicos um contributo decisivo para uma consumação plenamente assumida da vida e para o aprofundamento do seu teor humano.
O mesmo é dizer que a aprendizagem de técnicas culturais é imprescindível para o desenvolvimento do indivíduo em idade escolar. A aquisição mais ampla possível da vasta panóplia de destrezas ou próteses (ler, escrever, contar, cantar, representar, jogar etc.) contidas em formas tipicamente culturais é parte irrecusável da inserção social dos mais novos e da estruturação da cognição e da emoção. Na lista dessas técnicas, não podem deixar de figurar as que tangem, prioritariamente, a corporalidade.[3]
Vem isso a propósito do quê?
Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.
Assim intimou José Saramago (1922-2010) no subtítulo de seu livro Ensaio sobre a cegueira.
Se olharmos em redor, com a devida acuidade, constataremos a implementação paulatina de uma lógica ou mentalidade de fábrica, apostada em impor o predomínio do homo faber e eficiens sobre todas as outras dimensões.
Os indivíduos estão nascendo, crescendo e sendo educados, melhor dizendo, formatados como peças robotizadas. A formação e a forma cedem lugar à formatação e à fôrma, a sensibilidade e o arsenal de sentidos da vida se veem endurecidos e esmagados pela rudeza do império utilitário; a espiritualidade e a racionalidade e outros instrumentais que burilam e facetam o ser humano são desdenhados como devaneios passadistas, experimentam acentuada recessão, em face do avanço do pragmatismo e do utilitarismo.
Em nome do reforço da aquisição de conhecimentos básicos, está na forja uma educação escolar cabeçuda, de costas voltadas para a corporeidade e as expressões.
São ignoradas as modificações operadas nas últimas décadas na paisagem e cultura lúdicas e motoras disponibilizadas às crianças e aos adolescentes.
Jogos e brincadeiras já não têm o corpo como intermediário; as vivências e experiências são de natureza indireta, afetando seriamente o desenvolvimento motor e emocional infantojuvenil, com repercussões alarmantes, portanto, não desprezíveis, nos índices de socialização, hoje francamente deficitária.
Porém, isso não gera apreensão. Pasmem, os pregoeiros e tagarelas mercadológicos e os neoliberais querem eliminar do currículo escolar obrigatório a educação física e desportiva, como se ela não fosse também basilar!
A demagogia e a gula dos arautos da moldagem da educação pelo foco tacanho da empregabilidade são insaciáveis. Não lhes basta o abocanhamento da universidade; vão ao cúmulo da desfaçatez de advogar a ligação da escola às empresas!
Em alta está a transfiguração dos indivíduos em máquinas desidratadas de inquietudes e pulsões humanistas e altruístas, com dificuldades em viver sem ser de maneira digital e virtual.
Ora, para ser humano não é possível desligar o ser do estar. Somos humanos, na medida em que estamos na vida não como canibais, mas cultivando a observância de normas de trato humano. Não somos abutres, insetos, répteis ou vermes; somos humanos e, portanto, devemos ter as qualidades e noções correspondentes a essa categoria.
A instrução, oficial e oficiosamente consagrada, escamoteia essas perplexidades e passa ao largo desses anseios e espantos; favorece a obediência cega, garante certo entontecimento dos indivíduos no interesse da funcionalidade, banaliza o sério e o sagrado, sacraliza o banal, o fútil e o entretenimento.
Digamos, sem colocar peias nas palavras: ela visa tornar os indivíduos gordos e obesos de conhecimentos de plástico, mas não repara que eles ficam magros e até esqueléticos em ética, moral, consciência, sabedoria, lucidez e humanidade, generosidade e solidariedade.
Digamos, ainda mais: isso não acontece por acaso. Os poderes vigentes apostam interesseira e estrategicamente na formatação de indivíduos abúlicos e ineptos para contestar o deficit de responsabilidade civil, criminal e moral (muito maior do que o deficit financeiro e causador deste) e a desordem existencial por ele provocada, que primem pela indiferença, achem tudo inevitável ou normal
e se limitem a encolher os ombros.
V
Insistamos em perguntar. Qual é a noção de homem que preside à educação pública nos nossos dias? Qual é o conceito de cidadão que orienta o labor educativo? Bastam-nos o animal laborans, o homo eficiens e o homo faber? Apraz-nos o homo eligens?
