Guardiões da aliança
De Tom Egeland
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Guardiões da aliança - Tom Egeland
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15127.jpg
Egípcio
ankh
15132.jpgRuna
T – ty
15137.jpgCristão
Cruz
15143.jpgPentagrama
15148.jpg"Assim morreu ali Moisés, servo do SENHOR, na terra de Moabe,
conforme a palavra do SENHOR.
E o sepultou num vale, na terra de Moabe, em frente de Bete-Peor;
e ninguém soube até hoje o lugar de sua sepultura."
deuteronômio 34:5-6
15154.jpg"Minha caverna está aberta; os espíritos glorificados caem na escuridão.
O Olho de Horus santifica; o Abridor de Caminhos cuidou de mim."
livro egípcio dos mortos
15159.jpg"Tore Hund caminhou até o corpo do rei Olavo,
cuidou dele, estendeu-o no chão, e
cobriu-o com uma capa. Mais tarde, contou que, quando
limpou o sangue do rosto do rei, ele estava muito bonito;
e havia um tom vermelho nas bochechas dele, como se estivesse apenas dormindo;
e estava mais luminoso do que quando vivo."
SNORRI
The%20Guardians%20of%20the%20Covenant%20-%20original-mapa.psdPrólogo
15178.jpg 15183.jpg 15191.jpg
Há apenas um passo entre mim e a morte.
primeiro livro de samuel 20:3
"Por isso diz também a sabedoria de Deus: Profetas e apóstolos
lhes mandarei, e eles matarão uns e perseguirão outros."
Evangelho segundo Lucas 11:49
Egito, 1360 a.C.
Ele lentamente levou o cálice com veneno aos lábios.
Através da névoa de calor, podia ver o Nilo cintilando abaixo do palácio. O sol brilhava num céu límpido como bronze derretido. Ao longe, a areia do deserto foi soprada num arco marrom-acinzentado.
Gotas de suor escorriam-lhe pelo pescoço e pelas costas. A areia se grudava à pele dele como uma sarna teimosa.
Apesar de terem misturado o veneno com mel e vinho, a poção ainda tinha um aroma acre e azedo. Eles permitiram-lhe escolher como morreria. E agora estavam ao seu redor, os vizires, sumos sacerdotes, oficiais e generais, esperando que ele esvaziasse o cálice. Apenas o faraó e a rainha não tinham vindo. Não quiseram estar ali.
Uma pomba branca passou pela janela, uma sombra efêmera encobrindo o sol. Ele seguiu o pássaro com os olhos, então levou o cálice à boca e bebeu.
"Atenção, leitor, às runas místicas. Os tormentos do Duat, Helheim e Inferno aguardam aqueles que decifrarem os mistérios das runas sem permissão.
O escolhido é você que protege o segredo com sua honra e vida. Seus Ajudantes Divinos, Osíris, Odin e o Cristo Branco, irão segui-lo e ajudá-lo. Salve, Amon!"
Antigo Manuscrito Nórdico
1050 d.C.
(incorporado ao Codex Snorri em 1240)
Noruega, 1070 d.C.
O velho viking olhou para fora da pequena janela de sua cela fria no monastério aos pés da montanha. Tossiu. Uma enorme nuvem de neblina avançava do mar, mas ele não conseguia enxergá-la, já que era quase cego. Na margem da água, as gaivotas guinchavam em volta da carcaça apodrecida de uma foca presa entre as rochas e as algas. Ele tossiu novamente e envolveu a pena de escrever com os dedos artríticos.
Odin, dê-me forças.
Minhas mãos tremem. Meus dedos deformados parecem as garras de uma águia. Minhas unhas estão ásperas e quebradiças. Cada respiração é um arquejo ruidoso. Meus olhos, que podiam ver um urubu voando alto sob as nuvens, ou um estandarte no topo do mastro de um navio no horizonte, são agora prisioneiros de uma névoa eterna. Consigo discernir os fracos rabiscos de tinta apenas quando me curvo para perto do papel. Ouço a ponta da pena arranhando o pergaminho e reconheço o cheiro de tanino. Assim é sofrer a morte lenta da velhice.
Brage, dê-me a mão para que eu possa escrever minhas lembranças neste pergaminho esbranquiçado. Já se passaram mais de quarenta anos desde que meu senhor e rei, o homem que chamavam de Ólafr hinn helg, ou Santo Olavo, foi ferido por uma espada em Stiklestad. Eu era seu escudeiro e amigo. Ainda o vejo em pé diante de mim, intrépido e confiante em sua crença, quando Kalv brandiu o golpe fatal. Ele encontrou seu deus, aquele meu rei.
