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Amor de Perdição
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Amor de Perdição

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Sobre este e-book

Amor de Perdição é o título de uma novela portuguesa de Camilo Castelo Branco, escrita em 1861 e adaptada em 1979. É o mais famoso romance do autor, um dos expoentes do romantismo em Portugal.

A redação dessa obra, sua maior novela passional, foi inspirada em factos reais, vividos pelo tio de Camilo Castelo Branco, Simão António Botelho, preso por homicídio na Cadeia da Relação do Porto.
A narrativa tem lugar na província portuguesa e em parte reflete as desventuras do autor que, na prisão por um ano sob a acusação de adultério," escrito em linha reta em pouco mais de uma quinzena ", a triste história de meu tio paterno Simão António Botelho "que" amava, estava perdido e morreu de amor. Esta é a história ".
Com a publicação deste trabalho, em 1862, Castelo Branco recebe a popularidade que, em sua opinião, não tentar - ao descrever seu romance, em um prefácio de 1879 (vinte anos depois da primeira edição), ele fala muito mal : perturbado, ao que parece, a partir do grande sucesso e com a interpretação corrente do romance de paixão "
IdiomaPortuguês
EditoraEx Libris
Data de lançamento25 de abr. de 2017
ISBN9788826078953

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    Camilo Castelo Branco escreve com a alma!

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Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco

Amor de Perdição

Camilo Castelo Branco

Introdução

Folheando os livros de antigos registros no cartório das cadeias da Relação do Porto, li, no das entradas dos presos de 1803 a 1805, pág. 232, o seguinte:

Simão António Botelho, que assim disse chamar-se, solteiro e estudante na Universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e residente na ocasião da sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito anos, filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco; estatura ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba preta, vestido com jaqueta azul, colete de fustão pintado e calça de pano pedrês.

À margem esquerda deste assento está escrito:

Foi para a Índia a 17 de Março de 1807.

Não fiaria demasiado na sensibilidade do leitor por achar que o degredo de um rapaz de dezoito anos lhe há de fazer dó.

Dezoito anos! O amanhecer dourado e escarlate da manhã da vida! As gentilezas do coração que ainda não sonha em frutos mas já se perde em devaneios no perfume das flores! Dezoito anos! O amor daquela idade! A passagem do seio da família, dos braços da mãe, dos beijos das irmãs, para as carícias mais doces da virgem, que se lhe abre de igual modo como flor da mesma estação e dos mesmos aromas, e à mesma hora da vida! Dezoito anos!.. E degredado da pátria, do amor e da família! Nunca mais ver o céu de Portugal, nem a mãe, nem a reabilitação, nem a dignidade, nem um amigo!.. É triste!

O leitor decerto se entristecia; e a leitora, se lhe dissessem em menos de uma linha a história daqueles dezoito anos, choraria!

Amou, perdeu-se e morreu amando.

É a história. E uma história assim conseguirá por ventura ouvi-la de olhos enxutos a mulher, a criatura mais bem formada das branduras da piedade que por vezes traz consigo do Céu um reflexo da divina misericórdia? Essa, a minha leitora, a carinhosa amiga de todos os infelizes, não choraria se eu lhe dissessem que o pobre rapaz perdeu a honra, a reabilitação, a pátria, a liberdade, as irmãs, a mãe, a vida, tudo… por amor da primeira mulher que o despertou do seu sonho de inocentes desejos?

Chorava, chorava!

Tomara eu saber dizer quanto doloroso sobressalto que me causaram aquelas linhas, procuradas

de propósito, e lidas com a amargura e o respeito e, ao mesmo tempo, ódio.

Ódio, sim... A seu tempo verão se é perdoável o ódio, ou se antes não me fora melhor abrir mão desde já de uma história que pode provocar a náusea aos frios julgadores do coração pelas sentenças que eu aqui disser contra a falsa virtude dos homens, feitos bárbaros, em nome da sua honra.