O último, diz Zygmunt Bauman, é um estranho e intrigante modelo de homem. Não é aquele que possui mestria e clarividência para discernir, optar e escolher, muito menos é aquele que assume convictamente as suas preferências. É um deserto mental. Compraz-se na desatenção ao mundo e ao outro. A toda a hora, muda de pouso, de sítio e posição, de padrões e referências. Move-se no frenesi da incerta, fluida e precária identidade social, cultural e até sexual, abanado e levado pelas brisas do marketing, da banalização da cultura, da moda e do relativismo pós-moderno. É um cata-vento esperto, perspicaz e vivaz: conservar afinidades e lealdades, identificar-se com atitudes e entidades não conformes ao oportunismo e à perversa realidade deste mundo é algo cada vez mais malvisto e fonte de ridicularização e ansiedade (BAUMAN, 2007, p. 48).
A terminologia latina não é a mais apropriada, sendo necessário inventar outra, para caracterizar o tipo de indivíduo que parece ter conveniência e prazer em prescindir da edificação e afirmação da sua personalidade, em se despir de qualidades e desprender de vínculos e compromissos sólidos e duradouros, tradicionalmente valorizados, para cair nos braços do efêmero, do fugaz, do líquido, passageiro, superficial e volátil. Viver o momento – eis o seu lema!
Não subjaz a essas frustrações, inquietações ou interrogações a intenção de desfiar um rosário de apelos ao passado e à irrealizável tarefa de trazê-lo de volta. Isso não nos passa pela cabeça. O tempo não volta para trás. A motivação é futurista; proclama a urgência de proceder a uma remissão discursiva, suscetível de animar e sustentar uma remissão prática do patrimônio imaterial, cultural, ético e estético da modernidade, do humanismo e do iluminismo. Notoriamente, muitas das suas expectativas, projeções e promessas continuam a aguardar concretização. Claro está, não na forma e nas proclamações próprias de antanho, mas em formulações consoantes às necessidades e ao vazio do presente.
Manifestamente, o ambiente atual é tóxico no concernente a princípios e valores, causas e utopias. Porém, não se pode viver sem o oxigênio e a luz dessas categorias; sem a sua presença, não sabemos para onde ir, que caminhos percorrer, que horizontes fitar e admirar. Para piorar a situação, sucede que o vácuo nunca fica por preencher. O vazio de padrões éticos, estéticos e morais, de pendor positivo, é ocupado pelo seu contrário, pelo inumano, pela regressão civilizacional, pelo retorno da animalidade galopante.
Esta apreciação integra a obrigatoriedade de submeter o contexto global a uma avaliação antropológica, cultural e filosófica (em suma, pedagógica e educativa). Implica a tomada de consciência acerca do modelo de homem proposto e em curso, bem como acerca das influências exercidas pelas instâncias intervenientes em tal projeto: escola, universidade, órgãos midiáticos, agentes e domínios culturais, esfera política etc.
Pode parecer exagerado, mas se impõe perguntar: o figurino da educação hodierna corresponde, de modo aproximado, aos graves problemas com que se debatem adolescentes e jovens?
A pergunta é tanto mais pertinente quanto é certo que o patrimônio da nossa civilização e cultura ocidentais é um alfobre de rituais iniciáticos ou de passagem. Não se esqueceu disso a educação? Ela parece cega, surda e muda aos dramas de muitos jovens nos dias de hoje:
• queda na indiferença e em radicalismos;
• fuga para a autodestruição, evidenciada pelo avolumar de vários distúrbios ou doenças do foro psicossomático;
• incapacidade de diferenciar e valorar o bem e o mal, o eu e o tu, o que eu sou e o que é o outro;
• não saber respeitar os outros e a si mesmo, ficando refém de extremismos violentos.
VI
Vale a pena relembrar. Não vivemos no passado nem no futuro; deixaremos de viver como deve ser, se nos deixarmos enlear pelos tentáculos de ambos, por não haver passado ou futuro que justifique a vivência empobrecida do presente. Esta é a única dimensão real do tempo. Logo, o presente é o nosso lugar natural, não pode ser morto pela miragem alienante e obstinada de um futuro incógnito e mais ou menos remoto; temos de habitá-lo condignamente. Porque somos e nos sabemos mortais, interessa-nos fazer coisas belas e edificantes durante o nosso trânsito terreno. Quem não dá importância a sua mortalidade e conduta enquanto vive, age como se fosse imortal. Só com a dignidade e estética das nossas escolhas e feitos podemos sobrepujar a finitude e a mortalidade. Se não vivermos nessa conformidade, a morte antecipada vem sub-repticiamente, nas nossas costas, tomar conta da nossa existência.
