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Os Desafios da Autonomia Universitária: História Recente da USP
Os Desafios da Autonomia Universitária: História Recente da USP
Os Desafios da Autonomia Universitária: História Recente da USP
E-book456 páginas6 horas

Os Desafios da Autonomia Universitária: História Recente da USP

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Sobre este e-book

Como a universidade pública paulista implementou a autonomia reconhecida pelo Estado em 1989? Apesar das manifestações de intelectuais, da imprensa e de ações pontuais de dirigentes, a burocracia e as pautas corporativas e populistas insistiram em ancorar a instituição aos padrões estatais, em desacordo com as congêneres internacionais e as possibilidades da autonomia. Recentemente, o crescimento das despesas exigiu que a Universidade criasse uma agenda de reformas para garantir sua autonomia. Embora a Universidade tenha considerado quase sempre o aspecto financeiro do decreto de 1989, ele pode ser, ainda, uma referência para que a instituição modifique sua gestão. São tratados temas como a gratuidade, o processo de nomeação de dirigentes, a flexibilidade dos contratos de trabalho, a avaliação, a representação externa e a prestação de contas, que definirão o modelo organizacional adequado para enfrentar os desafios à universidade no século XXI.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de jul. de 2018
ISBN9788546211432
Os Desafios da Autonomia Universitária: História Recente da USP

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    Os Desafios da Autonomia Universitária - Tarso Muz

    final

    A Saga da autonomia

    Carlos Vogt

    A Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, dedica o seu artigo 207 ao estabelecimento da autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial das universidades, além de afirmar a necessidade de sua obediência ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

    Com dois parágrafos, mais um dedicado à admissão de técnicos e cientistas estrangeiros e, outro, especificando também a aplicação do referido artigo às instituições de pesquisa científica e tecnológica, estava dado o cenário da mudança pretendida e tão desejada pela comunidade acadêmica nacional, em particular a ampla comunidade formada pelo sistema nacional de ensino superior, público e gratuito.

    Novos tempos se anunciavam e se o texto da Constituição, aprovado pelo Congresso, ainda tinha falhas, era, contudo, um avanço em relação às Cartas anteriores e seguia, em suas diretrizes gerais, o princípio de sua necessária adequação aos novos tempos e ao sentido de liberdade que o País vivenciava, depois de duros e opressivos anos de sucessivos governos militares.

    Mas o que se conquistou na letra da lei não se praticou, contudo, na gestão do sistema público de ensino superior do País, com uma exceção: o estado de São Paulo.

    O que já era excepcional para a Fapesp – que teve, primeiro, 0,5% da receita do estado reservado ao fomento da pesquisa científica, depois, 1% para o apoio também à pesquisa tecnológica –, estendeu-se, na forma de decreto, em fevereiro de 1989, às três universidades estaduais, em uma ousada medida de política pública inovadora e garantidora, na prática, do princípio constitucional da autonomia universitária.

    Lembro-me sempre do que me disse Roberto Santos, então deputado federal e presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, quando, então, Reitor da Unicamp, fui visitá-lo, em audiência, no início dos anos 1990. Disse-me ele que o que fazia diferença em São Paulo era, além dos institutos de pesquisa, ter a Fapesp e as universidades estaduais gozando de plena e efetiva autonomia administrativa, didático-científica e, sobretudo, de gestão financeira.

    De fato, para quem viveu os dois modelos de gestão da Universidade, como é o meu caso, a diferença é tão grande que a qualidade da governança que eles possibilitam muda como da água para o vinho.

    Fui coordenador geral e Vice-Reitor da Unicamp de 1986 a 1990, quando, a partir de abril desse último ano, assumi a Reitoria, sucedendo o professor Paulo Renato, em um mandato que se estenderia até abril de 1994.

    Portanto, de 1986 até fevereiro de 1989, ano do decreto do Governador Orestes Quércia, estabelecendo a autonomia de gestão financeira das universidades estaduais paulistas, compartilhei com o Reitor Paulo Renato a vivência da instituição dentro de um modelo de total dependência orçamentário-financeira e mesmo administrativa dos órgãos governamentais.

    Eram tempos bicudos, ainda que o Governador Franco Montoro tivesse uma história pessoal e política que sempre o aproximara das universidades e do ensino, em geral.

