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Uma clareira no bosque: Contar histórias na escola
Uma clareira no bosque: Contar histórias na escola
Uma clareira no bosque: Contar histórias na escola
E-book114 páginas1 hora

Uma clareira no bosque: Contar histórias na escola

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Sobre este e-book

Esse livro fala do gosto e da necessidade de ler e contar histórias para crianças e com crianças, principalmente nas salas de aula. Fala de gosto, como um livro de culinária, só que não dá receita de nada. Apenas compartilha alguns dos caminhos que têm sido trilhados, hoje e antigamente, no Brasil e no mundo. Quase sempre esses caminhos envolvem juntar memória e imaginação na farinha, amassar com a mão a massa dos casos, às vezes pingar uma gota de laranja pra lhes despertar o sabor, e cozinhá-los no fogo lento até que o cheiro doce se espalhe pela sala. Quando, então, será hora de passar as histórias no caramelo da voz, partir-lhes a crosta e saboreá-las aos pedaços, junto com as crianças. - Papirus Editora
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jul. de 2015
ISBN9788544901120
Uma clareira no bosque: Contar histórias na escola

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    Uma clareira no bosque - Gilka Girardello

    CRÉDITOS

    1

    UMA CLAREIRA NO BOSQUE

    [1]

    Os momentos em que se contam histórias nas salas de aula são como clareiras num bosque, lugares de encontro e de luz. Em meio ao zum-zum das crianças, forma-se um círculo, no fundo da sala, em cima de um tapete ou de almofadas de algodão que passaram a manhã tomando sol no beiral da janela. Com olhos arregalados e risadinhas, as crianças se aconchegam e escutam a voz da moça de jeans ou vestido florido – a professora. Entram na história que ela conta, quase fecham os olhos, feito estátuas. Mas, ao contrário do que parece, elas não estão nem um pouquinho paradas: cavalgam um corcel veloz, ocupadíssimas com aventuras muito longe dali.

    A ideia de que a imaginação é uma espécie de clareira luminosa é do filósofo francês Paul Ricoeur. Para ele, é a imaginação que cria esse espaço de mediação, onde podemos comparar os nossos desejos e demandas éticas com os do outro. Só por isso, já faria muito sentido abrir e manter aberto o espaço para as histórias nas escolas, pois o estímulo narrativo é um dos mais poderosos hormônios da imaginação. Mas é claro que há muito mais, como veremos.

    A imaginação se alimenta de imagens novas e, por isso, talvez seja tão acesa nas crianças, para quem tantas imagens são novas. Assim, a escuta literária das crianças deve ser pelo menos tão intensa quanto a nossa leitura literária de adultos, e talvez seja muito mais. Essa escuta é o broto do amor pela literatura, que tanta felicidade e sentido poderá trazer à vida delas, nos seus anos de infância e futuro afora.

    Vamos fazer de conta que a vida de cada uma daquelas crianças na sala de aula é um bosque úmido de folhas e galhos, cheio de aventura, perigo, romance, heroísmo, medo, rotina e todos os outros matizes da condição humana. Quando as crianças brincam umas com as outras, um bosque entremeia-se com o outro, formando um só: a experiência cultural da infância. Na sala de aula, essa cultura é fértil, brota o tempo todo, no cochicho da menina com a amiga da fileira de trás, no menino que mostra ao colega o desenho que fez.

    Contar e ouvir histórias agem como uma pequena clareira nesse bosque, um espaço onde se vê a luz das estrelas, onde as crianças podem exercitar de forma especial seus poderes de enxergar longe, além do que a vista alcança. Longe em anos-luz e longe no tempo, desde o passado mítico ao futuro intergaláctico. E podem exercitar ao mesmo tempo a possibilidade de se sentirem radicalmente perto de si mesmas, enquanto o coração bate forte e os pelinhos do braço arrepiam de emoção.

