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Dom Helder Camara Circulares Interconciliares Volume II - Tomo III
Dom Helder Camara Circulares Interconciliares Volume II - Tomo III
Dom Helder Camara Circulares Interconciliares Volume II - Tomo III
E-book572 páginas7 horas

Dom Helder Camara Circulares Interconciliares Volume II - Tomo III

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Sobre este e-book

O segundo volume compreende as Circulares Interconciliares, escritas por Dom Helder nos intervalos entre as quatro sessões do Concilio Vaticano II. Nelas, o religioso fala mais sobre o Recife, as cidades da RMR e seu trabalho pastoral. As cartas narram os primeiros contatos do novo arcebispo com a realidade eclesiástica e sociopolítica de sua arquidiocese, Trazem consigo um mundo bem mais próximo e familiar.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jun. de 2015
ISBN9788578581589
Dom Helder Camara Circulares Interconciliares Volume II - Tomo III

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    Dom Helder Camara Circulares Interconciliares Volume II - Tomo III - Dom Helder Camara

    Créditos

    Governo do Estado de Pernambuco

    Governador do Estado

    Eduardo Henrique Accioly Campos

    Vice-Governador

    João Lyra Neto

    Secretário da Casa Civil

    Luiz Ricardo Leite de Castro Leitão

    Companhia Editora de Pernambuco

    Presidente

    Leda Alves

    Diretor de Produção e Edição

    Ricardo Melo

    Diretor Administrativo e Financeiro

    Bráulio Mendonça Meneses

    Conselho Editorial

    Presidente

    Mário Hélio Gomes de Lima

    Christiane Cordeiro Cruz

    José Luiz Mota Menezes

    Luís Augusto da Veiga Pessoa Reis

    Luzilá Gonçalves Ferreira

    Superintendente de Produção Editorial

    Marco Polo Guimarães

    Instituto Dom Helder Camara - IDHeC

    Conselho Curador

    Presidente

    Mª Lucia Monteiro da Costa

    Vice-Presidente

    Mª Lectícia Monteiro Cavalcanti

    Secretária

    Mª José Borges Lins e Silva

    Antonio Carlos Aguiar

    Antonio Carlos Montenegro

    Assuero Gomes

    Cecilia Rodrigues Maia

    Dilma Teresinha Coelho de Oliveira

    João Bosco Gomes

    Pe. João Pubben

    Mª José Duperron Cavalcanti

    Mª Teresa Duere

    Romero Pereira

    Ricardo Aléssio

    Zildo Sena Caldas

    Diretoria Executiva

    Presidente

    Bruno Ribeiro de Paiva

    Tesoureira

    Celia Maria Trindade

    Secretária

    Cristina Ribeiro de Paiva

    Diretora Cultural

    Elizabeth Barbosa

    End.: Rua Henrique Dias - Igreja das Fronteiras - Boa Vista - 50070-140

    Tel. (0**81) 3231-5341 / CEDOHC - (0**81) 3421-1076

    E-mail: [email protected]

    Desenvolvedor da versão digital

    Bernardo S. B. do Nascimento

    Copyright

    Copyright © 2009 by Companhia Editora de Pernambuco

    Direitos reservados à

    Companhia Editora de Pernambuco – CEPE

    Rua Coelho Leite, 530 – Santo Amaro

    CEP 50100-140 – Recife – PE

    Fone: 81 3183.2700

    ISBN: 978-85-7858-023-0

    Printed in Brazil 2009

    Foi feito o depósito legal

    Nota da CEPE Editora

    Por solicitação do organizador foram mantidas a ortografia e a pontuação dos manuscritos originais das cartas de Dom Helder Camara.

    Um Registro de Confiança e Superação

    Eduardo Henrique Accioly Campos

    Governador do Estado de Pernambuco

    Durante o Concílio Vaticano II, no qual ele foi um dos mais atuantes representantes brasileiros, Dom Helder Camara manteve a prática das vigílias, como as chamava, ou seja, escrever, durante as madrugadas, cartas sobre temas sociais e culturais, religiosos ou não, que enviava a um fiel grupo de colaboradores tratado por ele, carinhosamente, de família. Todas manuscritas, essas cartas são hoje uma valiosa amostra do pensamento do Arcebispo Emérito de Olinda e Recife e estão sendo integralmente publicadas para que a contribuição do religioso, não somente à história da Igreja Católica, mas também à história do Cristianismo no mundo, chegue ao alcance de todos que acreditam na paz.

    Como governador do Estado e seguidor de Dom Helder, estou duplamente feliz: primeiro, porque é a Companhia Editora de Pernambuco, empresa estatal, que edita estas cartas do nosso Arcebispo; segundo, por ter a honra de apresentar esta edição, uma obra em dois volumes divididos em três tomos cada. Nos três primeiros estão reunidas as Circulares Conciliares (como ele as denominava), escritas enquanto participava do Concílio Vaticano II, realizado em Roma entre 1962 e 1965. Os outros três tomos trazem as Circulares Interconciliares, escritas nos períodos que intercalavam as sessões do Vaticano II, quando os bispos retornavam às suas dioceses.

