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Buzinga
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E-book92 páginas1 hora

Buzinga

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Sobre este e-book

A infância se constitui num período de experiências onde a camada mais base do ser humano se forma e se torna fundamental para a recepção de estímulos onde neste tempo a personalidade primeira é definida na moralidade que fará companhia a contornos de autoestima e empatia.
Neste livro, baseado em fatos reais, acompanhamos os desafios num cenário de precariedade e ausência de redes de cuidado na pobreza que desfila no ambiente familiar que representa as muitas milhões de outros crianças pelo mundo.
Expostas a muitos riscos, integral desnutrição e presa fácil de violência, as crianças sobrevivem nestes ambientes inseguros e de difícil provimento. Estímulos saudáveis convivem com outros não tão nobres e adversos, cujas variáveis inibe uma potencial linguagem de sociabilidade.
O cenário se passa numa cidade qualquer de um interior e segue acompanhando o crescimento desta criança, suas fantasias, seu mundos e suas possibilidades de viver, mesmo a duras penas.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de mar. de 2019
ISBN9780463468197
Buzinga
Autor

Edmar Camara

Um ativista da arte - pintor, designer, romancista, poeta, contista e produtor de conteúdo digital radicado no Brasil com nascimento em Minas Gerais e vivências em outras territorialidades. Produz textos que se diferenciam por estarem carregados de uma intenção que se adequa ao leitor que o interpreta em sua subjetividade; o que resulta em narrativas que questionam e provocam uma verdade que é exposta, mas que não se apresenta como absoluta.

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    Buzinga - Edmar Camara

    A luz do dia ainda estava fraca para encher o local de claridade onde Buzinga dormia com outros dois irmãos que dividiam este quarto. Buzinga acordou tropeçando em si mesmo para poder seguir o ritmo dos demais da casa e não se atrasar para a missa. Era domingo; e naquela pequena cidade do interior, fica quase que como uma obrigação, seja pela manhã ou nos outros horários, ir ao serviço católico.

    A família não estava completa; seu pai juntamente com outros dois irmãos tinham ido arriscarem-se a tentar trabalho em outras cidades maiores e mais distantes. Mas disso Buzinga nada sabia; ainda. Era muito pequeno; em idade e estatura. Suas preocupações eram imediatas. Onde estariam as meias para usar naquele adereço que ele chamava de calçado? E a roupa? Parecem perguntas absurdas, mas a coisa era toda medida; o recurso financeiro praticamente inexistia. O restante da família que ficara se resumia em cinco irmãos menores e uma pessoa adulta – sua mãe; sendo que todos, atualmente, sem renda. O dinheiro para sustento, que parca e eventualmente existia, provinha daqueles que estavam a pelejar fora, vindo de serviços e de ocupações temporárias. Ninguém detinha emprego fixo e de carteira assinada. Suas profissões são aquelas mais básicas: pedreiro, pintor, eletricista, etc. Nesta época que dista do tempo presente por décadas, o valor para a hora ou o dia trabalhado era muito irrisório. A sobra, retirados os gastos para sobrevivência deles próprios, era mínima.

    Um calçado, uma calça curta, uma camiseta de manga, uma meia rota e um suspensório emprestado. Um vestuário vulgar e pouca coisa mais; o resto improvisava-se. As coisas estavam difíceis. O alimento, quando tinha, era muito básico. Buzinga compensava, já aos seis anos, vendendo leite de porta em porta; antes disso, quando seu pai ainda não tinha ido embora, carregava tijolos como ajudante nas obras em que ele pegava.

    Não havia pagamento em dinheiro no trabalho de entrega de leite; na volta, para devolução do vasilhame ao dono, ele recompensava com alguns litros de um líquido azedo, subproduto do leite que chamava de sorão. Era normalmente – naquela época, reforçado para engorda de animais, mas que Buzinga bebia com prazer. Questão de sobrevivência.

