Bodas de café
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Bodas de café - Sonia Pascolati
Braz.
AGRADECIMENTOS
Para que fosse possível publicar este texto dramático, registro da história de Londrina e de um de seus expoentes teatrais, foi necessário contar com a gentil contribuição da família de Nitis Jacon e de membros do grupo PROTEU, tanto na autorização da publicação quanto com preciosas informações, leituras, revisões e entrevistas. Um abraço carinhoso em Gisele e Orson Jacon, Josy Galvão, Claudio Rodrigues, Maria Fernanda Coelho, Darwin Rodrigues, Maria Carla de Araujo Moreira, Marco Scolari, Zeca Cenovicz, Mario Fragoso, José Gonçalves, Paulo Castro, Poka Marques, Bianca Vasconcellos, Regina Fonseca, Rossana Martins. Agradeço a Claudia Fleming Mulero, Rodrigo Sinhoreti, Ricardo Porto de Almeida e Arrigo Barnabé pelas generosas autorizações de inclusão das letras de canção nas notas. Gratidão especial a Paulinho Braz, quem primeiro acreditou neste projeto e disponibilizou textos dramáticos, fotos, reportagens e programas de espetáculos.
Muitos olhos (e corações) contribuíram com a leitura dos originais. A eles, minha gratidão: aos entrevistados que, além do tempo de conversa, ainda aceitaram ler a íntegra da transcrição; Gisele Jacon, leitora pronta e atenta; Claudio Rodrigues, sempre tão generoso; a gentil Maria Fernanda Coelho; Mario Fragoso e suas lembranças preciosas; os amigos-parceiros Ricardo Dalai, Renato Forin Junior e Marina Stuchi; Alexandre Flory, companheiro de estudos teatrais; Diógenes Maciel, meu cúmplice-mor, dialogante atento a todas as minúcias.
Tantos outros colaboraram, sempre prontamente, com esclarecimentos de dúvidas: Darwin Rodrigues, Claudio Rodrigues, Maria Fernanda Coelho, Mario Fragoso, Maurício Arruda Mendonça, Ceres Vittori.
Os primeiros passos da jornada foram dados ao lado de jovens pesquisadores de iniciação científica e colaboradores do projeto Contribuições para historiografia da dramaturgia e do teatro londrinenses
(2013-2016): Vanessa Nakadomari, que vasculhou arquivos e conseguiu catalogar mais de trezentos textos dramáticos produzidos em Londrina desde a década de 1960; Abílio Francisco Júnior, Francieli Oliveira de Paiva, Diana Kátia Alves de Araújo, Hercílio de Oliveira Neto, Diego de Souza Fonseca, a quem devo a digitação dos textos dramáticos e a parceria em estudos e pesquisas; Gabriella Ciotto Rodrigues da Silva, Luana Guedes de Paula e Vanderson de Souza Neves, colaboradores do projeto de pesquisa; André Luiz Demarchi, que desenvolveu trabalho de conclusão de curso sobre Bodas de café.
À área de Literatura do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas agradeço pela liberação para licença sabática e ao Programa de Pós-Graduação em Literatura e Interculturalidade da Universidade Estadual da Paraíba pelo acolhimento da pesquisa, sob forma de estágio pós-doutoral. Ao amigo Diógenes Maciel, por ser parceiro nessa aventura dramática que é a pesquisa em dramaturgia e teatro em nosso país.
Agradeço, também, aos funcionários atenciosos e disponíveis com os quais contei em vários setores e departamentos: Casa de Cultura da UEL, Londrina; LABTED- Laboratório de Tecnologia Educacional da UEL; CEDOC- Centro de Documentação e Informação da Funarte, Rio de Janeiro; Biblioteca Central da UEL; Museu Histórico de Londrina – UEL; Editora da Universidade Estadual de Londrina.
À Nitis Jacon, mulher e artista admirável, com quem sequer falei, mas que inspirou cada momento deste trabalho.