Para agradar a meu senhor, deixei-me batizar em nome do Cristo Branco. Mas, no decorrer dos anos, eu nunca, em segredo, parei de adorar os deuses de meus ancestrais. Não tive coragem de confessar minha traição a Olavo. Em segredo, eu prestava homenagem a Odin, Tor, Balder e Brage, Freyr e Freyja. Meus próprios deuses, que me protegeram a vida toda. O que o Cristo Branco fez por você, meu rei? Onde estava o deus de Olavo enquanto ele lutava com tanta valentia em nome do Senhor em Stiklestad? Meus próprios deuses pouparam minha vida. Deixaram que eu vivesse tanto tempo, que esta minha carcaça miserável está enfraquecendo. Minhas estranhas já apodreceram. Minha carne se soltou dos ossos e das juntas. Os portões do Valhalla nunca se abriram para mim. Ainda assim, uma dúvida me corrói: por que não permitiram que eu morresse em batalha? Quando Olavo e eu éramos apenas rapazes e navegávamos com os vikings, eu olhei a morte nos olhos em reinos distantes. Mas as Valquírias nunca vieram me buscar. Ainda sinto a sede pelo sangue e o frenesi que tomava conta de mim quando nos aproximávamos de costas estrangeiras. Imaginava os tesouros que esperavam por nós, o medo nos olhos dos inimigos, os seios e as coxas pálidas das mulheres que iríamos violentar. Lutávamos bravamente, assim como nossos pais e os pais deles haviam nos ensinado. Quantos matamos? Mais do que pode ser contado nos dedos de mil homens. Em minha mente, ainda posso ver os olhos dos homens que matei a serviço de Olavo, meu rei. Capturávamos homens e mulheres que vendíamos como escravos e prostitutas. Queimávamos casas; destruíamos vilas. Esse era o nosso costume.
Mas, nos anos seguintes, Olavo lutava com sua consciência. Rezava pedindo perdão ao seu deus. Seu deus não respeitava a honra da batalha. No entanto, assim que os criados desse deus juntavam as mãos e imploravam, ele perdoava os pecados que os torturavam tanto. Hipocrisia. Não compreendo esse deus de língua bifurcada e seu santo filho. Sendo assim, eu ainda faço sacrifícios a Odin e Tor. E a Brage, o deus dos poetas e skalds.¹ Sou chamado de Bård, o Skald. Nenhuma das minhas músicas jamais foi escrita; elas vivem nos lábios de outras pessoas.
Vivo aqui, neste monastério, há aproximadamente vinte anos, e sou bem tratado. Consideram-me um santo, devido à minha proximidade com o rei Olavo e o egípcio Asim. Ambos descansam na tumba secreta de Asim, juntamente com o tesouro e os pergaminhos que apenas ele era capaz de ler.
Durante aqueles 25 anos, desde que éramos rapazes até o dia em que a vida se esvaiu dele sob o tórrido sol de julho, em Stiklestad, lá para o norte em Trøndelag, eu permaneci resoluto e leal ao meu rei. Estou velho agora. E determinado a escrever – no melhor pergaminho disponível, com uma pena afiada e tinta de excelente qualidade – um segredo da vida que compartilhei com meu rei. Antes de morrer, eu gostaria de contar a história de uma incursão ao reino do sol e do templo dedicado a deuses estranhos.
Novamente, o velho olhou pela janela. O monastério estava envolto em névoa marinha; as gaivotas, quietas. Ele fitou as palavras que tinha escrito. Runas preenchiam o pergaminho branco em linhas simétricas. Lutou para ficar de pé e caminhou com dificuldade até a janela, onde apoiou os cotovelos no parapeito e voltou o olhar para as lembranças. O ar marinho e salgado o levou de volta à sua juventude, quando ficava em pé na proa do barco viking, o Águia do Mar, com o rei Olavo, os cabelos soprados pelo vento e os olhares fixos em reinos desconhecidos.
"O Sagrado Culto
de Amon-Rá
GUARDIÕES valorosos
que conhecem
o ressoante segredo das runas."
Runas entalhadas em madeira
Igreja de madeira de Urnes
O Vaticano, 1128 d.C.
O rosto do cardeal-bispo Benedictus Secundus parecia feito de cera na luz esfumaçada da lamparina a óleo. Jogou uma pilha de pergaminhos em cima da mesa e olhou fixamente o arquivista.
– Por que este manuscrito não me foi entregue antes?
– Vossa Excelência! O documento cóptico foi um dos incontáveis manuscritos confiscados pelo Vaticano há mais de cem anos. Permaneceram intocados no cofre desde então. Quer dizer, até o cardeal Scannabecchi ordenar que os documentos fossem arrumados e catalogados. O manuscrito cóptico é um dos muitos que foram recentemente traduzidos. Não fazíamos ideia… – o arquivista hesitou, enquanto olhava do cardeal-bispo para Clemens de’Fieschi, o cavaleiro do papa, que parecia uma sombra à meia-escuridão. – …de qual era a natureza do texto.
– E quem era o responsável pelo manuscrito cóptico?
– Um egípcio, Vossa Excelência…
– Ah, deveria ter imaginado.
– …e certo sumo sacerdote…
– Rá!
– …chamado Asim.
– E onde se encontra o manuscrito original agora?
– Pelo que sei, os papiros estão na… Noruega – os olhos do cardeal chamejaram perplexos, enquanto tentava compreender. – Noruega – o arquivista repetiu. – A terra da neve. No norte distante.
– Noruega – o cardeal-bispo lutava para não perder a calma. – Como uma coleção de escrituras sagradas foi cair nas mãos daqueles… bárbaros?
– Não sabemos – o arquivista sussurrou.
– Acredito que não seja preciso explicar como é importante que o manuscrito original seja devolvido ao Vaticano.