O mesmo é dizer que sobre nós, professores e educadores, pesa o imperativo de configurar uma educação voltada para o tempo e a humanidade presente, reconciliada com os seus problemas e premências, capaz de lançar as raízes sólidas do futuro para os que o hão de viver como presente.
Nas atuais circunstâncias, é imperioso que os fins da educação não se anulem perante a dogmática e hipócrita ordem do dia. Não esqueçamos, a educação tem a função de ajudar a formar cidadãos aptos a entender a si e aos outros como entidades fora de escala (Pico della Mirandola, 1463-1494), extraordinárias, vinculadas a uma sacralidade e metafísica transcendental.
Mas… atenção! Não ignorando que, atualmente, em nome de um amanhã escondido, ilusório, mirífico e, quiçá, alienante, são propostos e aplicados credos ideológicos e políticos, austeritários, punitivos e sacrificiais do presente e, consequentemente, de um porvir humanamente radioso. É precisamente por isso que urge introduzir o futuro no discurso corrente. Ele não pode ser depreciado; pelo contrário, carece de ser tomado a sério. Enumeremos seis argumentos em favor dessa tese:
1. Contrariar a civilização do espetáculo (Vargas Llosa), o amor fati (aceitação do destino, lema proposto e, mais tarde, abandonado por Nietzsche, 1844-1900) e a ética indolor (Gilles Lipovetsky), que só focalizam o imediato e a máxima do carpe diem ( goza a vida ). Esses paradigmas decretam a morte das causas e utopias, bem como da coragem de seguir os caminhos por elas indicados.
2. Apostar numa visão do otimismo e na construção da esperança coletiva, numa altura em que diminui a confiança e se instalam o desamparo, o desalento, o desespero e o pasmo, minando assim as possibilidades de construir projetos com horizontes largos e ambiciosos.
3. Evitar que a ação fique refém da improvisação ou mera reação ou, ainda pior, seja substituída pelo conformismo e pela resignação.
4. Promover a capacidade de identificação do novo , subentendendo que o novo consiste em colocar algo conhecido num contexto inédito e atribuir-lhe uma nova valorização.
5. Não legar às gerações vindouras um futuro que seja lixeira do presente.
6. No dizer dos gregos clássicos, somos seres de distantes ; temos uma consciência que nos permite visionar e traçar de antemão objetivos a alcançar lá na frente, com a mobilização da vontade. [4]
VII
Uma nova visão para a educação pode tomar como referência uma atualização do legado da paideia grega. O cidadão livre se forma no cultivo da sua capacidade de ideação, invenção e projeção, de criar e projetar, de entender, de indagar, de admirar, de distinguir e valorar o bem e o mal, o belo e o feio, o correto e o errado, de se subtrair à massificação e uniformização midiáticas, de fazer escolhas sem se submeter ao grupo ou à tribo e à praga das modas e opiniões em voga.
Essa herança coloca a transcendência como padrão fiador da credibilidade de todas as formas da cultura, ou seja, a cultura é uma criação humana e do humano, de índole religiosa, que exprime ou intenta exprimir o que em nós há de melhor: a procura da fonte de sentido, o que podemos esperar da vida e o que podemos fazer uns pelos outros da forma mais autêntica, mais bela, elevada e excelente possível.
Por isso, a cultura encerra uma axiologia, uma ética e uma estética. Participa do esforço de humanização e divinização do animal humano, na ânsia de criar e acrescentar dimensões sagradas às dimensões profanas, de produzir criaturas quase divinas, transcendentes e transcendidas pelas suas expressões artísticas. Visa acrescentar e compartilhar a humanidade, evitar seu encolhimento e sua diminuição.[5]
Nessa conformidade, a educação (em todas as suas acepções e manifestações) está sempre vinculada a princípios e valores. Concretiza-se em atos axiológicos, que se reveem na arété, a arte dos gregos: unidade maravilhosa de habilidades, prestações e competências superiores, de técnica, saber, ética, estética, magnificência, sublimidade, excelsitude e virtude.
Se excluirmos essas dimensões humanas e axiológicas, a educação descura a sua matriz ontológica intrínseca: o aperfeiçoamento artístico, comportamental, gestual, moral, cívico, crítico, intelectual e espiritual dos humanos.