Londrina é uma adolescente ingênua travestida de mulher fatal
Bodas de café
Montagens do PROTEU
¹
1978- Momentos de Castro Alves – Roteiro didático.
1979- Calabar, o elogio da traição, Chico Buarque e Ruy Guerra.
1979- Eu chovo, tu choves, ele chove, Sylvia Orthof.
1980- Na Carrêra do Divino, Carlos Alberto Soffredini.
1980- Macumba cívica, em parceria com Gruta.
1981- A busca do cometa, em parceria com Núcleo I.
1981- Um trágico acidente, Carlos Queirós Telles.
1983- Salto alto, Mário Prata.
1983- Maria Mutema, II Festival Latinoamericano de Teleducación Universitária, Lima, Peru.
1984- Bodas de café.
1984- Lançamento da Campanha DIRETAS JÁ em Londrina, Bar Valentino.
1985- Barba azul - um conto de fodas (cabaré político).
1985- O trabalhador e a Constituinte, A mulher e a Constituinte, O índio e a Constituinte.
1985- Transgreunte Ascendente Aquarius - uma tragédia.
1986- A peste (O louco da aldeia).
1987- ZYDrina - A história do rádio.
1987- Bodas de café (remontagem).
1989- Tempo de loucos e bufões.
1991- Terra do nunca.
1993- Carmelita Adeus.
1995- Barba Azul (remontagem).
1995- Jennifer, o amor é mais frio do que a morte.
¹ PROTEU é a sigla para Projeto de Teatro Experimental Universitário. A partir daqui, todas as menções ao grupo prescindirão das maiúsculas necessárias às siglas, adotando Proteu como nome próprio do grupo. Para o estabelecimento das datas das montagens, foram utilizadas várias fontes (livro Memória e recordação; documentos da Casa de Cultura da UEL; livro 30 anos de Festival; dossiê do Proteu do CEDOC- Funarte) e observada a reiteração de informações. Indica-se apenas o ano de estreia.
Ficha técnica de Bodas de café (1984)
Autora: Nitis Jacon de Araujo Moreira (Pesquisa do Grupo PROTEU)
Direção: Nitis Jacon de Araujo Moreira
Assistente de Direção: Marcos Alves dos Santos
Música: Arrigo Barnabé
Coreografia, sonoplastia e iluminação: Fernando Jacon
Cenários, figurinos e contrarregra: o grupo
Elenco²:
André Luiz Lopes
Angela Aquemi Hirota
Anselmo Santos
Bianca Maria Mello de Vasconcellos
Carlos Tadashi Kunioka
Carmen Célia Tazinafo
Décio Piemonte de Castro
Délio Epaminondas de Almeida
Doroti Marquesetti
Iraci do Nascimento
João Darwin Rodrigues da Silva
José Carlos Cenovicz
José Claudio Rodrigues
José Gonçalves Trindade
Marcelo Corrêa Monteiro
Marco Antônio Scolari
Margarise Correa
Maria Carla Guarinello de Araujo Moreira
Maria Fernanda Machado Vaz Pinto Coelho
Mário Sérgio Fragoso de Almeida
Ney Inácio
Nilton Aparecido Marques
Paulo Cesar Gianelli
Paulo Moreira de Castro
Paulo Sérgio Braz
Regina Estela Fonseca Pellegrini
Rossana Silva Martins
Sandra Lucia Balero Penharvel
Tania Nascimento
Figura 1: Elenco reunido na estreia de Bodas, no Teatro Cacilda Becker, Rio de Janeiro
Fonte: Arquivo Casa de Cultura—UEL
Figura 2: Capa de reportagem da Revista Cultura – ideias e debates. SESC/PR. Ano 1, no. 1, 1984
Fonte: Arquivo do CEDOC – Funarte
² A partir de ofícios e documentos do acervo da Casa de Cultura da UEL, datados de 04 de julho e 17 de setembro de 1984. Dados contrastados com documento do CEDOC – Funarte, datado de 20 de junho de 1984.