– Foi por isso que requisitei uma audiência com Vossa Excelência.
O cardeal-bispo se virou para Clemens de’Fieschi.
– Quero que você vá até lá, até esse país… Noruega… e encontre o manuscrito original!
Clemens de’Fieschi saiu das sombras para a luz com uma reverência elegante.
– Vossa Excelência – o arquivista interrompeu, folheando os pergaminhos até encontrar o que estava procurando –, as direções dadas pelo egípcio Asim são apenas aproximadas…
– Encontre-o! – o cardeal-bispo o interrompeu com os olhos fixos em de’Fieschi. – E traga-o de volta.
– Vossa Excelência – de’Fieschi respondeu com um aceno de cabeça. O esvoaçar de sua capa fez com que as chamas da lamparina vacilassem. Eles ouviram seus passos recuar pelo corredor e então uma porta foi fechada.
– De’Fieschi deve encontrar o original! – o cardeal-bispo exclamou, mais consigo mesmo do que para o arquivista. – Se esse manuscrito cair em mãos erradas…
– Isso não pode acontecer.
– Não diga nada! Não diga nada a ninguém!
Os olhos do cardeal correram ao longo das estantes de arquivos que iam do chão ao teto, repletas de pergaminhos, manuscritos, documentos, cartas e mapas. Juntou as mãos e, com as palavras Oh, Senhor Deus, ajude-nos a encontrar o manuscrito
, deixou o arquivista em companhia apenas do medo e das lamparinas que soltavam fumaça.
"HIR: HUILER: SIRA: RUTOLFR
Aqui jaz Sira Rudolf"
Inscrição em sepulcro
Monastério Lyse
1146 d.C.
"Honrado GUARDIÃO
que decifra os mistérios das runas,
Apenas você encontrará a pedra rúnica
no último túmulo da rosa rúnica
onde jaz o bispo Rudolf."
Do Codex Snorri
1240 d.C.
Islândia, 1241 d.C.
Na noite em que foram matá-lo, permaneceu no pátio durante muito tempo, olhando as estrelas. Algo doía dentro dele. Uma premonição. Ele estremeceu com o vento frio que vinha do norte. Ficara na fonte de águas quentes por uma hora, antes de se secar e se vestir novamente. O vapor da fonte cintilava ao luar acima do telhado. O brilho reluzente o fez pensar nas Luzes do Norte. Correu os dedos pela barba grisalha e chutou um tufo de grama murcha com sua bota. Como ele odiava aquela sensação gélida que penetrara fundo em sua alma. Tinha tantas coisas ainda por fazer. A idade não o preocupava; longe disso, pois permanecia ágil e rápido como um cordeiro. Ah, bem. Uma estrela cadente riscou o céu. Ele se perguntou se seria aquilo um presságio. Respirou fundo e prendeu o ar gelado. Em algum lugar da fazenda, um cachorro latiu. Um cavalo relinchou no estábulo.
O mundo silenciou novamente.
– Ora, ora – ele murmurou consigo mesmo. – Ora, ora, ora.
Voltou para dentro e subiu as escadas cujo sétimo degrau rangia. Fechou a porta do quarto atrás dele, sentou-se pesadamente na cama, em cima das peles de ovelha que a criada limpara e dobrara. E então adormeceu ainda vestido, com a cabeça encostada na madeira áspera da parede da empena.
Cavalos relinchando.
Gritos estridentes.
Um portão de madeira se abrindo, rangendo, fechando.
Alguém gritando seu nome. Seu nome.
Os sons penetraram em seus sonhos. As pálpebras estremeceram. Então, em um instante, ele estava completamente desperto. Levantou-se com um pulo e teve de segurar a coluna da cama para manter o equilíbrio. Ouviu gritos e latidos que vinham do lado de fora. Espiou por um postigo. A fazenda fervilhava com homens armados. Entre eles, viu Gissur na luz das tochas. Seu rosto endureceu. Gissur! Em um momento de imprudência, permitira que sua filha, Ingibjørg, se casasse com aquele desgraçado inútil. Seria esse conhecimento que o corroía por dentro? Ele e Gissur eram inimigos. Mas isso? No entanto, o que se poderia esperar de um covarde que obedecia às ordens do rei norueguês?
Seu coração martelava no peito, mas não queria sentir medo. A morte não chegaria em uma noite como aquela, pensou, uma noite outonal tão tranquila e estrelada.
Ele abriu uma arca encostada na parede e tateou por entre as pesadas roupas até os dedos encontrarem a fechadura do compartimento secreto. A fechadura abriu. As mãos se fecharam em volta dos rolos de pergaminho. Eles jamais poderiam cair nas mãos de Gissur e do rei norueguês! Guardou-os cuidadosamente sob o gibão antes de se esgueirar escada abaixo e sair na galeria exterior. Sob o manto da escuridão, ele margeou os muros das construções até chegar à casa do padre Arnbjørn.
O padre estava sentado na cama com a pele de ovelha puxada até o queixo. Soltou um suspiro de alívio quando reconheceu seu líder.
– Quem…
– Gissur e seus homens!
