Igreja na cidade: Desafios e alcances de uma evangelização pela televisão
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Igreja na cidade - Evaldo César de Souza
9,16)
Lista de abreviaturas e siglas
AG Encíclica Ad Gentes
CDC Código de Direito Canônico
CEBs Comunidades Eclesiais de Base
CELAM Conferência Episcopal Latino-Americana
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
DD Carta Apostólica Dies Domini
DGAE Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora do Brasil
EN Encíclica Evangelii Nuntiandi
IM Documento Conciliar Inter Mirifica
REB Revista Eclesiástica Brasileira
RMi Carta Encíclica Redemptoris Missio
Apresentação
Não é fácil apresentar um livro, ainda mais quando se trata da primeira publicação de um jovem autor. Um jovem padre a quem a vida me permitiu conhecer como confrade e que, desde sua nascente experiência ministerial, tem se envolvido com o maravilhoso e desafiador mundo da comunicação social na Igreja Católica. A tarefa torna-se ainda mais pesada dada a complexidade do tema proposto para a reflexão nas próximas páginas – Igreja Católica, ambiente urbano e comunicação. Cada um desses conceitos caberia numa extensa obra, mas aqui, fruto de um trabalho de pós-graduação, o autor conseguiu sintetizar as grandes linhas históricas que permeiam o relacionamento da Igreja Católica com as cidades e, nelas, com os meios de comunicação.
Na aurora do terceiro milênio, esta obra – Igreja na cidade: desafios e alcances e de uma evangelização pela televisão – nos mostra que a Igreja está preocupada com a humanidade pós-moderna. Nessa nova etapa da história, quando o homem constrói um humanismo a seu modo, até mesmo não cristão, onde Deus se torna uma hipótese cada vez menos necessária, a Igreja assume o desafio de interagir com o mundo
, dialogando nos novos areópagos do ambiente midiático. Diz-nos, com propriedade, que a comunicação ocupa atualmente lugar privilegiado na pauta da Igreja – não por medo de perder fiéis ou por querer se impor como única mentora dos códigos morais contemporâneos – simplesmente para cumprir a sua missão precípua: evangelizar! Isto é, anunciar a boa-nova do Evangelho ao homem e à mulher de todos os tempos, em especial nas cidades onde as pessoas se encontram maiormente concentradas. Continuadora de Jesus Cristo – o perfeito comunicador do Pai! – a Igreja quer responder ao instigante apelo que lhe deu origem: Ai de mim se não evangelizar!
.
Acontece que as estruturas evangelizadoras da Igreja – especialmente as paróquias – carregam um traço medieval. São estruturas centralizadas e centralizadoras num mundo que exige velocidade, agilidade e ruptura com padrões territoriais. O mundo moderno, com suas facilidades tecnológicas, há muito tempo desconhece o significado de limite territorial. Como o autor reflete com clareza, o tempo e o espaço no mundo urbanizado são completamente diferentes do sentido que estes conceitos tinham quando do fortalecimento da hegemonia católica durante a Idade Média.
E é nesse mundo de contrastes, entre a rigidez estrutural da Igreja e a maleabilidade fluida da comunicação, que o autor analisa a presença da televisão de orientação católica como instrumento facilitador da evangelização das cidades. Aspectos positivos e desafios da compreensão e uso desse instrumental fazem parte da reflexão central da obra. O Papa Bento XVI, refletindo sobre a comunicação social na Igreja e o uso dos meios midiáticos e digitais, afirma que eles são o ponto de partida da comunicação para muitas pessoas, que procuram conselhos, sugestões, informações, respostas
(Mensagem para o 46o Dia Mundial das Comunicações Sociais/2012). Como ser Igreja evangelizadora sem estar necessariamente presente nos lugares onde as pessoas buscam respostas? Há como evangelizar sem buscar o destinatário? O autor ousa afirmar que as comunidades eclesiais e a Igreja, como um todo, correm sério risco de enclausurar-se em si mesmas caso fiquem esperando passivamente que as pessoas venham para as igrejas.
Assim, mais do que nos dar respostas o autor provoca reflexões. Mexe com estruturas arcaicas, propõe possíveis alternativas, mas, acima de tudo, nos tira de uma zona de conforto eclesial e nos obriga a pensar. Conciliando sua prática pastoral com suas pesquisas acadêmicas, o livro nos desassossega. Lideranças, leigas e religiosas, coordenadores de pastoral da comunicação, profissionais da mídia que tenham amor pela Igreja serão certamente beneficiados pela leitura do livro. Além de muitas informações históricas, seja sobre a gênese das paróquias, seja sobre a história da Igreja e a comunicação social, o autor também reflete sobre o conceito de evangelização e faz uma análise das principais emissoras católicas de TV no Brasil. Tudo isso numa linguagem agradável e de fácil leitura. Permita-se um exercício de reflexão sobre Igreja, pastoral e comunicação. Haverá concordâncias com o autor, mas frutos melhores virão pelas questões nas quais houver discordâncias. Na dialética da vida, todos sairão ganhando!