Apresentações de Bodas de café em 1984
³
05-07 (1 apresentação) - Pré-estreia - Casa de Cultura de Londrina. Com Arrigo Barnabé.
11⁴ a 15-07 (9 apresentações) - Teatro Cacilda Becker, Rio de Janeiro - Projeto Mambembão-Ipiranga/84.
18 a 22-07 (6 apresentações) - Teatro Dulcina, Brasília - Projeto Mambembão-Ipiranga/84.
23-07 (1 apresentação) - 6º. Festival Nacional de Teatro Amador de São José do Rio Preto, São Paulo. Melhor espetáculo do Júri Popular; 2º. Lugar Melhor Espetáculo; Melhor Atriz. Indicações: Melhor Atriz Coadjuvante; Direção; Iluminação.
25 a 29-07 (7 apresentações) - Teatro João Caetano, São Paulo - Projeto Mambembão-Ipiranga/84.
01 a 05-08 (6 apresentações) - Teatro Presidente, Porto Alegre, Rio Grande do Sul - Projeto Mambembão-Ipiranga/84.
09 a 12-08 (5 apresentações) - Teatro João Caetano, São Paulo. A convite da Secretaria do Município e da Cooperativa Paulista de Teatro.
13 a 20-08 (8 apresentações) - Cine Teatro Universitário Ouro Verde, Londrina, Paraná.
07 a 08-09 (3 apresentações) - Teatro Oduvaldo Vianna Flho, Arapongas, Paraná. A convite do Departamento de Cultura da Prefeitura.
30-10 (1 apresentação) - VIII Congresso de Medicina Legal e I Congresso de Vitimologia.
04-11 (1 apresentação) - III Festival de Teatro Amador de Cascavel. Promoção FITAP – INACEN.
10-12 (1 apresentação) - Aniversário de Londrina - 50 anos.
11 e 12-12 - Para o público em geral.
13-12 (1 apresentação) - Projeto Gralha Azul, Jacarezinho, Paraná.
³ Material manuscrito à tinta, em folha de sulfite, com caligrafia de Paulo Braz, conforme informação de Claudio Rodrigues. Disponível no acervo da Casa de Cultura da UEL.
⁴ Em documento do INACEN, consta que a temporada no teatro Cacilda Becker começou no dia 10 de julho ou estava prevista para essa data.
APRESENTAÇÃO
Prefácio interessadíssimo ou teatro ao Norte do Paraná
A pesquisa em dramaturgia e teatro tem, nas últimas duas décadas, crescido significativamente nos cursos de Pós-Graduação em Letras das Instituições de Ensino Superior no Brasil, definindo esse campo de pesquisa mediante a compreensão de seu caráter interdisciplinar, relativo às artes performativas e suas relações com a literatura dramatúrgica em nosso país. Porém, essa constatação, mesmo que animadora, não é diretamente proporcional à tarefa enorme que há para ser cumprida, notadamente em termos de historiografia do teatro brasileiro e da plena sistematização e publicação da dramaturgia referente ao teatro do nosso tempo. Tudo isso tem posto em evidência a necessidade de os pesquisadores das Letras enfrentarem os acervos documentais, privados e públicos, em busca daquilo que ajude a deslindar a efemeridade do espetáculo teatral, previamente apresentado, e do qual, muitas vezes, só sobra o texto, perdido em meio a pastas, caixas, conjuntos de papeis empoeirados...
É diante de tal constatação que situamos a importância do trabalho aqui publicado. Ao enfrentar a pesquisa sobre a atuação cultural de um grupo vinculado à Universidade Estadual de Londrina, o GRUPO PROTEU (o qual desenvolveu relevantes atividades entre 1978 e meados dos anos de 1990), a professora Sonia Pascolati nos apresenta, mediante esta edição anotada, a dramaturgia do espetáculo Bodas de café (1984), resultado de uma produção coletiva, com dramaturgismo de Nitis Jacon – personalidade singular para aquele grupo e contexto. Essa peça foi encenada com muito sucesso, tornando-se um evento de enorme importância histórica, social e estética não apenas para Londrina, mas para o Brasil.