    A imagem que melhor definia as ações dos reitores, naqueles idos, era a da peregrinação sistemática pelos gabinetes e pelas secretarias de governo com o chapéu na mão. Algumas vezes, com sucesso, outras, nem tanto e, outras tantas, com total fracasso.

    À exceção da carreira acadêmica, que também necessitava de ajustes, mas que tinha sua dinâmica própria, as carreiras técnico-administrativas eram um caos, com uma quantidade de desvios de função que, pelo peso, ameaçavam colocar a nau a pique, naufragando a razão, a finalidade e a função da universidade, qual seja, formar competência profissional, com responsabilidade ética e social, nos diversos campos do conhecimento a que se dedica o seu ensino, a sua pesquisa e sua extensão.

    A autonomia de gestão financeira é condição necessária, embora não suficiente, para o pleno desempenho das atividades-fim da universidade.

    É ela que permite, como permitiu, às nossas instituições, um planejamento de curto, de médio e, mesmo, de longo prazo que, de outro modo, seria totalmente impossível realizar.

    Com o planejamento, foi também possível programar e realizar uma ampla reforma nas carreiras técnico-administrativas e estabelecer novas carreiras para atividades específicas que antes se diluíam no tratamento comum da carreira geral do funcionalismo do estado.

    Foi possível, com a autonomia e com o ambiente administrativo por ela criado, reestruturar a carreira acadêmica nas universidades, valorizando o doutorado no processo de formação dos professores e pesquisadores e, no caso da Unicamp, a criação e implantação do Projeto Qualidade que, em poucos anos, mudaria o perfil acadêmico da instituição.

    Mas a autonomia não seria garantia de êxito se não fôssemos capazes de responder à confiança da sociedade e dos governos com a contrapartida da responsabilidade administrativa dos reitores, dos órgãos diretivos e do Conselho de Reitores das Universidades do Estado de São Paulo, o Cruesp, responsável pelo zelo do bom desempenho das universidades estaduais paulistas na gestão da autonomia, que o decreto de fevereiro de 1989 consagrava.

    Foi mais ou menos isso que escrevi, em março de 1994, no Relatório do Quadriênio, apresentado às vésperas do encerramento do mandato de reitor, e é nisso que continuo a acreditar como postura necessária à defesa desse bem maior da história democrática da gestão da universidade: a autonomia.

    Como a democracia, que embasou, permitiu e motivou o gesto do governante que, pelo decreto, a promulgou em fevereiro de 1989, a autonomia é um processo cuja qualidade dos obstáculos e dos problemas que enfrenta dá medida também da qualidade do estágio de seu desenvolvimento.

    Vivemos, hoje, uma fase de grande complexidade desse processo, agravada pelas conjunturas do cenário de crises políticas, econômicas e éticas no País.

    Mas, assim como não se pode imputar à democracia o desmedido de seus agentes e atores sazonais, tampouco cabe na autonomia das universidades o cochilo e o despreparo de seus dirigentes circunstanciais.

    Os governos passam, mas o Estado permanece. Assim como nas universidades, a autonomia é mais forte do que os desaforos que se fazem contra ela.

    O livro Os Desafios da Autonomia: história recente da USP, de José Roberto Drugowich de Felício e Paulo de Tarso Artencio Muzy, que agora se publica, tem a oportunidade de acontecer na hora certa, contribuindo, sobretudo, no que diz respeito à Universidade de São Paulo (USP), com dados, elementos, comentários e análises que ajudam a reorganizar e a compreender melhor este aspecto definidor da vida institucional das nossas três universidades estaduais, que passa, a partir do decreto de 1989, a integrar a estrutura de seu funcionamento e a lógica de suas práticas e conceitos.

    A autonomia de gestão financeira é um divisor de águas na história das instituições paulistas de ensino superior públicas e gratuitas e a brevidade do decreto que o estabeleceu é proporcional, em qualidade, à grandeza dos benefícios que a medida acarretou e continuará, sem dúvida, acarretando para a produção, a difusão e a divulgação do conhecimento no estado de São Paulo e no Brasil.