CAPÍTULO I

Domingos José Correia Botelho de Mesquita e Meneses, fidalgo de linhagem de uma das mais antigas casas de Vila Real de Trás-os-Montes, era, em 1779, juiz de fora de Cascais, e nesse mesmo ano casara com uma dama do paço, D. Rita Teresa Margarida Preciosa da Veiga Caldeirão Castelo Branco, filha de um capitão de cavalos, neta de outro, António de Azevedo Castelo Branco Pereira da Silva, tão notável pela sua hierarquia, como por um — naquele tempo famoso — livro que escrevera acerca da Arte da Guerra.

Dez anos de um amor não correspondido, mantiveram em Lisboa o bacharel provinciano. Para fazer-se amar da formosa dama de D. Maria I faltavam-lhe dotes físicos: Domingos Botelho era extremamente feio. Para se inculcar como partido conveniente à pretendente, faltavam-lhe bens de fortuna: os haveres dele não excediam os trinta mil cruzados em propriedades no Douro. Os dotes de espírito também não o recomendavam: era alcançadíssimo de inteligência, e granjeara entre os seus condiscípulos da Universidade o epíteto de «Brocas» com que ainda hoje os seus descendentes em Vila Real são conhecidos. Bem ou mal derivado, o epíteto Brocas vem de broa. Entenderam os académicos que a rudeza do seu condiscípulo procedia do muito pão de milho que ele ingerira na sua terra.

Mas Domingos Botelho devia ter uma vocação qualquer, e tinha: era um excelente flautista; e foi a tocar a flauta que se sustentou dois anos em Coimbra, durante os quais o seu pai lhe suspendeu as mesadas, porque os rendimentos da casa não chegaram para livrar um outro filho de um crime de morte (*).

[(*) Nota do Autor - Há vinte anos atrás, ouvi a história desse assassínio, assim contada: Era Quinta-Feira Santa. Marcos Botelho, irmão de Domingos, estava na festa de Endoenças, em S. Francisco, acompanhado por uma dama, namorada sua, e desleal dama que ela era. Noutro ponto da igreja estava, apontado em olhos e coração à mesma mulher, um alferes de infantaria. Marcos enfrentou o seu ciúme até ao final do ofício da missa. À saída do templo encarou o militar e provocou-o. O alferes tirou da espada, e o fidalgo do espadim. Terçaram as armas durante um longo tempo sem feridas nem sangue. Amigos de ambos os lados tinham conseguido aplacá-los, quando Luís Botelho, um outro irmão de Marcos, desfechou uma clavina no peito do alferes, e ali, à entrada da «rua do Jogo da Bola», matou-o. O homicida acabou por ficar livre por graça régia.]

Formara-se Domingos Botelho em 1767, e fora a Lisboa ler no Desembargo do Paço — iniciação banal dos que aspiravam à carreira da magistratura. Já Fernão Botelho, pai do bacharel, fora bem aceite em Lisboa, principalmente pelo duque de Aveiro, cuja estima lhe pôs a cabeça em risco, no golpe da tentativa regicida de 1758.

O provinciano saiu das masmorras da Junqueira ilibado da infame nódoa, e até ficou bem visto pelo conde de Oeiras, porque tomara parte na prova que este fizera do primor da sua genealogia contra a dos Pintos Coelhos do Bonjardim do Porto — litigio ridículo, mas estrondoso, movido pela recusa que o fidalgo portuense fizera da sua filha ao filho de Sebastião José de Carvalho.(*)

[(*) Sebastião José de Carvalho é o nome do conhecido Marquês do Pombal]

As artes com que o bacharel flautista fez para ganhar a estima de D. Maria I e Pedro III não as sei eu. Diz a tradição que o homem fazia rir a rainha com as suas graças, e porventura com os trejeitos que revelavam o melhor da sua personalidade. O certo é que Domingos Botelho passou a frequentar o paço e a receber do bolsinho da soberana uma farta pensão, com a qual o aspirante a juiz de fora se esqueceu de si, do futuro, e do ministro da justiça que, muito rogado, lhe confiou o encargo de juiz de fora de Cascais.

Já está dito que ele se atreveu aos amores do paço, não fazendo poesias como Luís de Camões ou Bernardim Ribeiro; mas namorando na sua prosa provinciana, e captando a benevolência da rainha para amolecer as durezas da dama de companhia desta, a sua pretendente. Devia de ser, afinal, feliz o «doutor bexiga» — como era na corte conhecido — para se não desconcertar a discórdia que existe entre o talento e a felicidade.