    Sabe-se que Dom Helder nunca falou nas reuniões do Vaticano II. No entanto, cada vez mais fica provado (principalmente após a publicação destas cartas) que ele atuou incansavelmente nos bastidores do Concílio. Com um grupo de bispos latino-americanos e europeus, foi, por exemplo, o grande articulador na defesa de uma Igreja pobre e servidora. E, se suas ideias não foram plenamente incorporadas aos documentos do Vaticano II, elas nortearam outras conferências episcopais (como em Medellín e Puebla), como uma luz de renovação sobre a conservadora Igreja latino-americana, levando-a a assumir a opção preferencial pelos mais necessitados e a tomar partido pela justiça social.

    Dom Helder começou a participar do Vaticano II como bispo – auxiliar do Rio de Janeiro e, ao fim do Concílio, já era Arcebispo de Olinda e Recife. Entre esses dois momentos de sua vida varou madrugadas escrevendo as cartas que compõem esta obra. Cada volume desta edição tem em média 100 cartas, somando, portanto, aproximadamente 600 cartas. Inicialmente, ele enviava os manuscritos à Família do São Joaquim, do Rio de Janeiro. Depois, as remetia à Família Mecejanense, formada por seus auxiliares do Rio e de Pernambuco.

    Com estas cartas, escritas num estilo muito próprio, Dom Helder passa adiante os seus ideais e valores, a exemplo de ecumenismo. Reconhecido mundialmente pelo seu trabalho voltado para uma Igreja dos pobres, tinha a capacidade de, ao relatar um simples fato do cotidiano, propor uma reflexão sobre graves problemas da humanidade. Lendo os manuscritos de Circulares Conciliares e Circulares Interconciliares, temos uma exata dimensão do que foi sua luta. Muitas cartas são cheias de esperanças, outras reveladamente sofridas. Mas, em nenhum momento o Arcebispo Emérito de Olinda e Recife fraquejou. Pelo contrário, sempre demonstrou fé, humildade, confiança e superação.

    Ao patrocinar esta publicação, o Governo do Estado de Pernambuco alia-se, com especial satisfação, a tantas instituições e personalidades que, no Brasil e no exterior, comemoram os cem anos do nascimento de Dom Helder Camara. Sua obra, sua coragem em tempos difíceis do nosso País, quando suas palavras denunciavam o arbítrio, permanecem entre nós. São como faróis, sempre a nos indicar o caminho seguro para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna.

    Apresentação

    Zildo Rocha

    O Instituto Dom Helder Camara - IDHeC tem, sob sua guarda e responsabilidade, um enorme tesouro: uma grande quantidade de escritos inéditos que Dom Helder lhe legou e que abarrotam os seus arquivos.

    Não tenho a menor dúvida de que, agora que nos falta a presença física do profeta, preservar cuidadosamente e divulgar esses seus escritos é a tarefa maior e a principal razão de ser daquela Instituição, que tem como objetivo, manter viva em nosso meio a sua presença espiritual e sua mensagem.

    De certo é importante restaurar a Igrejinha cujas dependências escolheu como morada e que sediaram algumas de suas iniciativas.

    Sem dúvida, vale a pena conservar e expor ao público, as fotos, os livros, os poucos pertences que possuía, os títulos e condecorações recebidos, os móveis e utensílios que o cercaram, ao longo de sua vida.

    Nada, no entanto, é mais importante do que preservar e tornar acessível ao povo cristão e às pessoas interessadas o enorme acervo das cartas circulares, dos discursos e dos poemas-meditação em que extravasou a sua grande alma.

    Para se ter uma idéia do gigantismo da tarefa que incumbe prioritariamente ao Instituto, baste lembrar que o primeiro tomo das Cartas Conciliares publicado em 2004, contém em suas 477 páginas apenas as 121 circulares que Dom Helder escreveu em Roma, nos anos de 1962 e 1963, durante as duas primeiras Sessões do Concílio Vaticano II. O conjunto de todas as cartas (conciliares, interconciliares e pós-conciliares, escritas entre os anos 1962 e 1982) atinge a cifra de 2122 cartas. Isso equivale a dizer que, publicadas em volumes de tamanho igual ao daquele primeiro tomo, formariam uma coleção de cerca de vinte volumes.

    Note-se que a essas cartas, devem acrescentar-se os discursos, sermões e homilias, em torno de 650, pronunciados em cátedras e púlpitos no Brasil e no Exterior, sobre problemas que afligem a humanidade, e os sete mil e quinhentos poemas-meditação em que recolhia as lições de sabedoria escondidas nas pequenas coisas e acontecimentos do dia a dia.

    Este que o leitor tem entre as mãos é o terceiro tomo do segundo volume, o das Cartas Interconciliares, ou seja, aquelas escritas por Dom Helder entre as três últimas Sessões do Concílio Vaticano II. Contém as 106 cartas escritas a partir de 17/18 de abril até a Vigília de 31 de agosto para 1º de setembro de 1965.

    A transcrição das 308 cartas manuscritas que integram os tomos deste segundo volume se deveu à colaboração, em grande parte voluntária, de Célia Marisa Soares, Henrique Luna, Hercílio Ferreira, Mona Lisa C. Fernandes, Mônica Muggler, Zezita Cavalcanti e Zildo Rocha.

    Armya Escobar, Ivoneide Porto e Luís Carlos Araújo ajudaram na revisão do texto transcrito.