    Capítulo 1

    As questões da autonomia

    No inverno de 1993 uma artista plástica e uma professora universitária, ambas com fortes laços de responsabilidade, trabalho e amizades no ambiente acadêmico, faziam compras no comércio de Campos de Jordão quando foram indagadas pelo lojista sobre a necessidade de emissão de nota fiscal dos produtos adquiridos. A artista adiantou-se e respondeu: evidentemente, pois, agora com a autonomia universitária uma parte do imposto que pagamos é destinada diretamente às universidades estaduais.

    Esse evento ilustra um fato desconhecido por muitos de nós: a cada R$100,00 que gastamos no comércio, aproximadamente R$1,30 são destinados, por decreto, ao financiamento das três Universidades públicas paulistas, que os gerem com autonomia desde 1989. Esse pressuposto, o da autonomia universitária para gerir a pesquisa, o ensino e principalmente os seus recursos segundo suas prioridades e decisões, sugere que o contribuinte se interesse sobre como e com qual resultado o seu dinheiro é gasto pelas instituições. Sobre o resultado parece não haver dúvida, bastando reconhecer o impacto positivo na formação dos jovens, no desenvolvimento econômico e na produção científica. Entretanto a gestão, ou como esse gasto é realizado, merece uma investigação, pois, a partir do início deste século o percentual de 9,57% do imposto sobre a comercialização de mercadorias e serviços não pareceu suficiente e a Universidade iniciou um período deficitário, chegando a gastar 25% além do que recebia do tesouro. E a pergunta que alguns acadêmicos já haviam feito, sobre o que a Universidade fizera de sua autonomia, apresentou-se com a evidência da realidade.

    Este livro trata da implementação, dos limites e da capacidade desse sistema único de financiamento, que vincula o contribuinte a essas instituições tão peculiares: responsáveis pela produção e comunicação do conhecimento; provedoras de educação para as pessoas; organizadas pelo mérito acadêmico; e necessariamente inseridas no ambiente internacional. Nossa motivação é identificar as oportunidades, aproveitadas ou perdidas pela Universidade para consolidar a sua autonomia, que apresenta no momento atual de adversidade financeira, possibilidades inovadoras para a relação da Universidade com o Estado, a sociedade e os setores econômicos do país.

    O financiamento do ensino superior público paulista foi, em fevereiro de 1989, objeto de um decreto assinado pelo Governador Orestes Quércia (1987-1991), que pretendia modificar a organização interna e a relação de dependência e subordinação das três universidades públicas paulistas com o Governo do Estado de São Paulo. José Goldemberg, Paulo Renato de Souza e Paulo Milton Barbosa Landim eram os Reitores, respectivamente, da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Em seus três artigos e não mais do que em uma página, foi criada uma política pública paulista de educação superior, pesquisa acadêmica e extensão universitária que seria conhecida pela denominação autonomia universitária das universidades estaduais paulistas. De modo criativo, ousado e, até onde sabemos, inusitado, o decreto, antes de qualquer norma, garantia explicitamente um determinado porcentual de impostos e entregava sua implementação, com autonomia, para as instituições financiadas.

    Enquanto ainda se escrevia a Constituição Estadual, o decreto paulista conferia às universidades um atributo que emanava do artigo 207 da Constituição Federal, recém-promulgada em outubro de 1988 e fixava um porcentual da arrecadação do imposto estadual sobre circulação de mercadorias e serviços – ICMS. A distribuição entre elas deveria ser decidida pelo Conselho de Reitores (Cruesp). Usando de modo generoso o conceito de autonomia, indicava ainda que caberia aos órgãos públicos competentes, respeitada a autonomia, tomar providências para a adequação dos processos e trâmites administrativos futuros.

    Entendido etimologicamente, o termo autonomia designa a garantia ou a capacidade de a instituição autônoma criar suas próprias normas. Como decorrência do principio constitucional, tratava-se das regras da organização didático-científica, administrativa e de gestão financeira, de recursos humanos e patrimonial. Assim como na criação da Universidade de São Paulo em 1934, o decreto dava um passo ousado e atendia, com criatividade, a anseios difusos que eram constantemente lembrados sob o nome de autonomia, nos momentos de dificuldades institucionais das Universidades, ou nas manifestações de docentes, intelectuais e estudantes.