Os gregos clássicos concebiam os humanos como seres artísticos: para se tornarem humanos, têm de incorporar arété no corpo e na alma, nos atos e nas palavras, nas expressões e nos sentimentos. O mesmo é dizer: o nível da nossa humanidade depende do nosso teor artístico. A axiologia é a base da humanidade. Ser humano é buscar superioridade, alcançar excelência, qualidade, perfeição, arété. A nossa humanidade é a expressão artística
ou o índice de consumo e revelação da arte no que somos, pensamos, dizemos e fazemos. Somos entes e agentes artísticos, que se movem atrás de objetivos distantes, traçados de antemão.
A educação ocidental, herdeira da paideia grega, está a serviço desse desígnio; é um processo intrinsecamente axiológico.
Acresce que não pode nem deve ser atirado para o caixote do lixo o terceiro dos mandamentos da lei de Deus, redigidos e proclamados por Moisés para enfrentar, refrear e inibir a barbárie e violência até então reinantes (e que se veem ressuscitar nestes tempos de austeridade, crueldade, tortura e esfola cometidas pela gadanha e seitoura da ignóbil globalização neoliberal).
O dito mandamento não perdeu validade. É de atualidade permanente e exige vigilância incessante; ordena que guardemos os dias santos e valoremos a fruição do corpo e da mente! O imperativo se apresenta muito justamente como o mandamento do ócio criativo, estipulando que o ser humano não é apenas homo faber ou recurso de trabalho; antes alcança, exibe e realça a sua humanidade, santificando
todas as dimensões da existência.
Esse aspecto constitui uma demarcação nítida entre a civilização e a animalização, a ética e a imoralidade, a moral e a amoralidade.
Sem o oxigênio, o alimento, as asas e os voos das inutilidades culturais (literatura, artes plásticas, música, teatro, esporte etc.), a vida não nos bastaria, não prestaria, seria irrespirável, inabitável, insatisfatória, opressora. Se não dispuséssemos deles para mitigar os dramas e as urgências do dia a dia, este se tornaria sufocante e trágico, não descolaríamos do nada e seríamos engolidos ou esmagados por ele. Como não somos seres reificáveis, temos necessidade de nos ocupar e abeirar de coisas aparentemente inúteis e dos inutensílios, que as coisas comuns não contêm, porque são, no dizer clarividente do poeta pantaneiro Manoel de Barros (1916-2014), o essencial e substancial da vida.
A educação hodierna olvidou isso. Parece ter segmentado e funcionalizado o corpo, a mente, o intelecto e a sensibilidade do indivíduo. Esqueceu o desenvolvimento multilateral e harmonioso da pessoa, como se fosse algo que perturbasse o seu curso. Só lhe interessa desenvolver funções e rotinas que assemelhem e reduzam o sujeito a uma máquina, a um ente robotizado; põe de lado o investimento em atividades criativas, que outorguem altura e grandeza ao ser humano.
Dá a impressão de que a educação olha para o homem como um ser acabado e concluso, que chegou ao fim da sua história e não precisa continuar a se ocupar da sua imperfeição, a tomar esta como objeto da sua curiosidade e como um projeto merecedor de empenho. É como se os humanos não necessitassem dos saberes e sabores culturais, por estarem nutridos e até obesos deles.
Refletimos acerca dessas minudências? De que cultura necessitamos e estamos carentes para habitarmos artística, ética e esteticamente o mundo? O que é que faz de nós seres cultos
nas atuais circunstâncias? Como podem a educação e a escolaridade obrigatórias contribuir para formá-los? Poderão dispensar aquilo que é da ordem do belo e coopera no entendimento e expressão do seu sentido?
A evolução da nossa espécie é também marcada por uma mudança em face da beleza: a humanização inclui a passagem de espectador passivo da beleza natural (existente no céu estrelado, nas paisagens da terra e nas cores do mar) para a de produtor ativo e objetivo de beleza artificial, criada pela arte dos humanos e criadora destes.
Essa progressão paulatina é evidente no fabrico embelezado dos artefatos e adornos por eles inventados, inclusive dos objetos do uso cotidiano. Para não falar no embelezamento do corpo, patente e documentado nas pinturas encontradas nas paredes das grutas e cavernas de épocas imemoriais. Elas são demonstrativas de que a passagem (muito lenta e ainda e sempre inconclusa) do animal ao homem tem por intermediário a conceitualização da existência e da beleza, sendo esta expressa pela invenção da arte
, visando compensar a brevidade e dor da vida, assim como a tragédia da morte.