    O dono da leiteria nem sempre lhe dava esta oportunidade de entregar leite; nesta situação, as coisas apertavam um pouco mais para Buzinga; aí ele testava sua paciência indo bater às portas de uma casa de ajuda dirigida por uma irmandade de freiras. Neste local, em alguns dias da semana, elas serviam uma sopa rala de legumes reforçada por um pouco de macarrão. A questão da paciência se justifica pela exigência delas a de que todos os beneficiados deveriam aprender, e na sequência, a cantar alguns hinos religiosos. A que Buzinga recorda-se com um misto de saudade e riso era ter que responder, num formato de canto, a algumas perguntas formuladas pelas freiras no salão de refeição. Estas cantilenas era em homenagem ao santo católico São Francisco de Assis. Uma destas perguntas repetitivas de maior ênfase se dava no grande salão de refeição quando da passagem do enorme caldeirão de sopa que desfilava por entre as mesas com todas as pompas ladeado pelas freiras, elas então perguntavam em alto e bom som São Francisco de Assis? e o público presente faminto, quase todos crianças de baixa idade, respondiam juntas, no máximo que suas pequenas gargantas permitiam esperar a sopa. E assim prosseguia como num mantra o ritual a repetir estas frases.

    E se por acaso, mesmo assim, barrassem a sua entrada por conta das roupas e da aparência não serem dignas dos demais e do ambiente, Buzinga, junto com seu amigo passarinho, checavam as latas de lixo de duas conhecidas lojas de sorveteria, buscando encontrar sobras das embalagens feitas de material comestível onde as bolas de sorvete eram servidas.

    Assim Buzinga ia levando o período da sua minha primeira infância; driblando a miséria e a fome do jeito que podia; esforço necessário para, nos seus poucos anos de idade e muita imaginação, sobreviver nestes tempos duros.

    Mas neste dia, por ser domingo, psicologicamente sentia-se diferente; a começar pelo uso da única roupa decente existente, e assim, todo arrumadinho, partir para missa.

    Não entendia muito todo aquele ritual que se desenrolava no piso mais elevado e a frente da nave da igreja, tendo como personagem principal o padre e alguns meninos que o auxiliavam. Se acomodava entre dois irmãos, duas irmãs e sua mãe num dos muitos bancos de madeira. E aí começava o teatro ditado pelo mestre de cerimonias: senta, levanta, música, sinos, instrumento musical, incensos, balançar de castiçais, filas, entrega de hóstias e cumprimentos. Fim.

    De volta à sua rua, era comum estar fervilhando de gente. Muito disso era devido aos fregueses da venda do seu João Coito. Os habituais compradores se juntavam aos cachaceiros de fim de semana. Ficava bem defronte a minha casa. Brigas feias aconteciam por ali por conta de discussões que Buzinga não saberia explicar, mas que muito era pelo excesso de bebida.

    Mas hoje existia uma certa dose extra por ali; tinha um fotógrafo agregando valor à movimentação local. Com a chegada da comitiva da família de Buzinga, e a conversa fiada do fotógrafo, a mãe de Buzinga se entusiasmou e colocou ele com suas duas irmãs para imortalizar a cena. E assim foi.

    Até hoje ao rever aquela foto, Buzinga se mostra com um ar de poucos amigos; zangado até. Possa ser que seja pela presença das proximidade de tantas pessoas a olharem e também a comentarem sobre a cena com um ar de riso nas faces. A foto foi na calçada, na frente da casa da família de Buzinga

    Uma dessas pessoas que prestava uma atenção genuína na cena, era o careca, filho do seu João Coito, herdeiro da venda – nome dado aos pequenos comércios que vendiam de quase tudo. Tinha alimentos secos – disposto em grande sacos de linhagem, enlatados, carnes desidratadas, bebidas, doces, roupas, calçados, chapéus, cintos, fumo de rolo, material de higiene, combustível como querosene e álcool. Seria quase que um minimercado com um balcão a separar

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