– Gissur! – o padre fez o sinal da cruz e cambaleou para fora da cama. – Você deve se esconder! Conheço um lugar! No porão. Na despensa ali…
– Mas primeiro você deve jurar que vai me ajudar! – as palavras soaram estranhas. Calmantes. Autoritárias. Corajosas. Ele pegou os rolos de pergaminho. – Arnbjørn, preste atenção no que direi!
A boca de Arnbjørn estava entreaberta. A respiração ecoava seu coração acelerado.
– Estou ouvindo.
Ele lhe entregou os pergaminhos. Por um tempo, ambos seguraram os rolos de velino.
– Se, ao amanhecer, eu já não estiver vivo, Arnbjørn, você terá uma missão. Uma missão que é mais importante do que sua própria vida – o padre aquiesceu em silêncio. – Em segredo, você deve levar estes pergaminhos a Thordur, o Gago – ele encarou o padre. – E não deve dizer uma única palavra sobre isso. Nunca! Nenhuma palavra! Para ninguém! Entendeu?
– O que devo dizer a Thordur?
– Ele vai compreender – Thordur era o próximo Guardião na Islândia. Se houvesse alguém na Terra em quem ele pudesse confiar, essa pessoa era Thordur, o Gago, filho de seu irmão. Então, soltou os pergaminhos. – Proteja-os com sua vida! Mesmo que alguém lhe arranque os olhos… – o padre ofegou e deu um passo para trás. – Você não pode dar os pergaminhos a ninguém nem contar que está com eles, nem mesmo dizer que sabe de sua existência! Você pode me fazer um juramento, Arnbjørn, em nome de Deus?
O padre hesitou um momento, sem dúvida considerando a possibilidade de ter os olhos arrancados. Então respondeu:
– É claro!
– Confio em você, meu amigo. Que a paz esteja convosco, padre Arnbjørn!
Ao dizer essas palavras, ele se virou e saiu para a noite. A escuridão estava fria em sua pele. Ouviu os gritos dos homens de Gissur enquanto faziam uma busca pela fazenda, os relinchos e as patadas dos cavalos, os latidos dos cachorros e os protestos irritados do povo da fazenda, que se sentia ofendido com o comportamento dos homens. Ele abriu o alçapão atrás do barracão de ferramentas que levava até uma das passagens no porão. Teve de se abaixar enquanto corria pela passagem estreita e escura como breu, as mãos tocando as paredes de pedra para se orientar. Depois de dez ou doze metros, ele deu de cara com uma porta de madeira. Maldição! Procurou pelas chaves, abriu a porta e entrou na despensa. O ar cheirava a milho, mofo e hidromel fermentado. Ele se espremeu atrás de alguns barris de milho que ficavam encostados à parede. Sabia que não desistiriam até encontrá-lo.
Houve gritos de júbilo quando o acharam e chutaram os barris para os lados e o arrastaram para fora de seu esconderijo. Na luz das tochas, ele pôde ver que havia cinco deles. Reconheceu Arni, o Amargo, e Simon, o Nó. Mas Gissur não estava lá. Aquele covarde.
Então viu o padre Arnbjørn na passagem escura atrás deles.
– Senhor – o padre aterrorizado gritou –, eles juraram que iriam se mostrar misericordiosos.
– Que assim seja – ele disse em voz tão baixa, que o padre provavelmente nem sequer o escutou.
– Fique quieto, padre – Simon, o Nó, mandou.
– Gissur prometeu poupar sua vida! – Arnbjørn continuou. – Disse que não poderia haver reconciliação se não o encontrasse… – ele ficou em silêncio quando percebeu que havia sido enganado para trair seu líder.
Um dos homens riu.
– Onde estão os pergaminhos? – Simon, o Nó, exigiu saber.
– Onde você os escondeu? – Arni, o Amargo, gritou.
Quem eles pensavam que ele era?
Simon, o Nó, aproximou seu rosto do dele.
– Você sabe que nós os encontraremos, velho! Mesmo se tivermos de destruir toda a fazenda, madeira por madeira! – e assim continuaram. Até perderem a paciência. – Bata nele – Simon, o Nó, disse a Arni, o Amargo.
Os guerreiros o olharam. – Fale! – Arni, o Amargo, gritou.
Tudo o que ele sentia era uma paz profunda. Sabia que sua vida estava acabada. Uma vida rica e dramática, isso ele não poderia negar. Uma vida não muito diferente daquelas que ele narrara nas sagas.
– Ninguém deve atacar! – ele disse numa voz calma. Eigi skal höggva.
– Bata nele! – Simon, o Nó, repetiu.
Não estava com medo. Mas desejava morrer com honra. Não queria deixar esta vida com o rosto mutilado por um machado ou por uma espada. Uma espada através do coração seria mais honrado.
– Ninguém deve atacar – disse novamente com autoridade, e encarou seus assassinos nos olhos.
Arni, o Amargo, foi o primeiro a atacar. A espada atingiu-lhe uma artéria. O sangue pulsou para fora com intensidade. O fluido vital ainda corre em mim, ele pensou enquanto caía no chão. Todos começaram a golpeá-lo. Vindo do túnel, ele ouviu o som das lamúrias do padre Arnbjørn. Por favor, permita que ele mantenha sua promessa e entregue os pergaminhos a Thordur, o Gago
, ele rezou.