    Porém, por ser o decreto sintético ao referir-se à autonomia como um atributo reconhecido a partir do texto constitucional, sem necessidade de explicações e detalhamentos, pousava um grande silêncio sobre os modos práticos de sua implementação e repercussão na organização da Universidade. De certo modo, este silêncio estabelecia o valor da autonomia, agora com expectativa e possibilidades inovadoras, a critério da instituição e de seus dirigentes, a quem ela era atribuída.

    A autonomia, como princípio, pertencia ao mesmo movimento de descentralização do poder que resultou na elaboração das Constituições Estaduais e no reconhecimento dos municípios brasileiros como entes federados, capazes de promulgar suas leis orgânicas e planos diretores. Nesse sentido, quando o decreto paulista se reportava à Constituição Federal de 1988 sobre o conceito de autonomia, regulamentava em São Paulo aquele princípio e conferia às Universidades o posto de órgão de estado responsável pelo saber e conhecimento, reconhecido como poder de fato, estratégico para o desenvolvimento da Nação e capaz de se auto-organizar, inclusive implementando a autonomia atribuída.

    É importante referir que, além da consideração dos municípios como entes componentes da federação e autônomos no que concerne às suas leis orgânicas, apenas o Ministério Público mereceu, no âmbito federal e naqueles tempos, atributos que soam similares: os da independência em relação aos outros poderes. Nem mesmo as Forças Armadas, como instituição de estado, cogitaram do conceito.

    Este livro tem como tema as consequências desse evento e do caminho trilhado pelas Universidades públicas estaduais paulistas, principalmente pela Universidade de São Paulo – USP –, entre 1989 e 2017, para consolidar os pressupostos do decreto, ou como seria justo afirmar, a implantação desta política pública de ensino superior fundada na autonomia.

    Como objetivo nos interessa menos a história, a cronologia, ou a análise das implicações jurídicas e, muito mais, as possibilidades que o conceito oferece para enfrentar os desafios contemporâneos da Universidade¹. Valemo-nos do termo universidade em um sentido largo. Na maior parte das vezes, o termo universidade designará a USP, que é a matéria de nossa reflexão e experiência. Outras vezes significará a instituição universitária genérica. Essa liberdade também se justifica porque a imprensa se refere à universidade usando frequentemente o exemplo da USP como paradigma, sem prejuízo ou demérito para a Unesp ou para a Unicamp. Quando nos referimos a outras instituições elas são designadas explicitamente.

    O fio condutor de nossa reflexão é o conceito, ou a ideia, de autonomia constitucionalmente garantido, mas realizado de forma singular em São Paulo em consequência do Decreto 29.598/89, publicado há quase 30 anos e em vigência até hoje com apenas duas modificações: a primeira, para elevar o porcentual que era inicialmente de 8,4 para 9,0%, a partir de 1992. A segunda, para aumentar o porcentual para 9,57% a partir de 1995. A decisão para as duas alterações ocorreram no governo de Luiz Antônio Fleury Filho (1991-1994). Sobre a experiência vivida pelas universidades estaduais paulistas ao longo dessas quase três décadas, muitas personalidades refletiram e as mencionadas neste livro são algumas daquelas com as quais dialogamos nesse período. Do ponto de vista dos fatos e reflexões, nosso foco é o caso da USP, que acompanhamos de perto, mas fazemos menção, sempre que pertinente, a outras instituições. E o fazemos naquilo que concerne ao conceito de autonomia sem pretensões de concluir por uma visão da universidade nos outros aspectos que lhe são próprios, por exemplo, ser uma universidade de pesquisa ou de ensino de massa.

    O que denominamos com certa liberalidade de implementação do decreto decorre de que ele dá início à expressão de um conjunto de signos e expectativas, por vezes contraditórios, dos diversos públicos que atuavam na Universidade e eram submetidos aos desígnios da experiência e dos fatos. Mas o decreto não menciona normas, limites, fronteiras, processos de gestão, ou outros pressupostos da autonomia enquanto capacidade de fazer suas próprias regras, como podemos entender a vontade dos seus artífices. Existe, portanto, um processo de implementação, adequação e ajustes à condição de autonomia, que desde 1989 oscila entre um conceito almejado e subentendido pela estrutura da instituição, mas que carrega um conteúdo de inovação.

