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'Bergoglio é outro modelo de Igreja'

Vaticanista diz que Papa mandou mensagens claras de que não será um monarca absoluto

Marco Politi, vaticanista, fala sobre o Papa Francisco -
Foto: Deborah Berlinck
Marco Politi, vaticanista, fala sobre o Papa Francisco - Foto: Deborah Berlinck

CIDADE DO VATICANO Autor de vários livros sobre o Vaticano, o mais recente “Joseph Ratizinger, a crise de um Papado” , o jornalista Marco Politi, um dos vaticanistas mais respeitados de Roma, contesta quem diz que o Papa Francisco tem apenas um estilo diferente dos outros. Para ele, o argentino vai marcar o fim de uma era de Papas monárquico-imperialistas. Vozes críticas surgiram entre os laicos, e o Papa vai enfrentar fortes resistências no Vaticano com o tempo, prevê. “Não querem reconhecer a virada”, diz Politi.

Quatro meses depois de eleito, em que este Papa é diferente?

Ele tem um aspecto comunicativo, carismático. É um homem que consegue transmitir aos crentes e não crentes a importância da fé, não como dogma ou doutrina, mas sim como modo de vida e valores caracterizados pela misericórdia, ternura, humanidade. É um Papa político. Na composição do conselho de oito cardeais (que vai propor uma reforma da Cúria Romana) ele escolheu todas as correntes da Igreja: tem progressista como Oscar Andrés Maradiaga (cardeal-arcebispo de Honduras), mas também o cardeal conservador George Pell, da Australia, e um centrista ligado à Ratzinger, como o cardeal Reinhard Marx (da Alemanha). O Papa poderá sempre justificar decisões dizendo: foram tomadas por todos.

Nesta busca de consenso, vai conseguir reformar a Cúria ?

Temos que ver quem será o Secretário de Estado (o homem que administra o Vaticano).

Tem candidato?

Os candidatos são os cardeais Giuseppe Bertello (presidente do governo da cidade do Vaticano), Fernando Filoni (prefeito da Congregação para Evangelização dos Povos) e Pietro Parolin, que pode até se tornar ministro das Relações Exteriores. Reorganizar a Cúria e fazer a reforma do banco do Vaticano é uma questão técnica. Não é difícil. O mais difícil e mais ambicioso vai ser reorganizar a Igreja globalmente como instituição. O Papa não quer mais uma Igreja monárquica-imperial, mas sim uma Igreja comunitária guiada colegialmente pelo Papa junto com os bispos. Para ele, acabou o tempo em que a Igreja é guiada por um imperador, um monarca absoluto.

Era o caso de Ratzinger?

Era o caso de todos os Papas. A estrutura da Igreja, independentemente da personalidade do Papa, sempre foi monárquica-imperial. Ao renunciar aos símbolos, como o manto e os sapatos vermelhos, e adotar a cruz de ferro, ele não faz gestos apenas populistas. É um gesto político.

O senhor está convencido de que ele é um Papa revolucionário?

Ele abriu uma revolução. Não sei como vai acabar, mas abriu o processo. Pode acabar como Franklin Roosevelt, que fez o New Deal (série de reformas econômicas depois da grande depressão dos anos 30), ou como a Perestroika (reforma que resultou na dissolução da União Soviética) de Mikhail Gorbatchev, que foi um fracasso. Porque haverá resistências. Ouvi alguém da Igreja romana dizendo a um amigo: “espero morrer católico” ou “espero que Francisco deixe ao sucessor a possibilidade de ainda ser Papa”. São comentários anônimos, mas muito duros.

Há resistência dentro do Vaticano?

Há uma resistência que ainda não se mostra publicamente e que até agora tem sido manifestada por vozes laicas e jornalistas. Acusam o Papa de pauperismo, populismo e demagogia. Os homens da Igreja estão calados, mas vamos assistir a fortes resistências.

Bergoglio tem a força para mudar?

Quando decapitou o comando do banco do Vaticano, ele demonstrou ser rápido na decisão, que tomou 48 horas logo após o escândalo Scarano.

Ele é diferente de Ratzinger, não?

É muito diferente de Ratzinger. Mas também de João Paulo II, que era humano como ele, mas era um imperador. Por isso digo: Bergoglio é um outro modelo da Igreja. Não se apresenta nunca como Papa ou imperador, se apresenta como Bispo de Roma e sacerdote. Na homilia, fala de pé, em vez de estar sentado no trono. Isso tem uma simbologia diferente. Karol Wojtyla não mudou a estrutura de monarquia absoluta do Papado. Numa entrevista à mim em 2004, Ratzinger disse que a Igreja no mundo moderno não podia ser governada de forma monárquica. Entendeu o problema como intelectual. Mas não tinha a força e o temperamento político para mudar.

Do ponto de vista dogmático e doutrinário, dizem que Bergoglio é igual aos outros, pois não haverá um Papa que aceitará casamento de homosexuais. O que o senhor diz sobre isso?

Em relação à doutrina, ele é totalmente tradicionalista. Mas já fez um mudança: não usa elementos doutrinários nas questões do aborto ou dos casais homosexuais como um instrumento de intervenção política. Ratzinger chamava a defesa da vida, da concepção, do casamento entre homem e mulher de “princípios não negociáveis”. Bergoglio continua contra o aborto e o matrimônio gay. Mas para ele isso é um elemento de convicção da fé, e não de luta ou interferência política. É uma mudança interessante.

Ratzinger era um intelectual de muitas publicações. Já Bergoglio quase não publicou. O que se pode dizer de sua visão de mundo ?

De fato, não era conhecido fora da Argentina. Mas ele, que não era grande intelectual, teólogo ou pregador, mandou mensagens muito precisas sobre a relação entre cristianismo e sociedade desde o primeiro momento de sua eleição. Por trás de cada palavra sua, tem um código, uma mensagem. Eleito, disse “boa noite”. Significa que se colocou no mesmo nível de quem o escuta.

Por ser mais próximo das pessoas e mais político, é o Papa certo para este momento atual de protestos no Brasil e no mundo?

Bergoglio é o Papa não-Papa, que interpreta muito bem a situação de crise do mundo contemporâneo.