E assim a vida de Snorri Sturluson se esvaiu, banhado em seu próprio sangue, cercado por inimigos.
"Thord gravou estas runas longe da terra de seus ancestrais
Por mares revoltos e cordilheiras desconhecidas
Através de florestas e por cima dos picos
Nós levamos o Sagrado
Que nascemos para proteger."
Pedra rúnica
Palácio Miércoles
1503 d.C.
O Vaticano, 1503 d.C.
O papa Julius encarou surpreso Giuliano Castagna, o mais novo cardeal-bispo nomeado pelo Vaticano.
– Por favor, faça a gentileza de repetir – ele disse. – Onde estão os manuscritos?
– Vossa Santidade, sei que isso parece inconcebível… Mas a carta foi entregue esta manhã por um mensageiro da rainha Isabella. E, como o senhor poder ver pelo selo, ela é autêntica.
O papa pegou o pergaminho com o selo rompido. Balançou a cabeça enquanto a lia. Quando terminou, entregou-a de volta ao cardeal-bispo.
– E esse é o papiro original das Sagradas Escrituras, do qual nós temos a tradução cóptica? – o cardeal Castagna assentiu. – Os mesmos rolos de papiro que seu antecessor, Secundus, tentou localizar há quase quatrocentos anos? – o papa perguntou.
– Exatamente.
– Como esses documentos foram parar lá?
– Essa também é uma história surpreendente – o cardeal respondeu.
O papa olhou para o domo estrelado da Capela Sistina.
– Realmente temos de fazer alguma coisa a respeito do teto – ele murmurou, voltando o olhar para o cardeal. – Será uma catástrofe se essa informação tornar-se pública! Para a Igreja. Para o Vaticano. Para o mundo.
– Posso propor uma solução audaciosa?
Primeira parte
O manuscrito
15277.jpg 15272.jpg 15267.jpg
"…e mataram três padres e queimaram três igrejas,
e então retornaram."
Snorri
"Um Cavaleiro Templário é realmente um cavaleiro destemido,
pois sua alma é protegida pela armadura da fé."
Bernard de Clairvaux
"Tudo se mostrará verdadeiro
O que perguntastes para as runas."
Havamål
Um padre assassinado
12744.jpgIslândia, 2007
1
Sira Magnus morreu. Está flutuando com o rosto para baixo na fonte de águas quentes, como se tivesse acabado de respirar profundamente e estivesse procurando alguma coisa no fundo. O cabelo, que lhe batia na altura dos ombros, está espalhado num leque como se fosse um halo. As mãos pálidas se movem com as ondulações.
– Magnus?
Minha voz soa fina e fraca.
Suas roupas ondulam na superfície da água como algas. As moedas jogadas pelos turistas cintilam no fundo da piscina.
Chamo seu nome novamente. Em algum lugar, um corvo grasna.
Não consigo me mexer. Talvez esteja tentando adiar o inevitável: terei de tirá-lo das águas quentes e olhar seus olhos sem vida.
Ele não caiu por acidente. A fonte não é funda. Poderia ter saído com facilidade.
Alguém o matou. Alguém afogou Sira Magnus.
Fico de joelhos, agarro-o pelos tornozelos e o puxo para fora da água, que exala um cheiro fraco de enxofre. Ele é pesado. As roupas estão encharcadas e pingam. Quando o viro de lado, água escorre de sua boca. Tento encontrar a pulsação que, tenho certeza, se extinguiu há algum tempo. O rosto está vermelho e inchado. Ele perdeu os óculos. Os olhos, esbugalhados. E vazios.
– Oh, Magnus – eu sussurro –, o que fizeram com você? – Ou talvez eu apenas pense isso. Seguro sua mão. Estou tremendo. A água lhe escorre pela barba. As roupas grudam-se a seu corpo roliço.
A fonte redonda é cercada por lajotas irregulares. Aqui e ali, plantas desafiadoras abriram caminho pelas rachaduras. Uma lufada de vento sibila acima da paisagem árida.
Largo sua mão e ligo para a emergência.
2
Enquanto espero a polícia, corro até a casa para verificar se roubaram o manuscrito.
A porta foi deixada aberta. Corro pelo corredor, passando pela sala de estar e entrando no escritório. Foi ali que nos sentamos na noite passada, analisando o frágil pergaminho. Codex Snorri. Uma estranha compilação de códigos, textos, mapas e símbolos ocultos. Eram quase duas horas da manhã quando paramos. Lembro-me de como ele guardou o manuscrito cuidadosamente e o trancou na gaveta da escrivaninha. Ele guardava a chave no chaveiro pendurado no cinto.
A chave e o chaveiro estão agora pendurados na gaveta aberta.
O Códice Snorri desapareceu.
Alguém roubou a antiga coleção de textos.
Posso imaginar o que aconteceu. Eles o seguraram embaixo da água. Ameaçaram-no. E, finalmente, ele cedeu. Contou-lhes com relutância onde estava o manuscrito. É claro. Eu teria feito a mesma coisa. Alguns dos bandidos correram até a casa. E, assim que encontraram o códice na gaveta da escrivaninha, os desgraçados seguraram-lhe a cabeça embaixo da água enquanto ele lutava e se debatia, até finalmente parar de respirar e ficar flácido e quieto. Então simplesmente o deixaram ali, flutuando na água, como qualquer outro cadáver.