    Esta concepção indica que nos aproximaremos dos fatos, por exemplo, da edição do decreto, considerando: a sua repercussão na imprensa; as manifestações de intelectuais que se envolveram com a discussão sobre o conceito de autonomia; alguns eventos internos nos quais ele foi relevante; mudanças estruturais e regimentais, como elementos práticos da realização da autonomia na organização da Universidade.

    Não é nosso objetivo comparar gestões, dirigentes, instituições, reitores e suas equipes, ou eventos da política paulista. Metodologicamente realizamos uma pesquisa, sem pretensão de ser exaustiva, entre publicações (Band News, Diário Popular, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, Jornal da USP, O Globo, Portal G1, Revista Época, Revista Pesquisa Fapesp, Revista Veja, Correio Popular, UOL Educação, Valor Econômico) restringindo-nos ao verbete específico da autonomia para identificar pessoas que se manifestaram com responsabilidade pública ou acadêmica sobre o tema.

    Entre elas entrevistamos os professores Arthur Roquete de Macedo da Unesp; Carlos Vogt, Frederico Mathias Mazzucchelli e Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo da Unicamp; Erney Plessmann de Camargo, Flavio Fava de Moraes, Franco Lajolo, Hugo Armelin, José Arthur Giannotti, José Goldemberg, Marco Antonio Zago, Roberto Leal Lobo e Silva Filho e Ricardo Terra da USP; Luiz Eduardo Wanderley da PUC-SP; e o ex-Governador de São Paulo e ex-deputado Alberto Goldman. Como não pretendíamos fazer um livro de entrevistas, mas agregar opiniões que nos permitissem refletir sobre as questões que a autonomia propõe, o conteúdo das conversas com esses intelectuais foi utilizado como, além de memória dos fatos, também como aprendizado, e referido ao longo de todo texto. Tomamos o cuidado de grafar em itálico as considerações de maior impacto que emanam desses diálogos. A todos agradecemos isentando-os, entretanto, de prováveis deficiências ou ousadias e, principalmente, das conclusões que fazemos a partir dos fragmentos colhidos. Essas conclusões são apenas o nosso entendimento e, portanto, de nossa responsabilidade.

    Especialmente o professor Ricardo Terra, que acompanhou e incentivou o projeto do livro desde sua primeira hora, contribuiu com seu tempo e esclarecimento para, disposto à leitura atenta, discutir o projeto conosco, examinar os conceitos utilizados e indicar ajustes providenciais. As professoras Eloisa Helena de Souza Cabral da Ufla – Universidade Federal de Lavras e Marta Teresa da Silva Arretche da USP também nos ofereceram sua experiência acadêmica realizando uma leitura crítica e nos impedindo de cometer alguns equívocos certamente motivados pela emoção de escrever sobre a instituição que nos formou. Particularmente, no exame e interpretação dos dados financeiros, tivemos o apoio do professor Edison Gonçalves da USP.

    Antonio Felix Duarte, dono de experiência de mais de 30 anos nas finanças universitárias paulistas e no Cruesp, ajudou-nos na interpretação dos dados financeiros, na elaboração das tabelas e com a memória de alguns fatos que narramos.

    Ao pessoal técnico e administrativo da USP agradecemos o apoio recebido de Alberto Teixeira Protti, Erika Yamamoto, Marisa Aparecida Gomes Lisboa e Renata Teixeira dos Reis, para acesso a documentos e dados. O trabalho e o conhecimento de José Ricardo Barbosa foram providenciais para localizar pessoas, publicações e documentos. Os esclarecimentos jurídicos de Stephanie Yukie Hayakawa da Costa também foram de grande valia. Temos um débito especial com a competência e a prontidão de Caroline Fragata que trabalhou conosco, em suas horas vagas, na coleta e organização de dados, revisão e elaboração das referências bibliográficas. Um de nós (Drugowich) agradece o apoio de Elgislene de Almeida Filgueiras acerca do sistema de universidades públicas federais.