Bodas de café tem como tema a fundação da cidade de Londrina, contada a partir daqueles à margem da sociedade, dos que não viveram o Eldorado vendido pelo discurso oficial ufanista em torno da colonização do Norte do Paraná. Suas personagens são prostitutas, pequenos agricultores, posseiros, os quais também contribuíram para que Londrina (e a colonização do Norte do Paraná) fosse o que se pode verificar hoje. A forma dessa peça, assim, é fundamental para pensarmos nas mais diversas temáticas que apresenta e discute: em cena, na atualidade (aquela de 1984), integrantes do Grupo discutem e pesquisam a história de Londrina e da região, questionando sobre quais temas mereceriam destaque e por quê. Por exemplo, a questão indígena, a certo momento, é discutida como fundamental, mas as personagens-artistas entendem que não haveria como tratar dela, dado o enquadramento que começavam a adotar – ainda muito focalizado na chegada e no desenvolvimento do casal Antônio e Zefa, pequenos agricultores que terminam como boias-frias. Porém, ao falar sobre a dificuldade de se tratar da questão indígena, até mesmo pelas poucas obras (mesmo acadêmicas) sobre eles, seja os Kaingang, Xetá e Guarani, a questão já foi colocada, e por um forte tom crítico: não há elementos para que esse assunto seja trazido para o debate. A dificuldade de fazê-lo é atinente ao próprio fazer da discussão, inclusive diante da pouca atenção dispensada a ela naquele contexto – ao contrário de pesquisas sobre a Índia, essa com vasto material, o que se torna claro contraponto cômico. Noutro plano, a cena expõe a chegada das famílias de Antônio e Zefa e de Jacinto e Socorro; ao longo das cenas fragmentadas que compõem a peça, esse segundo casal acaba envolvendo-se politicamente, entrando para a militância política, enquanto o primeiro se mantém alheio a ela, o que os faz trilhar caminhos que se distanciam. Ao final, porém, quando a desigualdade cresce a tal ponto que a injustiça se torna palpável e impossível de suportar, ambos se reencontram na luta por terras, já nos idos de 1984.
Assim, o percurso da peça (ou da peça que se encena dentro da peça, via chave metateatral) começa na década de 1920 e chega até 1984, sendo montado pelas cenas fragmentadas que constituem um quadro amplo e crítico da formação de Londrina, enquanto microcosmo, e da dinâmica de exploração do capitalismo, no capítulo colonização, no contexto mais amplo, que a peça também identifica e formula. Desse modo, estamos diante de uma leitura histórica a contrapelo formalizada esteticamente pela peça, debruçada sobre a história de Londrina que, em termos mais amplos, pode trazer-nos, também, uma perspectiva de entendimento sobre o processo da colonização do Norte do Paraná. Isso é feito por uma forma de teatro político, que não apenas se interessa pela dialética entre arte e sociedade, mas procura identificar e expor criticamente os interesses subjacentes às formas artísticas – mostrando que formas não são fixas, nem neutras. Esse teatro busca, pela perspectivação dialética, uma formação humanista mais ampla por meio do teatro –, objetivo dos mais nobres e necessários nos tempos atuais, nos quais a arte é muitas vezes relegada ao âmbito do entretenimento ou da erudição formalista. Não nessa peça e não nesse projeto de publicação, que vai da pesquisa sobre material crítico à entrevista oral, passando pelo levantamento histórico, para dar subsídios a uma compreensão mais profunda da peça e da história.