Na fonte de águas quentes de Snorri Sturluson.
3
As sirenes quebram o silêncio.
Um bando de corvos levanta voo e desaparece acima da crista da colina com grasnidos de reclamação. Lögregla e sjúkrabíllin – a polícia e a ambulância – chegam com tamanha rapidez, que me pergunto se elas apostaram corrida saindo de Borganes e, agora que ganharam velocidade, não queriam parar. Claramente não sabem que o chamado deixara de ser urgente havia horas.
Aceno para a viatura e para a ambulância no caminho que leva à fonte. As luzes azuis piscam. As sirenes gritam e silenciam, primeiro uma, depois a outra. Vejo os rostos através dos para-brisas: céticos, ansiosos, perplexos.
Sira Magnus?
Morto?
Na fonte de águas quentes de Snorri?
Assassinado?
Eles mal podem acreditar. Reykholt está aninhada num canto pacífico do mundo. O último assassinato em Reykholt aconteceu há aproximadamente 766 anos. Numa noite em setembro de 1241, Snorri Sturluson foi assassinado pelos homens de Gissur Thorvaldsson por ordens do rei Håkon Håkonsson, da Noruega.
No momento, eu sou o único que sabe que há uma ligação entre os dois assassinatos.
A descoberta
12749.jpg1
Sira Magnus era um padre. Ele salvava almas perdidas. Eu sou um arqueólogo e salvo o passado do esquecimento.
Deixe-me levá-lo de volta há alguns dias, apenas dois, na verdade. Deixe-me voltar ao sábado de manhã.
– Encontrei algo fantástico, Bjørn!
Sira Magnus estava parado ao sol, sorrindo e cheio de antecipação, quando entrei no estacionamento em Reykholt, o antigo reino de Snorri na Islândia. Ao fechar os olhos, ainda posso vê-lo na minha frente, através do brilho do para-brisa – animado e muito vivo. Parei o carro. Sira Magnus abriu a porta para mim. Abraçamo-nos de um modo desajeitado, da maneira como os homens sempre o fazem, temendo demonstrar a admiração que sentíamos um pelo outro.
– Obrigado por vir, Bjørn. Obrigado. Você não vai se arrepender!
– Quando pretende me contar o que descobriu?
– Em breve, Bjørn, em breve.
Nós nos conhecemos três anos atrás em um simpósio interdisciplinar sobre o líder e autor de sagas Snorri Sturluson. Sira Magnus fez uma palestra abordando as semelhanças entre Snorri e Sócrates como portadores de sabedoria e mediadores de conhecimento na Islândia medieval e na Grécia Antiga. Eu apresentei uma tese sobre a relação problemática de Snorri com Håkon Håkonsson, homem que se tornou rei da Noruega em 1217, seguindo-se à vitória dos Birkebeiners na guerra civil.
Foi assim que nos tornamos amigos.
Uma semana atrás, ele me telefonou e me convidou para ir à Islândia. Eu não dispunha de tempo. Expliquei-lhe que estava muito ocupado com a escavação na fazenda real de Haraldo Cabelo Belo, em Karmøy. Mas ele não queria saber. Eu tinha de ir. Ele encontrara uma coisa. Uma coisa histórica. Se não o conhecesse tão bem, eu acharia que ele estava com algum parafuso solto. Mas Sira Magnus era um padre sensato em uma paróquia rural, e raramente perdia a calma.
– Então, o que você encontrou?
Eu seguia alguns passos atrás de Sira Magnus, com uma mala na mão, enquanto ele andava pelo caminho que levava ao Snorrastofa, o centro de pesquisa ligado à igreja e ao museu. Ele dava passos bamboleantes, pois tinha as pernas um pouco curtas. Havia dois carros estacionados no grande estacionamento: a BMW 4X4 de Sira Magnus e meu carro alugado.
– Um códice! Uma compilação de documentos…
– Sobre?
– Escritos no melhor e mais macio pergaminho feito de pele de bezerro! Uma coleção de textos e versos misteriosos, mapas, instruções, símbolos e códigos escritos a mão.
– Do que tratam? São de que século? Quem escreveu os textos?
– Paciência, meu amigo, paciência!
Sira Magnus sempre falava lentamente. Sincronizado com o metrônomo da alma, como ele costumava dizer.
– Mas, exatamente, por que você pediu que eu viesse?
– Isso, meu querido Bjørn, é óbvio.
Não sei se ele se referia ao fato de eu ser um amigo ou a um incidente há alguns anos. Eu era o inspetor norueguês da escavação arqueológica que descobriu o Relicário dos Segredos Sagrados, um relicário de ouro onde havia um manuscrito que me proporcionou certa fama nos círculos acadêmicos.
Sira Magnus abriu a porta do apartamento para pesquisadores visitantes, local em que eu iria ficar. Coloquei minha mala no corredor. Então o segurei pela manga do paletó e o puxei até a sala de estar e o fiz sentar-se numa cadeira.
– Pronto. Agora me conte!