    A motivação do livro decorre das observações que realizamos e situações que vivenciamos desde 1983 até os dias atuais nas funções públicas que desempenhamos na Universidade de São Paulo e no Governo do Estado. À época do decreto, um de nós (Drugowich) era prefeito do Campus da USP em São Carlos e nos anos seguintes ocupou a chefia de gabinete do Reitor e depois a Codage – Coordenadoria de Administração Geral da USP; o outro autor (Muzy) era chefe de gabinete da Secretaria de Estado da Agricultura e, na sequência, Presidente da Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam – e secretário de estado adjunto da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, à qual estavam e continuam vinculadas USP, Unesp e Unicamp.

    A sorte fez com que vivêssemos o período da elaboração do decreto e de sua aplicação imediata como interlocutores privilegiados dos principais atores do processo de autonomia. Embora nos conhecêssemos, não nos encontrávamos institucionalmente nos episódios que narramos, e atuamos neles participando nas nossas funções junto aos reitores, às lideranças acadêmicas, ao governador e ao secretariado. Era uma época na qual havia um sentimento de unidade em torno da viabilidade política e da urgência de alternativas para a Nação. Isso induzia à responsabilidade pela sustentação e integridade de instituições, da qual o processo da autonomia universitária paulista é um exemplo. Passados quase trinta anos, novamente a sorte nos reuniu na assessoria do Reitor da USP e identificamos na coerência e complementaridade de nossas experiências a identidade de compromissos com a Universidade, pois, como um de nós (Drugowich) sempre insistiu, participamos daquele experimento de modo singular. Daí, escrever este livro foi um exercício de memória e diálogo, muito específico e particular de nossas experiências com aqueles interlocutores, para os quais a situação contemporânea da Universidade faz pragmático e urgente encontrar caminhos que a afastem do corporativismo. E a autonomia se revelou, até como roteiro, um instrumento atual e efetivo.

    Por nossa formação como físicos pensamos o livro como um experimento que tenta recolher evidências a partir de três eixos: a manifestação pública dos intelectuais sobre o tema; a variabilidade de entendimento que paira sobre o conceito; e a evolução das instituições depois que passaram a contar com a autonomia no sentido amplo. Para entender o que as universidades fizeram depois do decreto, lançamos mão de dados que podem ser encontrados nos anuários estatísticos publicados por elas, mas acrescentamos, sempre que possível, fatos que embasaram as decisões tomadas pelos gestores e Conselhos Universitários. Analisamos também as consequências das grandes decisões para a vida universitária, procurando estabelecer em que medida o exercício da autonomia levou a avanços e em que momentos ele funcionou como armadilha para os gestores.

    Entretanto, devemos reconhecer que as dificuldades recentes da Universidade com seus problemas de financiamento e gestão oferecem temas suscetíveis de análise sob a ótica exclusiva da autonomia. Isso significa nos atermos apenas a manifestações ou momentos que tratem do tema da autonomia. Em períodos nos quais a autonomia não é lembrada, não há objeto de exame, e verão os leitores que mesmo esse silêncio tem consequências, de acordo com nosso entendimento do conceito. Nesse desenho experimental, a implementação das previsões do decreto é um programa a ser perseguido, para saber se e como ele foi utilizado.

    É preciso insistir que não temos a pretensão de examinar estes pontos em uma relação histórica, explicativa, jurídica, sociológica ou de causas e seus efeitos. Não temos formação metodológica nessas áreas e muito menos a pretensão de completeza nesses campos.

    Seria cômodo afirmar que nos dirigimos ao leitor disposto ao debate, porém pretendemos mostrar que os intelectuais já realizaram esse debate ao longo de três décadas e, talvez, a instituição é que não tenha se atentado a implementar as coisas. Assim, é mais franco reconhecer que escrevemos para o leitor aberto às incertezas como nós, os físicos, e à comparação de alternativas e possibilidades, sem o requisito de concepções acabadas e explicativas, porém, com a expectativa pragmática de se responsabilizar por decisões que precisam ser tomadas com o suporte oferecido pela autonomia².

    O que nos move é contribuir para esclarecer o que a Universidade fez, ou a realização que conseguiu, exclusivamente com o atributo da autonomia. Se esse conceito é nossa perspectiva e insistimos nisso, as menções aos diversos aspectos e fatos da vida acadêmica só têm sentido quando relacionadas à autonomia e não autorizam qualquer interpretação acerca de modelos ou concepções da Universidade. No limite, não nos interessa o que a Universidade poderia ou deveria ser, mas apenas como a autonomia poderia contribuir para a instituição manter e promover o melhor da qualidade acadêmica no ensino, na pesquisa e na extensão, que ela já provou ser capaz de oferecer aos brasileiros.