    Aglaia Peixoto, Maria Luiza Amarante, Zezita Cavalcanti e os padres João Pubben e Arnaldo Cabral ofereceram valiosa ajuda na elaboração da lista de pessoas referidas nas circulares, particularmente quanto à identificação e qualificação de sacerdotes do clero local e de parentes, amigos e colaboradores do Dom.

    Na fase final do trabalho, foi feita uma meticulosa leitura de conferência, palavra por palavra, de todo o texto transcrito com o original manuscrito, por Henrique Luna, Breno Albuquerque, Hugo Gabriel Feitosa e Lucy Pina Neta, sob a orientação e coordenação de Daniel Sigal.

    A correspondência conciliar, ou seja, aquelas circulares escritas por Dom Helder durante as Sessões do Concílio Vaticano II, revela suas aspirações, preocupações e atividades durante aquele magno acontecimento do mundo católico. Movia-se, portanto, num ambiente fortemente eclesiástico e, assim, um tanto estranho ao leitor comum.

    As cartas contidas nos três tomos do presente volume, que narram os primeiros contatos do novo arcebispo com a realidade eclesiástica e sócio-política de sua arquidiocese, trazem consigo um mundo bem mais próximo e familiar. É a vida mesma da cidade em seus diversos estratos e segmentos e em seus diversos aspectos, religioso, econômico, político, social, cultural, que aflora à leitura destas páginas.

    Isto se comprova, também, pela simples comparação da lista das pessoas referidas nos dois textos.

    E tanto o primeiro quanto o segundo volume desse imenso epistolário nos permite vislumbrar o caudaloso rio de espiritualidade e memorialística que se espraia nas outras mais de mil cartas que clamam por saírem do ineditismo, em caixas e arquivos do IDHeC.

    Ficaremos muito felizes se esta publicação tiver como um de seus frutos a convicção de que isso é possível.

    Basta para isso que surjam voluntários: pessoas capazes e dispostas a dedicar um pouco de seu tempo à tarefa prioritária de preparar para a publicação esse importante documento da história da espiritualidade católica. Documento ímpar, em que um cristão autêntico, um grande bispo, um dos Pais da Igreja latino-americana aceitou o desafio de despir-se espiritualmente, diante de Deus e de sua Igreja familiar e doméstica, diariamente ou quase, no longo período de vinte anos, confessando e narrando, com simplicidade e transparência, a ‘história de sua alma’ e as vicissitudes de seu dia a dia.

    Nota Preliminar

    Os manuscritos foram transcritos na íntegra, sem qualquer tipo de corte ou de censura. Foram apenas tomadas algumas liberdades quanto a palavras abreviadas que foram postas por extenso. Respeitou-se em geral o uso que o autor faz das maiúsculas em meio da frase, na designação de alguns substantivos comuns que queria destacar. Embora se tenha respeitado a grafia original foram feitas eventuais atualizações de acentuação, assim como algumas poucas correções de nomes próprios.

    Colchetes, no corpo das circulares, com as letras fl. seguidas dos numerais 1, 2, 3 ou 4, indicam o número das folhas nos originais manuscritos. Tal indicação visa a facilitar a consulta aos originais que acompanham em CD o presente volume.

    Além das notas de rodapé, em que se procurou situar o leitor em relação a alguns conceitos ou fatos da conjuntura eclesiástica e política de então, foram adicionadas no final do texto uma relação das Instituições com suas Siglas e uma outra, bem mais ampla, das Pessoas nele referidas.

    Tais Pessoas vêm ali relacionadas em quatro secções ou categorias:

    1) Papas, Cardeais e Bispos;

    2) Sacerdotes seculares e religiosos, Pastores evangélicos, Religiosas e Teólogos;

    3) Personalidades civis, do meio cultural, político e militar;

    4) Parentes, Amigos, Colaboradores e Atendidos.

    Em se tratando de membros da hierarquia eclesiástica, eles serão encontrados na secção referente ao seu status eclesiástico por ocasião da circular. Por exemplo, Pe. Marcelo Carvalheira será encontrado entre os padres e não entre os Arcebispos e Yves Congar, entre os religiosos e teólogos, mesmo que mais tarde tenha sido feito cardeal.

    Em cada um desses segmentos ou secções os nomes vêm relacionados por ordem alfabética e na maneira habitual de decliná-los, a saber, pelo nome e sobrenome(s) (ex. Pedro Rocha Cahu) e não na forma acadêmica, pelo último sobrenome, nome e primeiro sobrenome (Cahu, Pedro Rocha) como acontece nas bibliografias.

    Para possibilitar a consulta a esta Relação de Pessoas, foi acrescentado, ao longo do texto, entre colchetes e em itálico, o nome completo de pessoas ali familiarmente nomeadas apenas pelo primeiro nome, pelo último, ou mesmo pelo apelido, por exemplo: Mons. [Manuel Leonardo de Barros] Barreto.

    Na relação das pessoas referidas, o apelido, foi colocado entre o nome e o sobrenome das pessoas que designam, entre vírgulas e em itálico. Assim: José Vicente, Eu, Távora; Maria Luíza, Madaminha, Amarante etc.

    As circulares em que essas pessoas são referidas serão citadas, pelo número em caracteres romanos, indicando o tomo, seguido do número da circular.