Esse procedimento é relevante pois, como já dito, Bodas de café trata de pessoas que participaram da fundação de Londrina e que não constam entre os listados como pioneiros. Isso se dá porque a história guarda os textos dos que venceram e tornaram-se parte da elite, enquanto essa obra toma a perspectiva dos que não têm voz nem vez. Além disso, o modo como a peça é escrita é notável: diferentemente do teatro tradicional, de tradição dramática, que se prende a conflitos entre sujeitos determinados, essas bodas tratam de um percurso histórico e social amplo, tocando vários grupos e por uma extensão temporal de quase sessenta anos. É o que chamamos de um teatro épico, de enorme interesse tanto nos idos de 1984, ainda sob a ditadura, quanto nos dias atuais, em que novas crises coletivas pedem formas artísticas inovadoras, que podem e devem buscar na história pontos de partida.
Tal cometimento, então, culmina nesta edição do texto do PROTEU, dado a conhecer a um novo público de leitores (ou, quem sabe, para quem se interesse em levá-lo ao palco). A versão aqui apresentada é resultado de um trabalho criterioso sobre um testemunho antes disponível em datiloscritos, e sua publicação, certamente, contribuirá para o entendimento de aspectos até agora pouco conhecidos da história do teatro contemporâneo brasileiro, quase sempre embotados pela centralização historiográfica sobre os fatos teatrais do eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Para a realização dessa tarefa, Sonia Pascolati se debruçou sobre um acervo documental complexo, que envolve o trânsito entre documentos (notadamente, originais de textos dramatúrgicos) salvaguardados por uma instituição pública, mas ainda protegidos por leis de direitos autorais. Isso explicita o rol de dificuldades enfrentadas para se chegar à fixação de uma versão do texto para esta publicação, sem mencionar, ainda, a morosidade enfrentada por quem busca fontes em acervos públicos nacionais (pois, para além da fundante atuação regional do grupo, o espetáculo Bodas de café circulou em projetos nacionais, como o Mambembão).
Porém, para além de tudo isso, que, se não atrapalha o resultado final, geraria também um outro resultado (o relato da difícil tarefa do pesquisador que se dispõe a trabalhar com documentos e registros ainda não sistematizados), o projeto encontrou ressonância na sua comunidade de origem, e as forças de convergência nos trazem a este resultado relevante e primoroso: a edição anotada, composta por notas rigorosas de esclarecimento do texto, nas quais também se aponta para uma análise de uma história do espetáculo (conduzida pela memória dos envolvidos na encenação, pelas fotos de cena e pela análise do registro videográfico de uma récita).
Assim, se pela leitura da dramaturgia podemos acessar um enredo de forte acento histórico, relativo ao processo de colonização de Londrina, marcado pelos seus tipos humanos e por uma reflexão sobre o estado da arte teatral naquele contexto de produção e difusão; de outro lado, também começamos a entender melhor o teatro produzido naquele espaço, mediante um estudo de caso brilhantemente conduzido. Nessa direção, os resultados e procedimentos metodológicos da pesquisa, aqui apresentada ao público, acabam por expor uma necessária revisão de aspectos da história e da historiografia do teatro brasileiro, mediante instigante modo de apresentação: em primeiro lugar, temos um texto em que se apresenta o PROTEU; depois, fotos do grupo e da peça; em seguida, temos o texto propriamente dito de Bodas de café, marcado pelas muitas notas, especialmente sobre as muitas questões históricas que a peça traz à luz; então, temos um artigo crítico sobre a peça, com sua base teórica e uma leitura crítica competente; ainda, somos agraciados pela riqueza das entrevistas e dos depoimentos dos integrantes daquele elenco de 1984, e, por fim, são apresentados excertos de críticas ao espetáculo.
Muita coisa, certamente, o leitor destas páginas poderá redimensionar: como a possibilidade de pensar sobre novas narrativas em torno do teatro nacional, para além dos grandes centros, o que somente é possível pela preservação da memória do teatro, a partir da salvaguarda de seu patrimônio documental (em arquivos institucionais, públicos e privados) e do aproveitamento da história oral como ferramenta para a reconstituição da memória cultural de um espaço-tempo.
A todos, desejamos uma ótima leitura!