Seu rosto, se você tirasse o cavanhaque e as rugas, poderia ser o de uma criança. Ele limpou a garganta com seriedade e cerimônia, como se estivesse prestes a fazer um sermão.
– Permita que seu amigo lhe conte a história de forma cronológica.
– Ah, ande logo!
– Tudo começou há aproximadamente duas semanas. Houve uma morte na paróquia. Um homem idoso e paralítico, de modo que sua morte não foi inesperada. Depois do funeral, foi-me pedido que ajudasse a família que cuidara do idoso, em nome da congregação, a analisar uma considerável coleção de documentos. O idoso tinha obsessão por genealogia. Árvores genealógicas. A coleção reunia de tudo, desde relatórios sobre pesquisas recentes até árvores genealógicas e manuscritos islandeses. O casal da fazenda onde ele viveu é muito atuante na congregação. Meus amigos. E eles eram os herdeiros. Pediram minha ajuda quando a empresa islandesa deCODE, que realiza pesquisas genéticas para o desenvolvimento de remédios biofarmacêuticos, perguntou se poderia comprar a coleção.
– O que a deCODE iria fazer com ela?
– A Islândia tem o melhor banco de genes do mundo. A história genealógica da maior parte da população pode ser traçada de volta à colonização da Islândia. Sem dúvidas, a deCODE esperava que a coleção do homem pudesse proporcionar uma nova perspectiva sobre as desconhecidas relações familiares. Meu velho amigo, o fazendeiro, queria que primeiro um especialista examinasse a coleção para que a empresa não tivesse em mãos algo que deveria ir para o acervo de manuscritos em Reykjavik.
– O que você descobriu?
– A coleção é única. Realmente única! Livros antigos. Cartas. Pergaminhos. Manuscritos. Alguns deles estavam praticamente despedaçados. Mapas. Documentos de alienação de propriedades. No meio de todos esses papéis, encontrei um resumo sobre a família Sturlung, a árvore genealógica de Snorri, de 1453 – tentei uma pergunta, mas ele levantou uma mão para me impedir. – Quando estava prestes a empacotar todos os pergaminhos, notei uma protuberância em um invólucro de couro… – ele tossiu admitindo sua culpa. – Então, eu cortei a costura escurecida para ver o que havia dentro.
– Você fez o quê?
– Ouça! No invólucro, encontrei um texto ainda mais antigo.
– Você cortou o invólucro?
– A coleção de pergaminhos dentro do invólucro estava costurada como um livro. Um códice.
– Cortar algo tão antigo assim é vandalismo. E você sabe disso.
– Sei que fiz algo terrível, Bjørn.
– Com certeza! Você deveria ter deixado que um curador abrisse o invólucro de couro.
– Não, há mais coisas.
– Mais coisas? O fato de você ter cortado o invólucro já é ruim o bastante.
– Há mais sobre o texto – seu rosto se tornou distante e sonhador. – Algo sobre as palavras, sobre a caligrafia, sobre todas as figuras geométricas…
– O que você fez?
– Você sabe que sou um padre honesto e justo!
– Magnus, o que você fez?
Ele me olhou envergonhado.
– Escondi os pergaminhos dentro do paletó e os levei para casa – seu olhar se arrastou pelo chão até encontrar o meu. – Eu os roubei, Bjørn.
2
Mais tarde naquela noite, com um vento frio que vinha das montanhas, Sira Magnus me mostrou o códice. Sentamo-nos a uma mesa rachada em uma das salas de estar da reitoria, a uma curta distância do Snorrastofa.
Eu podia ver que seu rosto estava distorcido pela dor.
– O que o está incomodando? – perguntei-lhe. Ele balançou a cabeça, abatido. – Está envergonhado por ter roubado os pergaminhos?
– É mais do que isso. Eu… nada. Agora não. Talvez outra hora.
Ele tirou da gaveta de sua mesa uma caixa embrulhada em papel marrom e jornal. Depois, desdobrou várias camadas de papel antes de me entregar o pergaminho. A coleção estava incrivelmente intacta. Passei a ponta dos dedos sobre o couro curtido.
– O que é isto? – por alguma razão pareceu adequado sussurrar.
Com muito cuidado, abri o códice. As primeiras cinco páginas estavam escritas em runas. Então, cheguei a uma seção em couro mais claro e letras em latim. Três símbolos foram riscados no couro: um ankh egípcio, a runa tiwaz e uma cruz cristã.
A página seguinte mostrava dois mapas do sul da Noruega e da Islândia ocidental.
E um pentagrama.
– Geometria sagrada – Sira Magnus disse.
Era tudo de que eu precisava.
– Para ser honesto – eu disse com paciência –, nunca entendi se a geometria sagrada é um mito ou uma ciência.
– Ou algo entre os dois.
– Você é o padre.
Recebemos um palestrante convidado na universidade que conseguiu convencer até mesmo um cético convicto como eu de que nossos ancestrais foram influenciados pelos antigos conceitos da Grécia e do Egito sobre Matemática, Astronomia, Geografia e Geodésia, a disciplina que sustenta a Cartografia. Com a ajuda de fotos e mapas tirados por satélite, ele mostrou como os sítios e os marcos sagrados medievais foram posicionados de acordo com padrões geográficos, geométricos e matemáticos.