    Como fontes de informação para a qualificação das pessoas referidas, foram utilizados, além de informações obtidas oralmente de auxiliares de Dom Helder e através de instrumentos de busca na Internet, os índices onomásticos organizados por Éric Mahieu em Yves Congar, Mon Journal du Concile, Les Éditions du Cerf, Paris, 2002; por Nelson Piletti e Walter Praxedes, em Dom Helder Camara, Entre o Poder e a Profecia, Ed. Ática, São Paulo, 1997 e a Prosopografia dos Padres Conciliares Brasileiros elaborada por José Oscar Beozzo em A Igreja do Brasil no Concílio Vaticano II, São Paulo, Paulina, 2005. 3ª Parte.

    Z.R.

    Introdução

    Z.R.

    Para Dom Helder escrever não era uma qualidade batizante, como diria Pascal.¹ Pelo menos até hoje, ninguém lembra Dom Helder, em primeiro lugar, como um escritor. E, entanto, que grande escritor ele era! Com que maestria e correção escrevia e que magnífica obra nos deixou, desmentindo, aliás, o que afirmara aos 34 anos: "...passarei a vida sem deixar nenhum sinal mais forte, marca nenhuma duradoura e inesquecível... Escreverei uns artiguinhos quaisquer em duas ou três revistas. Talvez deixe uns dois livros, que umas duzentas pessoas cheguem a ler. Pregarei alguns sermões mais ou menos louvados. E morrerei. No meu enterro, alguém comentará que não produzi o que poderia ter produzido".

    1. Um Hábito Ancestral

    O ato de escrever era-lhe conatural, isto é, escrevia para registrar a vida ou para respaldar as atividades que exercia. Seguindo um hábito ancestral,² gostava de corresponder-se, com assiduidade, com os amigos.³ Feito arcebispo e ampliando o campo de sua ação pastoral e apostólica, pôs esse seu hábito a serviço da tarefa de cuidar da família, de manter, unidos e irmanados, amigos e colaboradores em torno a ideais comuns e envolvidos pelo clima e pelo espírito de Mecejana. Queria-os próximos e, também, testemunhas, e precisava sentir-se amparado à distância por sua amizade e orações.

    As Cartas Conciliares surgiram, assim, do desejo de fazer a família acompanhar passo a passo as vicissitudes do Concílio Vaticano II e as atividades que ali desenvolvia. Endereçou aquelas referentes às duas primeiras sessões (1962 e 1963) à Família do São Joaquim, isto é, do antigo palácio episcopal da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde estavam sediados os movimentos a que dedicava a sua ação pastoral.

    Transferido, em abril de 1964, para a Arquidiocese de Olinda e Recife, Dom Helder começou, desde a madrugada seguinte à sua chegada, um epistolário, dirigido à Família Mecejanense que englobaria os colaboradores e amigos das duas Arquidioceses. Tal epistolário que se prolongou por vinte anos constitui um conjunto, em quase sua totalidade ainda inédito, de duas mil duzentos e vinte e uma cartas.

    O freqüente convite de inúmeras Faculdades para que paraninfasse suas turmas concluintes, em Olinda, Recife, outras cidades do Nordeste e, mesmo, do Brasil, lhe abriu as portas de outro gênero literário: a das alocuções e discursos. Deixou-nos, assim, um acervo de cerca de seiscentos e cinqüenta Discursos e Sermões, proferidos em púlpitos e cátedras do Brasil e do Exterior, particularmente quando a censura interna lhe foi imposta pela Ditadura Militar. E, ainda, referidos em último lugar não por serem menos importantes, somam sete mil e quinhentos os poemas-meditações escritos nas madrugadas e ao longo do dia, não raro rabiscados em pedaços de papel que passava à secretária como as Meditações do Pe. José.

    2. As Cartas Circulares

    Nas Cartas Circulares, ele fez de sua vida um grande e vasto romance, seu roman-fleuve. Escritas em geral no ambiente das Vigílias, tudo olhava sob o prisma de Mecejana: as coisas, os acontecimentos; as pessoas lhe apareciam à luz do propósito divino, do dever ser, de como seria bom que fossem e, também, claro, como de fato o eram, mas pouca gente tem olhos de ver e ouvidos de ouvir e, mesmo quando observa, não registra.

    Dom Helder, por onde passava, recolhia no coração e depois escrevia os sinais do Reino implantado ou a implantar. Descobria em tudo, ou quase tudo, uma lição de sabedoria e via, em cada ser humano que encontrava um irmão a quem procurava olhar como Deus e os Anjos o viam, ou como seria ao se abrir, de maneira mais plena, à mensagem de amor e de fraternidade que lhe trazia.

    Ler suas Cartas é uma catequese viva da mensagem cristã, ou do que possa significar ser cristão na prática, nos dias de hoje.

    É interessante observar como foi crescendo, aos poucos, no seu espírito, a importância desse seu epistolário. De início seriam apenas cartas não diárias, mas semanais, portadoras de assuntos a meditar. Assim escreveu alguns dias após iniciar esse seu hábito vintenário: Continuam, por enquanto, diárias e noticiosas as Circulares. Passarão, em breve, a semanais e portadoras de assuntos a meditar. Mas que melhor meditação do que os misteriosos acontecimentos destes dias! (Interc. I- 4).