Domingos Botelho casou com D. Rita Preciosa. Rita era uma formosura, que ainda aos cinquenta anos se podia prezar de o ser. E não tinha outro dote, pois não é dote uma série de antepassados, uns bispos, outros generais, e entre estes aquele que morrera queimado dentro de um caldeirão à mão dos mouros; glória, na verdade, um pouco ardente; mas de tal modo lembrada que os descendentes do general frito passaram a chamar-se Caldeirões.

A dama do paço foi feliz com o marido. Molestavam-na, no entanto, saudades da corte, das pompas das câmaras reais, e dos luxos e dos hábitos que imolou dos caprichos da rainha. Este desgostoso viver, porém, não impediu que se reproduzissem dois filhos e três meninas. O mais velho era Manuel, o segundo Simão; das meninas uma era Maria, a segunda Ana, e a última tinha o nome da sua mãe, e alguns traços da beleza dela.

O juiz de fora de Cascais, solicitando lugar de mais graduado banco, morava em Lisboa, na freguesia da Ajuda, em 1784. Neste ano nasceu Simão, o penúltimo dos seus filhos. Conseguiu então ele, sempre gracejado pela sorte, transferência para Vila Real, a sua ambição suprema.

À distância de uma légua de Vila Real estava toda a nobreza da vila à espera do seu conterrâneo. Cada família tinha a sua liteira com o brasão da respetiva casa. A dos Correias de Mesquita era a mais antiquada no feitio, e as vestes dos criados as mais usadas e desgastadas que figuravam na comitiva.

D. Rita, avistando a fila das liteiras, ajustou ao olho direito a sua grande luneta de ouro, e disse:

—      Ó Meneses, o que é aquilo?

—      São os nossos amigos e parentes que nos vêm esperar.

—      Em que século estamos nós nesta montanha? — disse a dama do paço.

—      Em que século? O século tanto é dezoito aqui como em Lisboa.

—      Ah! sim? Julgo que o tempo aqui parou no século doze...

Por alguma razão, o marido achou que devia rir-se do gracejo, apesar deste não lisonjear grandemente.

Fernão Botelho, pai do juiz de fora, pôs-se à frente da procissão para dar a mão à nora, que saia da liteira, para a conduzir até casa.

D. Rita, antes de ver a cara do seu sogro, contemplou-lhe a olho armado as fivelas de aço, e a bolsa do rabicho. Disse ela depois que os fidalgos de Vila Real andavam mais imundos que os carvoeiros de Lisboa. Antes de entrar na antiga liteira do seu sogro, perguntou, com a mais refalsada seriedade, se não haveria risco em ir dentro daquela antiguidade. Fernão Botelho assegurou a sua nora que a sua liteira não tinha ainda cem anos, e que os cavalos não excediam os trinta anos.

O modo altivo com que ela recebeu as cortesias da nobreza — a velha nobreza que para ali viera nos tempo de D. Dinis, fundador da vila — fez com que o mais novo daquele grupo, que só tinha doze anos, me contasse a depois: «Sabíamos que ela era dama de companhia de D. Maria I; porém, com soberba com que nos tratou julgar-se-ia que estávamos perante a própria rainha.»

Repicaram os sinos da terra, quando a comitiva passou pela igreja da Senhora de Almodena. D. Rita disse ao marido que a receção dos sinos era a mais estrondosa e barata que já tinha visto.

Pararam à porta da velha casa de Fernão Botelho. A aia do paço passou os olhos pela fachada do edifício, e disse para si mesma: «Que bonito chiqueiro para quem foi criada nos palácios de Mafra e Sintra, da Bemposta e de Queluz.»

Decorridos alguns dias, D. Rita disse ao marido que tinha medo de vir a ser devorada por ratazanas; que aquela casa era um covil de feras; que os tetos estavam prestes a desabar; que as paredes não resistiriam ao Inverno; que os preceitos da uniformidade conjugal (*) obrigavam a morrer de frio uma esposa delicada e afeita às almofadas do palácio dos reis.