Alexandre Flory (UEM) e Diógenes Maciel (UEPB)
Maringá e Campina Grande, agosto de 2018
PREFÁCIO
As metamorfoses de um Proteu norte-paranaense
O NOVO MUNDO
há cidades que
desde a primeira casa
fermentam
avolumadas em massa
desde a primeira planta
que ainda há de virar casa
planta-se ali
no oco da terra
um pau
palmito que não será só pão, mas caibro
e parede e teto de folhagem
ali onde houve índio e taba
a casa cresce
outra aparece
e logo é centro o confim da vila
e logo o centro não cabe no olho
e
— olha!
eis a cidade
há cidades que hão
são, antecipadamente
têm avenidas, foro, luz
trevas à mata conquistadas
em tempo de geladeira a querosene
(pode o que faz fogo
gelar os alimentos?)
do espigão se vê
como irá o rio de lares derramar-se
o ponto dos negócios
a zona escusa
a escola, a sé, o paço
imprevisível, só o lugar do cemitério
onde um crime planta a primeira morte
das sementes, a mais indesejada
rente que nem pão quente
o tempo nesta américa
nosso tempo é devorar
catedral já é a terceira
em mesmo sítio, a mesma é outra
na cadeia velha vão fazer escola
(não porque faltem presos)
mudamos porque mudamos
a quem aproveita o cumular dos dias?
onde o trem coalhava o cais
de fardos, malas, destinos de passagem
ficaram os que ficaram
a estação virou museu
os trilhos seguem adiante
há lugares que fermentam
como os dias fermentam seu império
jovens irmãos do tempo sempre jovem
com ele somos e passamos
Mirian Paglia Costa
Notícias do lugar comum
As metamorfoses de um Proteu norte-paranaense
Sonia Pascolati
A fértil terra roxa do Norte do Paraná foi o grande atrativo para o movimento de colonização inglesa iniciado em agosto de 1929. Não há dúvidas de que a fundação de Londrina e outras cidades do norte-paranaense foi um ótimo negócio para os ingleses e sem qualquer conflito com o poder público, uma vez que Lord Lovat não só verificou pessoalmente a fertilidade da terra já em 1924, como percebeu que [...] terras tão ricas podiam ser compradas, do Estado, a preços muito baixos
, como de fato aconteceu, pois o Governo do Paraná venderia à Companhia de Terras Norte do Paraná mais de um milhão e 200 mil hectares de excelente terra, a preços simbólicos, com a condição de que a Companhia fizesse estradas e ferrovia, colonizando parte do que era o chamado Sertão de Tibagi
(PELLEGRINI, 1994, p. 11).
Os migrantes foram movidos pelo desejo de uma vida melhor e de prosperidade, mas os primeiros tempos foram de barro, mosquitos, calor intenso, condições precárias de vida e muito trabalho. Londrina, assim batizada em homenagem à capital inglesa, é alçada a município em 10 de dezembro de 1934 e, contrariando o planejamento inicial, cresceu muito rapidamente, chegando em pouco mais de 80 anos a mais de 550.000 habitantes e ocupando o posto de segundo maior município do Estado do Paraná e quarto maior da região Sul do país⁵ (IBGE, 2017).
O crescimento vertiginoso tem pontos positivos, como continuar atraindo empreendedores, estudantes, indústrias, mas também aspectos preocupantes, como desigualdade social e exclusão. Nada diferente do que aconteceu desde os primeiros tempos da (re)ocupação⁶ e da fundação da cidade, pois, desde a década de 1930, tem sido esse seu perfil: atrativa para os que têm capital – material ou cultural – para investimento e cenário de uma luta constante daqueles a quem não são dadas oportunidades.
Tomazi (1997) analisa como se constituiu, desde os princípios da (re)ocupação do norte-paranaense, um discurso laudatório acerca da riqueza e fertilidade da região, acompanhado de uma visão ufanista dos pioneiros como gente desbravadora, intrépida, disposta a qualquer esforço e sacrifício para dar certo na vida
. Mas essa é uma visão parcial, pois nem todos deram