    Talvez pensasse que não encontraria tempo para escrevê-las diariamente. Mas o hábito foi ganhando espaço, integrando-se à sua vida de oração e à sua espiritualidade.

    As cem primeiras, escritas desde a madrugada seguinte à sua chegada até a partida para a III Sessão do Concílio em Roma, ele as iniciava apenas com o cabeçalho habitual de local e data, número de ordem da Circular (o que manifesta sua consciência de escrever uma série, a ser preservada)⁶ e o destinatário, no caso, a querida Família Mecejanense.

    A partir da circular número cem, ele passou a acrescentar à data civil e profana, a data litúrgica,⁷ integrando, assim, aquele seu hábito às suas Vigílias, ou ao encontro diário marcado com Deus nas madrugadas, preparatório e complementar à Santa Missa, compromisso que assumira desde o dia de sua ordenação.

    A fidelidade absoluta a esse hábito é várias vezes por ele referida como uma das constantes de sua vida e entre os dons maiores recebidos da Graça: Há... constantes em minha vida. Destaco, por exemplo:... – a graça da Vigília preparando a Santa Missa e a graça da Santa Missa, estendida ao dia inteiro... [II-175]

    3. As Circulares e as Vigílias

    As circulares tornam-se, assim, momento importante, mas não exclusivo de suas Vigílias. Alguns historiadores⁸ parecem identificar Circular e Vigília, como se esta se restringisse à elaboração daquela.

    Dom Helder não perdia ocasião de desfazer esse equívoco: Mesmo quando não há Circular... há Vigília. [Interc. II- 109] A Vigília de ontem foi de tal modo cheia que nem deu tempo de escrever. [Interc. II- 131-3]. As Vigílias, de tão densas, nem têm permitido Circulares. [Interc.131- 8] etc.

    As suas vigílias são, portanto, algo bem mais amplo e abrangente do que a simples escrita das circulares. Poder-se-ia, então, perguntar: que fazia ele numa Vigília sem Circular, ou além da circular em suas vigílias?

    A melhor descrição que até hoje encontrei do que significavam para ele essas suas vigílias, está na carta interconciliar nº 115, escrita na véspera do Natal de 1964: "Vigília de Natal! A vida, na terra, é uma Vigília por mais que nos encarnemos com sinceridade, por mais que nos entreguemos à missão sagrada de dominar a natureza e completar a Criação, não temos aqui morada permanente...

    Vigília é espera paciente e confiante. É certeza de chegada próxima. É preparação para o Face-a-Face. Viver em Vigília é, sem prejuízo do mergulho no tempo, viver à luz da eternidade.

    A Vigília ajuda ao reencontro com o essencial, com o absoluto, fáceis de desaparecer, durante o dia, como a estrela dos magos, à aproximação de Jerusalém...

    A Vigília reacende o sentido de peregrinação pelo mundo: para quem tem olhos de ver, toda a casa não passa de frágil tenda; toda e qualquer criatura, saiba ou não saiba, queira ou não queira, anda de sandálias, manto e bastão...

    A Vigília corrige-nos o olhar: as deformações, os exageros, os subjetivismos tendem ao equilíbrio e à medida.

    A Vigília alarga-nos o olhar, dando-nos a visão do invisível. Não se trata de aparições: mas o invisível é contemplado como se fosse visto. [Deformação? Exagero? Subjetivismo? Descoberta das verdadeiras dimensões do mundo tal como os anjos e Deus o contemplam].

    A Vigília alimenta-nos a fé, a esperança e a caridade; abastece-nos de alegria e de paz.

    Vigília é encontro pessoal com Jesus Cristo. É Belém. É Natal, um Natal que dura o ano inteiro, sem perigo de cansaço e de rotina. Natal que é perene canto novo!

    Perdoem a estirada: é minha maneira de agradecer a graça da Vigília, conversa com o Pai em companhia de Cristo; ajuda fraterna à humanidade inteira; preparação excepcional da Santa Missa! Vida em plenitude, em que o amor a Deus e o amor aos homens afogam o amor próprio e arrastam-nos para o infinito. [Interc. II-115]

    Também, na interc. II-150, de 25/26 de fevereiro de 1965 ele assim apresenta suas vigílias: Obrigado, Senhor, pelo dom da fidelidade. Circular não quer dizer saudosismo. Circular é, antes de tudo, sinal de Vigília. [Pode haver e há Vigília sem Circular: mas Vigília é a um só tempo, amor a Deus e amor ao próximo; louvor ao Pai e conversa, à distância, com Irmãos; exercício de caridade; vivência de Corpo Místico.] Vigília é revisão de vida, em que a Família funciona como consciência viva e testemunha de Deus.