O animal faz apenas o útil e necessário à sobrevivência. O ser humano se transcende e se entrega a excessos
, desafia e explora os limites para lá da utilidade e necessidade. É assim que a história da humanidade é a da sua aculturação, do afeiçoamento da vida e dos seres humanos a formas, objetos, rituais e símbolos culturais, portadores e transmissores de noções e sentidos artísticos e estéticos, atributivos de metas e significados para conceitualizar e configurar o viver terreno e driblar o seu trágico vale de lágrimas
.
E hoje, que preocupação há com a educação estética, comportamental, gestual e verbal? Qual a medida da importância atribuída à formação da noção do gosto ético e estético, das ações, atitudes e posturas belas e boas? O homo consumens, eficiens e faber tem alguma inclinação para a beleza, para sua apreciação, incorporação e consumação? Estará de volta a fábrica, que deixa do lado de fora tudo o que não é da esfera do racionalizável
e da ordem do mero pragmatismo e utilitarismo? Damos continuidade à senda civilizacional de inventar e propor um mundo sempre mais belo? Ou isso nos diz pouco, tornando-nos, desse jeito, insensíveis à fealdade e à progressão do grotesco? Em que estado se encontra a abordagem da felicidade?
Não perderíamos nada e ganharíamos muito, se avivássemos os ensinamentos de Domenico De Masi e de outros estudiosos.
Os adornos nas flechas, feitos por nossos antepassados remotos, ensinam que não bastam as bitolas da eficácia, da eficiência e da utilidade imediata. O fabrico da flecha já não dispensa o embelezamento dela. Para estar de bem e em harmonia com os deuses e os favores da fortuna, impõe-se realizar algo que seja belo, isto é, a beleza; os inutensílios e tudo quanto desperta o imaterial, o intangível e o sensível se tornaram imprescindíveis à vida boa, bem conseguida, correta e fiadora da ilusão da felicidade; misturaram-se e participaram da configuração do mundo laboral nas épocas anteriores ao advento da sociedade industrial. Foi esta que operou a expulsão da arte e do belo do palco do trabalho, estabelecendo funções para mundos separados (DE MASI, 2000).
Um dos alvos e uma das marcas da nossa era pós-industrial é o regresso pretendido da estética, não apenas para uma elite, como no passado, mas para todos ou para a maioria. Afirma-se a intenção de fazer da vida uma obra de arte, de introduzir esta como uma mais-valia em todos os campos e setores (clínicas, hospitais, fábricas, casas, museus, praças, ruas, jardins, parques de recreação e lazer etc.).
Mas... há correspondência entre essa pretensão e a ênfase que é posta na educação? Induz esta um estilo artístico de vida? É falso que esteja sendo pervertida, como se disse atrás, em instrução funcionalista, promotora do imbecil especializado (Karl Marx, Ortega y Gasset, Domenico De Masi), descurando manifestamente as dimensões culturais, cognitivas, éticas, espirituais, estéticas, significantes e simbólicas da conduta dos cidadãos? Por onde andam o saber rir e o saber se divertir? Aqui e ali, denotam-se intentos de bani-los ou de abestalhá-los nesta era em que deviam ser estuantes e fulgurantes.
VIII
Vivemos tempos assustadores, que pedem conceitos arrojados. É chegada a hora de pensar a educação como um projeto artístico, à luz do legado da paideia grega, já aflorado atrás. A arte tem uma função educativa e esta não é apenas simbólica. É útil (não utilitária), ferramental ou instrumental e imprescindível, porquanto tem a função de nos auxiliar a imaginar e visualizar coisas que não existem. Imaginar o que ainda não existe é fundamental, um pressuposto indispensável; se não conseguirmos imaginar, será muito difícil criar. Será irreal propor isso para a educação?
O espaço da arte é o da imaginação de coisas diferentes das que existem. Logo, a arte pode também imaginar outra sociedade. Em outras palavras, a arte tem um papel funcional dentro das estruturas do pensamento, assume relações reais com o mundo, propõe mudanças concretas do mundo real. Indo mais longe, a arte pode constituir uma alavanca e um acicate para ajudar a mudar a pervertida democracia, a pôr fim ao ardil da falsa representatividade com que o sistema político legitima os poderes oligárquicos.
O seu papel é relevante nesta era, em que o interesse coletivo está cada vez menos representado ou até congelado, em que se passou da dependência de estruturas democráticas para a dependência de organismos compostos por membros diretos e/ou oriundos das oligarquias e que servem os interesses destas.[6]
Vejamos com uma lupa mais fina.