    Nesse sentido, as observações que fazemos sobre falhas no processo de implementação da autonomia correspondem apenas ao interesse que temos de que a real qualidade e excepcionalidade da Universidade pública paulista seja incrementada com as possibilidades que esse atributo oferece. Para isso é que a Universidade precisa manter-se como ambiente necessário para a produção e comunicação do saber e não para satisfazer o delírio corporativo. Entendemos, entretanto, que esses temas paralelos devam merecer o interesse de pesquisadores que pretendam aprofundar-se nas diversas questões que uma instituição tão vasta propõe. Supomos, sim, que esses fatos estejam vinculados à implementação do processo de autonomia e que o exame desta vinculação e do conceito possam contribuir para esclarecer os desafios contemporâneos, como possibilidades que o decreto paulista ofereceu e que cabe à Universidade desenvolver.

    Ainda como físicos, damos relevância à incerteza na observação sempre parcial, mas complementar, e à imprecisão dos fatos, como reveladoras das possibilidades tentadas, realizadas ou, como entendemos na maior parte das oportunidades, perdidas pela Universidade. É por isso que valorizamos os episódios pouco lembrados, os esforços, até mesmo pessoais dos dirigentes, e as manifestações públicas às vezes esquecidas de articulistas e docentes, entretanto esclarecedores dos rumores, das decisões e dos processos que conduziram às formas de autonomia realizadas. Os fatos escolhidos como exemplo também são sintomas elementares, ou microscópicos, de movimentos mais abrangentes que julgamos relevante apontar. Porque embora expressa como preceito legal, a autonomia, no nosso entender, depende mais da capacidade local e detalhada dos dirigentes e intelectuais em avançar com originalidade na conformação de um ambiente de pessoas e de normas que viabilize o diálogo acadêmico de mérito no qual a autonomia se desenvolva, do que da consideração de regimentos, modelos ideologizados, projetos, comissões, ou códigos ideais que se perdem na burocracia. Talvez o pesquisador habilitado encontre aí uma evidência da carência de profissionalismo na gestão autônoma, entretanto na perspectiva dos eventos localizados o que se encontra é a fragilidade institucional que depende tanto do arranjo das pessoas.

    Ao observador atento cabe perguntar, por exemplo: como a Universidade e seus gestores executaram as previsões do decreto? Como se utilizou o conceito de autonomia para orientar a gestão? Se havia e há na sociedade concepções convergentes, complementares, mais ou menos abrangentes, ou contraditórias da autonomia, quais delas se mostraram efetivas na prática da gestão e no embate das ideias? como essas ideias sobre autonomia suportaram os processos de gestão próprios da Universidade, a deliberação coletiva em conselhos, a subordinação ao mérito acadêmico, a cooperação na pesquisa, a internacionalização da produção de conhecimento? Como a autonomia, entendida a partir da destinação exclusiva de um porcentual da arrecadação de impostos pode garantir a expansão das atividades, a inclusão social, a prestação de contas, a realização de serviços de extensão, e outros associados ou nem tanto à missão universitária? Quais as reformulações necessárias nos processos internos da Universidade decorrentes da legislação de responsabilidade fiscal e da reforma do estado? Como a missão institucional pode ser garantida com autonomia frente a demandas sociais e políticas? Como a autonomia convive com a hierarquia acadêmica, com a hierarquia burocrática e com as responsabilidades individuais nos processos decisórios, decorrentes, por exemplo, da natureza dos cargos públicos dos dirigentes universitários como ordenadores de despesas? Foram os processos eleitorais internos capazes e suficientes para garantir a escolha pública na Universidade autônoma? Seria a imprecisão normativa do decreto, ou o seu silêncio, uma constatação a priori da autonomia reconhecida, ou ensejava um modo prático de afastamento implícito das questões internas das universidades, como de um campo social desconhecido? Quais os pressupostos e responsabilidades dos agentes públicos nos processos autônomos, inclusive na promulgação do decreto, baseando-se no texto da Constituição Federal? Como ocorre o crescimento, a expansão da Universidade? O cumprimento da missão institucional solicita a expansão e diversificação dos meios materiais e humanos existentes ou, por outro lado, da produção de conhecimento, da inovação e da internacionalização?