    Além dessas descrições, o Dom deixa escapar, aqui e ali, em suas circulares, aquilo em que consistiam as suas Vigílias:

    "Na Vigília, me preparo para os Encontros vitais, do dia de hoje: [I-3]; Na Vigília silenciosa [Casa povoada só de Anjos] uno-me a Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, para agradecer ao Pai, em nome de todas as criaturas, de todos os lugares e de todos os tempos. Falo rasgado com Cristo [e juntos falamos ao Pai, em nome dos que se chocam e se revoltam contemplando a criação... Em nome dos que não se contentam com as aparências e acabam descobrindo o mistério de a vida estar construída sobre a morte…]" [II-103]; "Em Vigília mais longa, recordo e agradeço em nome de toda a Família Mecejanense. [II-104]; Na Vigília, povoada de Anjos [que enchem o Casarão vazio], peço longamente pelos que sofreram, sofrem e haverão de sofrer até o último dia... Completo a Vigília com um livro de Marie Noel, Notas Intimas, lançado em tradução portuguesa, pela Editora Agir." [II-106]; Na Vigília de 6 para 7, acabei o discurso de paraninfo na Universidade Rural". [ II – 111];

    Em plena Vigília, levantei-me para ir ouvir o mar. Que tinha o querido irmão, tão angustiado, tão revoltado, tão bravio!... Fiquei muito tempo, no alpendre a ouvi-lo... Simplesmente, ele também estava em Vigília e louvava o Senhor. Vocês pensam que ele se prende aos cento e cinqüenta salmos de nossa Bíblia?... Não canta duas vezes o mesmo salmo. Canta sempre cântico novo... Não joga duas vezes as ondas do mesmo modo... Tem maneiras inesperadas de refletir a lua, de quebrar em espuma, de brincar com as conchas que traz à praia. [II-129 fl. 3].

    Em Ponta Negra, na cidade de Natal-RGN, onde se encontrava para a reunião dos Metropolitas, ele escrevia na vigília de 16/17 de janeiro de 1965: "Abençoada a Vigília que transforma em realidade o anseio quase impossível! Uno-me a Ti, meu Irmão Jesus Cristo, acordo a lembrança de nossa unidade, e, juntos, emprestamos a voz à terra inteira para adorar o Pai!... Daqui escutamos a voz de teu mar, como o órgão de nossa Vigília... Aqui Pai, [reencontrei-me com frutas que eu não comia há anos e anos: mangas, atas [frutas do conde], sapotis, coco verde [sem falar em mamão e melões]. Louvamos-Te, pela doçura que escondeste nas frutas nordestinas, nas frutas do mundo inteiro... Louvamos-Te pela rede, cujo embalo amaciador talvez esteja na raiz de minha incapacidade de odiar... a rede que é leito nupcial, berço infantil, descanso e sono, enfermaria e esquife... Louvamos-Te pelas jangadas que contemplo lá fora, ao luar [contemplamos!] jangada que, um dia, transformaremos em peça de museu e em símbolo de heroísmo, quando, com a ajuda divina, tivermos arrancado o Nordeste do sub-desenvolvimento..." [II- 130 [fl. 1]

    Em uma de suas viagens internacionais, escreve:

    ...assisti de bordo, [a Aeromoça me acordou para a Vigília] a mais bela Aurora que já vi em minha vida. Era todo o horizonte em fogo, anunciando o Sol!... Como cantei hinos a Nossa Senhora de quem nos veio o Sol da Justiça!... [Nessa viagem] Ponho a minha esperança não é nas discussões que arrumo, na simpatia dos brasileiros … Minha esperança é nas Vigílias [mais longas, aqui] preparando a Santa Missa! [II- 131-5] As Vigílias e as Missas são minha esperança decisiva. [II-131-9] ...vir à Roma, precisando tanto ver o Papa e não vê-lo é brincadeira de Deus... Mas vocês verão, quando a Circular chegar, que alegria irrompeu em mim, que serenidade, que paz!... A Vigília da aceitação total [6/7] foi das mais maravilhosas da minha vida. Como sempre, a Santa Missa coroou e completou a Vigília. Sai cantando pelas ruas! [Na véspera, recebera o aviso, por um recado deixado na Domus, que, infelizmente, havia sido impossível a audiência]." [II- 176-11]

    Graças ao Pai é incurável em mim o espírito de criança. Apenas, tenho, cada vez mais, necessidade de guardar, quase que só para a Vigília, o espírito infantil... Só então podem surgir meus brinquedos, que chocam a gente grande e sem espírito de humor... A Vigília vai ficando um oásis sempre mais querido e desejado.... [III-182]

    A impressão que se tem ao ouvi-lo falar de suas Vigílias é a de que ali ele entra numa espécie de cela interior, onde o céu toca na terra e onde se está imune das injunções e limites do tempo e do espaço. Ali, não há pressa, mesmo quando se tomba de sono ou de cansaço. Ali, se sente companheiro e irmão do Irmão, dos Anjos, particularmente de José, seu anjo da guarda, e dos santos, particularmente do santo do dia, em cuja homenagem a vigília é celebrada.

    As Vigílias podem, assim, não raro, transformar-se numa festa interior em que celebra a data aniversária de algum membro da querida família, ou em que visita eventos distantes, como a Feira da Providência, no Rio de Janeiro ou a festa da Vitória Régia, em Casa Forte, no Recife, por cujas barracas passeia, na companhia do Pe. Edwaldo Gomes.