    2

    HISTÓRIAS DE LIVROS E DE CABEÇA

    Quem já contou história para criança pequena talvez tenha ouvido o pedido: Hoje, quero uma de livro ou Conta uma de cabeça. Desde cedo, as crianças percebem que certas histórias funcionam melhor no improviso, quando o adulto mergulha tão fundo quanto elas na fantasia. E que outras, ao contrário, dependem da cadência hipnótica da leitura, do ritmo preciso das palavras do autor, nessa experiência forte que é o primeiro encontro com o prazer do texto.

    No renascimento do interesse pela narração oral, que acontece há algumas décadas no mundo inteiro e também no Brasil, é bonito ver como a palavra falada reanima também a palavra escrita. Nas rodas e oficinas de histórias, as pessoas aparecem com velhos livros amarelados debaixo do braço, dando uma última repassada nos detalhes da história que prepararam para contar de cabeça. Sebos e bibliotecas são vasculhados em busca de contos. As velhas coleções de infância – O mundo da criança, de capa vermelha, Tesouro da juventude e seu Livro dos contos, os Monteiro Lobato de capa grossa, as mil-histórias-sem-fim de Malba Tahan, as coletâneas de Sílvio Romero e Câmara Cascudo – voltam hoje à vida depois de muitos anos pegando poeira nas estantes. São folheados pelas mãos das professoras, das avós, dos jovens artistas, todos à procura de boas histórias para recontar do seu jeito às crianças. Os textos em português antigo, talvez pesado e difícil para as crianças da geração da tela, reencontram sua graça e leveza na adaptação que os contadores fazem para a linguagem oral. Isso sem falar das fornadas de recontos literários de histórias tradicionais que têm chegado às estantes das livrarias, abrindo ainda mais o nosso leque de escolhas: há histórias que "vêm trajadas de ouro e prata, ou num vestido de chita, ou de calças jeans, bermuda, camiseta".[2]

    Muitos narradores dizem que, para contar uma história, a gente não a decora palavra por palavra, mas cena por cena. O texto oral surge na hora, de acordo com o momento, com o ânimo e a idade das crianças que o escutam. É claro que isso não vale para todos os contos, como vamos ver mais adiante, e que sempre algumas frases preciosas serão mantidas literalmente, e é importante que os elementos essenciais do enredo sejam preservados. O profundo mergulho imaginário do contador no universo daquela ficção é que tornará a história também um pouco sua e, assim, pronta para ser compartilhada.

    Muitas histórias viajam dos livros para a voz do narrador e vice-versa. Uma vez, uma jovem negra, professora de uma creche municipal no Campeche, em Florianópolis, disse-me, durante uma oficina, que tinha uma história para contar. Infelizmente, faltou tempo. Depois que a maioria do pessoal já tinha ido embora, pedi que Ana Maria – era esse seu nome – contasse a história assim mesmo, para mim e para duas moças que ainda estavam na sala. Ela explicou, antes de começar: Foi a minha avó que me contou, e é de Joãozinho e Maria. Mas os meus filhos me disseram que, do jeito que eu conto, é mais bonito do que a história que eles ouviram da professora. E é o jeito como a minha avó contava.

    A noite no centro da cidade iluminou-se para mim com aquela versão do velho conto, em que a casinha de chocolate da bruxa não se escondia em uma floresta de carvalhos europeus, mas, sim, de brasileiras palmeiras. Fiquei comovida ao pensar naquela avó, talvez filha de escravos na antiga Desterro, entregando-se plenamente à fantasia para o deleite da neta, e ao pensar em como sua arte manteve-se viva na imaginação e na voz de Ana Maria, que várias vezes pontuava a história dizendo era bem assim que a minha avó contava!.[3] Com certeza, a avó de Ana Maria nem suspeitava de que a história dos irmãos órfãos expulsos de casa também tivesse sido contada aos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, nos primeiros anos do século XIX, por uma moça alemã do povo – que a teria ouvido, por sua vez, de sua própria avó. Os irmãos Grimm a publicaram em um livro de contos folclóricos que fez sucesso imediato na Europa, e a história voltou, por outra via, ao imaginário popular. É sem fim o zigue-zague das histórias, da voz para os livros e de volta à voz, através do campo aberto da memória, da experiência e da imaginação.

    3

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