O Olhar da Época: Imagem, comunicação e poder na Propaganda Fide Inquisitorial
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O Olhar da Época - Geraldo Pieroni
final
Prefácio
A obra de Geraldo Pieroni, Wilma de Lara Bueno, Vera Irene Jurkevics e Alexandre Ribeiro Martins, O Olhar da Época: Imagem, comunicação e poder na Propaganda Fide inquisitorial, já no primeiro parágrafo, traz um conjunto de perguntas com a intenção explícita de instigar o leitor a refletir sobre a importância do estudo das imagens, a fim de se entender o significado das ações de uma instituição no esforço de eliminar as discordâncias internas e externas e, por meio de um projeto de coerção, manter o poder.
Os autores, ao discutir a função das imagens como meio de comunicação e propaganda, além de destacar a sensibilidade e a originalidade do tema, convidam-nos, sem descartar as subjetividades e os intimismos, a irmos além do que eles próprios interpretaram. Suas reflexões apontam à possibilidade de novas descobertas quando, amparados por processos metodológicos e científicos, olharmos para elas e nelas lermos o que ainda não foi explicitado pela linguagem verbal. Eles nos induzem a produzir outras informações para além do já dito e, a partir de cada experiência e de cada vivência social, retirar das sombras e do silêncio aquilo que ainda não foi percebido na obra do artista.
O Olhar da Época indica que as possibilidades interpretativas de uma determinada imagem não se esgotam apenas num olhar. Ela mantém segredos que se revelam na percepção de cada leitor. Desta forma, o conjunto das ilustrações que integram o texto mostra como cada pintor buscou dialogar com a sua época e com os seus enunciatários para transmitir-lhes a mensagem que expressa a força repressiva da Inquisição sem, contudo, impor-lhes formas verbais para a compreensão dessa realidade. Deixa-os livres para supor e pressupor, pois o significado da obra e a mensagem nela contida não dependem apenas da vontade do enunciador, mas dos efeitos de sentido que ela gera no enunciatário. Assim, no encontro do enunciador e com o enunciatário, no recôndito dos seus mistérios e na profundeza do imaginário, elaboram-se e reelaboram-se leituras e sentidos que podem dizer mais do que as palavras escritas. Nesse encontro revelam-se conteúdos e explicitam-se relações entre instituições e indivíduos envoltos no cotidiano e no contexto próprio e específico de cada sociedade.
Nesta obra, os autores demonstram que, apesar de toda a complexidade, é possível tratar desta temática sem hermetismo. Pressupõem, todavia, leitores minimamente informados sobre o tema da Inquisição e do uso das imagens como forma de comunicação e propaganda. No entanto, como bons propedeutas, antecipam ao leitor que a trindade — imagem, comunicação e poder — indica a forma como uma instituição se comunica e se impõe, tanto pelo temor, quanto pelo escamoteamento dos padrões de bondade, justiça ou piedade, sejam eles humanos ou divinos.
Prof. Dr. Euclides Marchi
Universidade Federal do Paraná — UFPR
Introdução
Quais ferramentas teóricas são fundamentais para captar nas imagens da Inquisição os significados da propaganda produzida por uma instituição coercitiva? Quais os mecanismos de análises a serem utilizados para evitar o anacronismo na utilização do conceito propaganda? Quais transformações ocorreram na trajetória conceitual do vocábulo propaganda
na sua práxis histórica? Quais as rupturas e continuidades que este conceito implica? Como os estudos iconológicos podem contribuir para apreensão histórico-midiática de uma determinada época?
Não é apenas nos tempos atuais que os governantes das várias instituições se utilizam de uma eficaz imagem pública para promover as suas ideias. Alguns estudiosos expressam dúvidas a respeito da pertinência do uso de conceitos modernos, tais como propaganda
para se referir a um tempo anterior à Revolução Francesa (1789). No entanto, se debruçar sobre a eficácia da propaganda em um período anterior ao advento e do sucesso da mídia moderna só é possível por meio da utilização de mecanismos da análise histórica e de seus referenciais teóricos.
Comunicação, linguagem, imagens e propaganda são filhas de seu tempo. Nesta perspectiva, Peter Burke sugere a valorização de uma história cultural da imagem
ou, ainda, a uma de antropologia histórica da imagem
¹. O essencial é a reconstrução de imagens inseridas numa determinada cultura e, neste enfoque, o termo aplicado pelo historiador de arte Michael Baxandall é muito elucidativo: olho da época
.² Os criadores das imagens, de outros tempos, tinham suas próprias intenções e mensagens. Cabe-nos, hoje, tentar interpretá-las com o auxílio da iconologia.
Da mesma forma, o termo propaganda
possui uma gênese e uma trajetória. Sua procedência deriva do gerúndio do verbo latino propagare, correspondente ao português propagar, significando o ato de difundir alguma coisa. O vocábulo faz alusão ao alastramento da vinha no plantio.³ Em literatura, a propaganda pressupõe a divulgação de uma determinada ideia ou crença política, mística ou ideológica. Esta proclamação pública poderá ser intencional ou não, podendo revestir-se de glorificação ou oposição a um sistema vigente.
O uso desta palavra, neste trabalho, é consequência de uma pronunciação de cunho religioso denominada Congregatio de Propaganda Fide, que tinha como tarefa primordial a difusão da fé católica pelo mundo todo, além da competência de estabelecer as diretrizes e coordenar todas as forças missionárias⁴ destinadas a conter o avanço do protestantismo, ao mesmo tempo em que reafirmava seus dogmas.
Em 1622, o papa Gregório XV, por meio da bula Incrustabile Divine
, fundou a organização denominada Congregatio de Propaganda Fide (Congregação