    Posso ir para onde o coração me chama?... De chapéu de Cozinheiro, quero entrar de Restaurant adentro. [Que saudades da querida Eudóxia e do Bar-man admirável que é o Bentinho!...] Como quero mesmo me espalhar nas Barracas de doces [inclusive Algodão doce] e comer Pipocas, beber Refrigerantes e, sobretudo, cair nos brinquedos [Boliche, Tiro ao alvo, Argolas, Porquinhos, Pescarias, com sortes, sortes, sortes] posso andar de máscaras!?... Nem espero a resposta e vou andando de Cavalinho, Passarinho, Feiticeira [várias!], Arreganhado, Bruxa... Já estou bêbado de alegria: nos enfeites de cabeça, chapéus de fadas, coroas de camponesas, coroas de reis e de rainhas, fantasias de Bumba-meu-boi [como gostei!], chapéu de pioneiro americano... Mas acabei mesmo foi com o meu chapéu de Marinheiro [acabo indo à Basílica com ele!]. Se eu não vou à Barraca da Volta à Infância"!?... Mas quem diz que eu não vivo nela?... Há Amigos de quem não me separo nunca: o Petit Prince é um deles. De quem a culpa?... De Quem disse que quem não se fizer criança, não entra no reino do Céu...;¹⁰ Como vêem, houve Vigílias sem Circulares para registrar o essencial... Estou em plena brincadeira na Vigília... Também Deus se cansa de parecer importante e sério o dia inteiro. São tão poucos os que sabem como Ele é criança e gosta de brincar!".[III-182]

    4. Desperdício de Tempo?

    Não foram poucas as vezes em que Dom Helder teve de defender suas Circulares, e mesmo suas Vigílias, da crítica bem intencionada, mas míope, de algum amigo ou amiga, colaborador ou colaboradora, que lhe manifestava, em confiança, aflição ao vê-lo, pelo fato de escrevê-las, roubando um tempo precioso que deveria estar dedicando ao Concílio, ou prejudicando a própria saúde, pelas horas, roubadas ao sono, que lhe dedicava nas madrugadas. Na Circular de 17 para 18 de outubro de 1964, ele respondia, em relação ao tempo roubado ao Concílio: Confesso que não tenho nem sombra de remorso. Creio na comunhão dos santos. Se a família caminhar na caridade, unir-se sempre mais a Cristo, louvando o Pai e ajudando os homens, então, cuidar da família é cuidar da FAMÍLIA, isto é, é cuidar de todos os homens de todos os lugares e de todos os tempos.

    Outra crítica apontava incoerências e mesmo contradições entre circulares bastante próximas... A que ele responde na circ. II-175: É praticamente certo que há contradição entre as Circulares. As Criaturas somos tão frágeis! Mesmo quando a unidade em Cristo salva um bocado a unidade interior, somos, de tal modo, múltiplos, que a logicidade facilmente não nos consegue acompanhar... Até nas meditações do Pe. José há incoerências, apesar de ele ser o que há em mim de vitória da Graça... É o filho da luz, enquanto o pobre do Dom não raro é o filho das trevas.

    Cada Circular, no instante em que é escrita, é vivida e meditada diante de Deus. Raras, raríssimas são as que não são escritas em Vigília (algumas, de Roma, dos sábados e domingos). Ora a Vigília para mim já está ligada à Santa Missa, da qual é preparação imediata... Não guardo a coleção das Circulares e não teria coragem de relê-las. O passado, a gente entrega à misericórdia de Deus...

    A outros ocorria perguntar: em que medida as Circulares contam tudo?. A que ele respondia, na mesma Circular: "É difícil talvez entender: mas, sem prejuízo da absoluta sinceridade das Circulares enviadas, o otimismo invencível, incurável, que mora em mim [e que só em raros instantes de raros dias baqueia...] seleciona, [fl.2] instintivamente, os episódios mais belos, os ângulos mais heróicos... Há Circulares que são rasgadas ao nascer, como há meditações do Pe. José que nascem censuradas... De vez em quando, escapa uma Circular tempestuosa, mais capaz de desajudar do que de ajudar.

    Nem mesmo as suas Vigílias ficavam imunes das críticas confiantes de seus colaboradores mais próximos. Na Circular interc. II- 125, de 7/8 de janeiro de 1965, ele se referia a um ensaio de Laicato adulto em que foi submetido a uma sabatina por parte de alguns membros daquele presbitério alargado: ...Houve o cuidado de pedir pormenores quanto ao sono e não sono do Dom. Aceitei, de coração largo, todas as críticas... Mas defendi a Vigília. Ela nada tem de negativo: é união, unidade com Cristo para louvor ao Pai e ajuda à humanidade inteira; é salvaguarda da unidade pessoal e da inserção no Corpo Místico; é preparo para a Santa Missa; é descanso!... Cederam. Sem entender muito, mas cederam, em confiança. Alguns comentaram confiantes: Milagre não vale"...

    Uma coisa nos parece clara ao longo da leitura desses três tomos de suas Circulares Interconciliares, a saber, a de que ali se encontra o segredo daquela Imaginação e daquela Visão que Yves Congar intuiu ao primeiro encontro e registrou em seu Diário,¹¹ qualidades que o teólogo francês lamentava faltarem a Roma e a raiz última daquele dinamismo, ou daquela ação animée et animatrice (animada e animadora) como a qualificou o saudoso Pe. Chenu, em suas Notas Quotidianas ao Concílio.¹²

    É o próprio Dom quem nos revela esse segredo: O que seria de mim sem as Vigílias?.¹³ O que, no entanto, me tranqüiliza mesmo é a fidelidade à Vigília e à Santa Missa. É a paz interior. A ausência da mais leve gota de travo. O trabalho, sem afobação, radicado na prece. O que me alegra é a união [a unidade!] com Cristo. Graças à Graça divina, nem os louvores me entontecem, nem a incompreensão me abate. Saúde firme. Coração leve. Alma feliz. [III-205]

    5. O Trabalho sem Afobação, Radicado na Prece

    "...a Verdade que parte de lábios irmãos e chega antecipada pela Vigília e pela Missa". [II- 131-10]

    Por aí, se entendem melhor o indefectível entusiasmo e o empenho na lide diária, o desempenho alegre de uma agenda cheia de compromissos, os mais diversos, preparados na véspera e ruminados na madrugada seguinte, diante de Deus e de sua família espiritual.