Dom Darci José Nicioli
Introdução
Ao que parece, nunca se falou tanto em comunicação como na aurora deste século XXI, quer seja pelas novidades tecnológicas que facilitam a vida das pessoas, quer seja pelo volume de informação disponível ao consumo humano. Fala-se de tudo a todo tempo, ainda que nem sempre a comunicação esteja de fato modificando a vida das pessoas para melhor. Há, mesmo, teóricos, como Ciro Marcondes Filho, que falam em incomunicação no mundo cercado por instrumentos de comunicação de massa.¹
O universo da experiência religiosa humana, com destaque aqui ao modo de compreensão do sagrado organizado pela instituição chamada Igreja Católica Apostólica Romana – a partir de agora nominada somente de Igreja Católica –, não fica alheio a esses apelos comunicacionais e cada vez mais traz para o centro de suas reflexões teológicas e pastorais o papel das mídias de massa como promotoras do processo de evangelização das sociedades.
O presente trabalho pretende lançar luzes justamente sobre a presença da Igreja Católica nos meios de comunicação de massa – especialmente na televisão – como espaço de evangelização das grandes cidades, tendo como referência a estrutura paroquial tradicional. O foco na vida urbana se justifica pelo fato de a cultura da humanidade e os movimentos comunicacionais nascerem hoje do ambiente chamado urbano. Temos de considerar que o que temos hoje é uma sociedade urbana
e não somente um aglomerado humano vivendo em ambientes urbanos.
A sociedade urbana, desafio para a Igreja (e para todas as instituições historicamente sedimentadas), é definida por Manuel Castells como um sistema de valores, normas e relações sociais possuindo uma especificidade histórica e uma lógica própria de organização e transformação
,² ou seja, trata-se de uma configuração maior do que somente espacial, a cidade é hoje o vetor da chamada cultura urbana
, cujo alcance extrapola espaços urbanos (conglomerados de cidades) e, pela influência dos meios de comunicação, alcança até mesmo os resquícios espaciais das sociedades tradicionais (rurais). Há ao nosso redor um jeito urbano
de compreender o homem e o mundo, ou seja, um esfacelamento dos referenciais tradicionais, base de toda a estrutura eclesial católica.
[...] universo urbano e cidades não são sinônimos [...] estamos falando de conceitos culturais. Neste sentido, os limites do mundo urbano não coincidem com os limites da cidade [...] o universo urbano se contrapõe ao universo rural enquanto duas visões de mundo distintas, mas ao mesmo tempo suas fronteiras não são nítidas e precisas, como ocorre, geograficamente, entre campo e cidade.³
Por isso mesmo teremos de descrever o que a Igreja define como evangelização – entendida primordialmente, mas não exclusivamente, como processo de expansão e fidelização dos valores fundamentais do Cristianismo no mundo urbano – e discutir a existência ou não de um projeto de expansão e segmentação eclesial nos meios de comunicação – mormente a televisão, unindo-os –, evangelização e comunicação televisiva – na perspectiva pragmática e essencial de levar aos lares dos grandes centros urbanos a mensagem do Evangelho na aurora do século XXI.
Evangelizar, segundo a encíclica Evangelii Nuntiandi (EN), é a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade
(n. 14). Em poucas palavras, evangelizar é proclamar que Jesus de Nazaré, um homem que morreu na cruz aos olhos de todos, fora dos muros de Jerusalém, ressuscitou!
.⁴ Obviamente, essa descrição sintética da evangelização retrata somente o alicerce e o conteúdo fundamental da fé, sendo que o processo e os meios utilizados para tal fim foram sendo adquiridos e adaptados ao longo dos séculos. Hoje, a Igreja não pode prescindir dos meios de comunicação para pregar a Boa-Nova do Cristo.
E, quando o assunto é a comunicação social, deve-se considerar que a Igreja passou por várias etapas distintas, indo da extrema desconfiança em relação aos novos meios, passando pela aproximação desconfiada e utilitarista das conquistas midiáticas e chegando hoje a um desejo de manter-se informada e presente em todos os modernos meios de comunicação, já vistos como imprescindíveis para a propagação da fé. Os três grandes momentos da Igreja com respeito à comunicação podem ser resumidos a: 1) pontificado de Pio XII, com a encíclica Miranda Prorsus; 2) aggionarmento do Concílio Vaticano II, com o Papa João XXIII e a encíclica Inter Mirifica; e 3) a chamada Nova Evangelização, com o Papa João Paulo II e sua encíclica Evangelii Nuntiandi.
O documento Inter Mirifica, do Concílio Vaticano II, que trata da comunicação social, assim declarou solenemente, ainda que sua aprovação tenha sido a mais difícil entre os documentos conciliares:
Entre as maravilhosas invenções da técnica que, principalmente nos nossos dias, o engenho humano extraiu, com a ajuda de Deus, das coisas criadas, a santa Igreja acolhe e fomenta aquelas que dizem respeito, antes de mais, ao espírito humano e abriram novos caminhos para comunicar facilmente notícias, ideias