[(*) O quarto e a cama do casal]

Domingos Botelho conformou-se com a estremecida companheira e mandou construir um palacete. Escassamente lhe chegavam os recursos para os alicerces mas escreveu à rainha, e obteve um generoso subsídio com que acabou de construir a casa. As varandas das janelas foram a última dádiva que a real viúva fez à sua dama de companhia. Quer-nos parecer que a dádiva é um testemunho, até agora inédito, da demência da Senhora D. Maria I.

Domingos Botelho mandara esculpir em Lisboa a pedra de armas; D. Rita, porém, teimara que no escudo se esquartejassem também as suas; mas era tarde, porque já a obra tinha vindo do escultor, e o magistrado não podia com a segunda despesa, nem queria desgostar o seu pai, orgulhoso do seu brasão. Resultou daqui ficar a casa sem armas e D. Rita vitoriosa (*).

[(*)Nota do Autor – A referida cada é a casa-palacete da «Rua da Piedade», hoje pertencente ao doutor António Gerardo Monteiro.]

O juiz de fora tinha ali parentes ilustres. O aprumo da fidalga dobrou-se até aos grandes da província, ou antes houve por bem levantá-los até ela. D. Rita tinha uma corte de primos, uns que se contentavam poe serem primos, outros que invejavam a sorte do marido. O mais audacioso não ousava olha-la para o rosto, quando o ela remirava com a luneta em jeito de tanta altivez e zombaria, que não será incorreto dizer que a luneta de Rita Preciosa era a mais vigilante sentinela da sua virtude.

Domingos Botelho desconfiava da eficácia dos merecimentos próprios para cabalmente encher o coração da sua mulher. Inquietava-o o ciúme; mas sufocava os suspiros, receando que Rita se desse por injuriada da suspeita. E razão era que se ofendesse. A neta do general frito no caldeirão sarraceno ria dos primos, que, por amor dela, se eriçavam e empoavam as cabeleiras com desgracioso esmero, e cavaleavam estrepitosamente na calçada os seus cavalos, fingindo que os picadores da província não desconheciam as graças hípicas do marquês de Marialva.

Não pensava assim, porém, o juiz de fora. O intriguista que lhe trazia o espírito em ânsias era o espelho. Via-se sinceramente feio, e via a Rita cada vez mais bela, e mais enfadada nos tratos íntimos. Nenhum exemplo da história antiga, exemplo de amor sem quebra entre o esposo deforme e a esposa linda, lhe ocorria. Um só lhe mortificava a memória, e esse, desde que fosse fábula, era-lhe avesso, e vinha a ser o casamento de Vénus e Vulcano. Lembravam-lhe as redes que o ferreiro coxo fabricava para apanhar os deuses adúlteros, e assombrava-se da paciência daquele marido. (*)

[(*) De acordo com a mitologia grega, Vénus, a deusa da beleza, escolheu Vulcano, o deus do fogo e da forja, para marido, mas traia-o constantemente com Marte, o deus da guerra, mas belo e mais forte.]

Entre si, dizia ele que, erguido o véu da perfídia, nem se queixaria a Júpiter, nem armaria ratoeiras aos primos. A par do bacamarte (*) de Luís Botelho, que passara em terra o alferes, estava uma fileira de armas em que o juiz de fora era entendido com muito superior inteligência à que revelava na compreensão do Digesto e das Ordenações do Reino.

[(*) Um Bacamarte (do francês braquemart) é uma arma de fogo curta, de cano largo e curto]

Este viver de sobressaltos durou seis anos, ou talvez mais. O juiz de fora suplicou os seus amigos a transferência, e conseguiu mais do que ambicionava: foi nomeado provedor de Lamego. Rita Preciosa deixou saudades em Vila Real, e duradoura memória da sua soberba, formosura e graças de espírito. O marido também deixou anedotas que ainda hoje se repetem. Duas contarei somente para não enfadar: Acontecera um lavrador mandar-lhe de presente uma vitela, e com ela foi também a vaca, sua mãe, para que a vitela fosse lá ter sem luta. Assim que viu as duas, Domingos Botelho mandou recolher a vitela e a

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