    A nosso crédito é preciso dizer que não temos receio de valorizar excessivamente a autonomia. Nós a tomamos como um valor de identidade, reconhecido na opinião pública, na burocracia e na organização, para escolher uma perspectiva de análise de uma instituição peculiar, pois a associação que o decreto fez entre um valor financeiro – o porcentual – e esse valor institucional – a autonomia –, além de ser original, orientou definitivamente a instituição. Inclusive, o senso comum costuma referir que a universidade é autônoma, no que todos concordam e acreditam saber o que significa. Curiosamente, quando se pergunta nos corredores o que é autonomia, a resposta invariável afirma: a universidade recebe um dinheiro fixo do governo. Se na sequência se quer saber o que significa isso, a explicação é: ela é independente. Essa oscilação entre a expressão financeira e a soberania denota o alheamento sobre os mecanismos de implementação da autonomia. É a incógnita que nos interessa.

    Ela nos permitiu afastarmo-nos de uma visão ideal, ou preconcebida da Universidade, o que resultaria em debates infindáveis e assumirmos uma abordagem que pretendemos pragmática, porque se refere à dinâmica da implementação das possibilidades do novo conceito. Partiremos do esforço e das realizações da geração de acadêmicos, ou de intelectuais, como pretendemos apontar adiante, que participaram daquele momento no final dos anos 1980, procurando estabelecer as características de seu projeto para implantar e gerir uma Universidade com autonomia manifesta na lei. É preciso relembrar que não pretendemos resumir aspectos históricos destas gestões, nem, e muito menos comparativamente, das reitorias que se seguiram àquele ano, mas recuperar algumas das diversas acepções do conceito de autonomia, para apontar possibilidades e alternativas práticas de sua realização na gestão universitária presente e futura.

    Podemos resumir nosso esforço ao intento de responder à questão: Como a autonomia foi realizada? Respondê-la supõe que se assuma o risco de indicar, com coerência, originalidade, inovação e algum senso provocativo, as responsabilidades que decorrem da autonomia e, para cada uma das questões anteriores, identificar quais providências, mudanças ou modos de ação podem garantir e intensificar a expressão autônoma da Universidade. O que nos parece evidente é que se a autonomia tem um significado inovador, relevante e desejável para a Universidade, temos que considerar alternativas diferentes das usuais, as quais podem não ser suficientes para enfrentar os fatos contemporâneos. Parece-nos importante provocar respostas a essa questão para que a qualidade da Universidade e, principalmente, da instituição a que nos referiremos mais amiúde, a USP, seja reconhecida e melhorada.

    É nosso pressuposto que a singularidade da política de autonomia paulista representada na garantia financeira e de gestão reconhecidas no decreto possam contribuir para sustentar a qualidade, a inserção social e produtiva, a internacionalização e a excelência incontestes e reconhecidas da Universidade paulista e, principalmente, da USP que será mais amiúde examinada. Nesse sentido, as conclusões e críticas que apontaremos sobre o processo de implementação da autonomia se referem exclusivamente às oportunidades e possibilidades que o uso da autonomia comunicaria à Universidade.

    Refletiremos, ao longo deste livro, acerca dos valores que o conceito de autonomia implica, de maneira que a implantação de medidas possibilitadas ou requisitadas pela autonomia requer a consideração objetiva dos valores que norteiam os indivíduos responsáveis em suas escolhas e decisões na gestão da Universidade. Simbolicamente, este é o significado do silêncio de fato do decreto paulista e de suas decorrências nos valores universitários. É esta referência aos valores que permite examinar as possibilidades, indicando que a Universidade requer um modo especial de gestão baseada em valores inerentes à instituição, como o mérito, a cooperação, o colegiado, a transparência, o interesse público, a qualidade e que suportam a autonomia enquanto conceito. A realização e consolidação destes valores é a história do esforço acadêmico de implantar uma gestão autônoma na Universidade.

    Neste sentido, a pergunta original pode sugerir a hipótese

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