Mesmo assim…
Sira Magnus folheou de volta até as páginas com letras em latim e apontou para a caligrafia.
– Olhe! Esta escrita é chamada de minúscula carolíngia. Nossas letras modernas foram baseadas nela. Um marco na caligrafia – lancei-lhe um olhar que sabia ser irritante, principalmente porque estaria aumentado pelas grossas lentes dos meus óculos. Sira Magnus apontou para duas letras minúsculas ao pé da página e me entregou uma lupa. – Está vendo esses dois S?
– Sim.
– Então talvez você consiga entender do que estou falando – mas eu, infelizmente, nada tinha entendido. – S.S.? Combinados com a minúscula carolíngia? Bjørn? Ainda não entendeu? S.S.: Snorri Sturluson! As letras em latim foram escritas por Snorri! – olhei atônito para o texto. O vento reclamava e assoviava nos cantos do lado de fora. – O texto foi escrito por Snorri em pessoa – Sira Magnus prosseguiu.
– Tem certeza?
– Não é incrível, Bjørn?
Se Sira Magnus estivesse certo, o códice causaria furor histórico. Um pedaço da história mundial. Snorri raramente escrevia. Ele ditava. Cercado por seus escribas, Snorri compunha sagas e mitos sobre reis vikings e antigos deuses nórdicos. Acadêmicos ainda discutem se um anexo na margem de um máldagi islandês, um acordo escrito, foi redigido pelo próprio Snorri ou por um de seus escribas.
– O fato de o próprio Snorri ter escrito partes do texto, em vez de deixar que um de seus escribas confiáveis o fizesse, deve significar que o conteúdo é extremamente delicado – Sira Magnus disse.
– Mas por que Snorri misturaria seus próprios pergaminhos e textos com manuscritos ainda mais antigos, escritos em runas?
– Bem, se eu soubesse…
Folheamos os pergaminhos com muito cuidado.
– O texto trata do quê?
– Instruções. Regras. Profecias…
Ele voltou uma página e encontrou um antigo texto islandês:
O Sumo Sacerdote Asim declarou que chegará um momento em que os GUARDIÕES irão trazer de volta O SAGRADO ao seu local de descanso, sob o sagrado sol, no sagrado ar, na sagrada pedra; e mil anos irão passar; e metade desse período será envolto em depravação e corrupção; e da grande quantidade de GUARDIÕES restarão apenas três; e eles são verdadeiros, são puros de coração e seu número é três.
– O que diabos isso quer dizer? – perguntei-lhe.
– Não faço a menor ideia. Mas pelo menos as letras são legíveis.
– O que quer dizer?
– A maior parte do texto é completamente incompreensível!
– Um idioma estrangeiro?
– Partes estão codificadas.
– …
– Dá para acreditar nisso, Bjørn?
– Codificadas?
– É totalmente inacreditável. Alguns versos e parágrafos foram escritos em códigos – ele percebeu que eu precisava de um tempo para digerir aquilo. – Por que está tão surpreso? Códigos são usados há anos!
– Sim, mas… Snorri?
– Se ele quisesse escrever algo que era segredo, então teria de disfarçar o significado.
Ele folheou até a última página dos pergaminhos e me mostrou um verso lindamente escrito cercado por elegantes margens. Tentei lê-lo. Mas, mesmo para um professor adjunto inteligente que entendia nórdico arcaico, o texto era incompreensível.
– Trinta e três palavras divididas em seis linhas – Sira Magnus disse. – O texto é incompreensível. Então tentei encontrar os diferentes significados do número 33.
– E o que descobriu?
– Jesus morreu com essa idade. Também é um número importante para a numerologia mágica. Trinta e três é um número sagrado para os maçons.
– Os maçons não existiam na época de Snorri.
– Exato! E por isso acho que é totalmente arbitrário a mensagem ter 33 palavras – ele explodiu numa gargalhada e folheou o manuscrito. Apontou para um texto de 18 linhas. – Mais palavras sem nexo!
– Você consegue desvendar códigos?
– De jeito nenhum. E você?
Balancei a cabeça.
– Mas conheço alguém que consegue.
3
Não consigo me decidir se Terje Lønn Erichsen é um amigo ou um colega. Como eu, ele é uma ameba social, um linguista e professor adjunto no Instituto de Linguística e Estudos Nórdicos na Universidade de Oslo. Está trabalhando numa pesquisa que analisa a divisão do nórdico arcaico em norueguês, sueco, dinamarquês e islandês. Eu me arriscaria a dizer que Terje é um gênio linguista. Desvendar códigos é um de seus hobbies. Quando tinha 16 anos, ele desvendou sozinho, sem consultar Thomas Phelippes, os códigos usados nas correspondências entre Maria, rainha da Escócia, e seus adeptos quando esteve na prisão.
Assim que liguei para Terje e expliquei-lhe que precisava de sua ajuda, pude ouvir a animação em sua voz. Palavra por palavra, linha por linha, eu ditei o código de Snorri. Sira Magnus me observava com um sorriso de esguelha, como se não pudesse acreditar que alguém seria capaz de compreender os códigos medievais de Snorri. Nem mesmo meus amigos nerds.