    De modo geral, uma boa divisão de meu tempo e de minha vida seria: Arquidiocese, 70%, Província e Região, 10%; Nacional, 10%; Continente, 5%; Mundo, 5%. [II- 150]

    A simples leitura das Circulares prova que a vida continua normal. Não viram as reuniões com os Coordenadores dos Setores Paroquiais preparando a Reunião Geral do dia 7 de junho? Não viram as reuniões do Departamento Regional de Apostolado das Religiosas? Não viram as Missas pelas Paróquias, com Páscoas e, em breve, com Crismas? Não viram a ida aos Alagados e a preparação do Encontro do Nordeste com o Nordeste? e as Noitadas? e as Audiências? e os estudos? Vida normal. Com programação. Com hierarquia de valores. Na aparente dispersão, há fios condutores. Há uma lógica interna. Há objetivos definidos e claros. Tanto vou aos Alagados como à casa do Renato [onde preparamos o Encontro do Nordeste com o Nordeste]. As audiências recebem uma maioria de pobres, enquanto as Noitadas recebem as elites. Cada vez mais ligado aos meus Padres, às minhas Religiosas e aos meus leigos. [III-205]

    Só no dia de hoje, em Camaragibe... falei dez vezes. Tem sido um bom teste de resistência física. Verifiquei, feliz, ao atravessar Igrejas transbordantes [abençoando, abençoando, abençoando] que abençôo minha Gente com a mesma paciência e o mesmo carinho com que abençoava o povo da Piedade [1931] e de Moura Brasil [1934] em Fortaleza e com que, no dia da Sagração, na Candelária, recebi ricos e pobres, brancos e pretos, sem pressa, acolhendo os últimos com a mesma atenção, dedicada aos primeiros. Digo isto, agradecendo a Deus. Não é carne, nem sangue. Só a Graça Divina me livra da rotina e me faz cantar eternamente, o cântico novo. [III-270];

    Como vêem, é preciso tocar todos os instrumentos: marcar presença fraterna em múltiplos lugares; animar, encorajar, ser irmão e pai. Tudo é feito com igual amor. É tão fácil amar a Deus, amando os homens e amar os homens, amando o Pai! Se cansa?... Há a Vigília e a Santa Missa que praticamente não terminam... Então, tudo é fácil! [III- 243];

    Deus me dá, sempre mais, o dom de dar-me a cada coisa de uma vez. Faço o que estou fazendo, com calma, com vagar, como se só aquilo me coubesse fazer. [II- 140];

    Não tenham receio. Há tempo para tudo. A Vigília preparando a Santa Missa que, depois, dura o dia inteiro salva da dispersão; firma a unidade interior; ajuda a pôr cada coisa no devido lugar... [III- 238].

    6. A Opção Preferencial

    Mas se dentre esse imenso leque de afazeres pastorais quiséssemos identificar um norte, um fio condutor, o encontraríamos sem dúvida no seu amor e no seu compromisso com os pobres.

    Como ele mesmo dizia: "...quando passo pelo Areal, quando entro no Coque, quando mergulho na Ilha de J[o]aneiro, ou em Caiara, ou em Peixinhos, ou em dezenas de outras áreas de miséria, sinto que recebo uma tapa em plena cara: Bispo, você está cego? Você não vê estes Filhos de Deus, estes seus Irmãos em plena Lama?... [III- 259]

    "Não sei qual é a graça maior: se ver o Invisível [no sentido de contar com a presença dele com a segurança de quem vê e de quem toca... Ser companheiro dos Anjos e andar mergulhado em Deus] ou se ver o Invisível no Visível [descobrir Cristo no Pobre e em todo Aquele que sofre e está esmagado no corpo ou na alma]. [II-224];

    Chegava mesmo a imaginar uma nova modalidade de Procissão do Corpo de Deus:

    A procissão de Corpus Christi neste ano podia ser diferente: quando o Povo esperasse o Arcebispo com o Ostensório e nele o Santíssimo Sacramento, surgiria o Arcebispo, num caminhão apinhado de vítimas, não direi das enchentes, que são passageiras, mas vítimas permanentes dos Alagados... E o Arcebispo mostrando sua pobre Gente, repetiria apenas: O Corpo de Cristo, O Corpo de Deus e cairia, de joelhos, em adoração a Cristo, presente nos que sofrem... [III-223]

    "Quem teme ver-me às voltas com o desenvolvimento é porque não atentou bastante para a necessidade – ao lado de técnicos – não só de filósofos, poetas e dramaturgos, mas de santos... Espero, com a graça divina, santificar-me na luta pela promoção humana e cristã da Gente que

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