Zeina Latif
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Zeina Latif
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Zeina Latif

Economista


RESUMO

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GERADO EM: 10/07/2024 - 04:01

Renovação política e perigos do populismo

A decepção dos eleitores com o populismo leva a busca por renovação na política, com destaque para as eleições na Europa e no Brasil. O artigo aborda a necessidade de evitar discursos populistas reacionários, buscando soluções efetivas para os problemas sociais e políticos. A importância da inclusão e do debate democrático são ressaltadas, enquanto se alerta para os perigos do conflito polarizado na sociedade.

O embate entre esquerda e direita não parece ser a melhor forma de analisar o cenário político no mundo – e tampouco no Brasil, onde a diferença programática entre os partidos é opaca e as classes populares desconfiam das elites.

Nas últimas eleições parlamentares na Europa, prevaleceu o desejo de mudança por conta da decepção de eleitores com os governantes, acrescido do sentimento de vulnerabilidade diante de temas diversos, como questões ambientais, geopolíticas e de empregabilidade dos trabalhadores pelo uso de novas tecnologias.

Há muita inquietação, inclusive com apelo para o populismo, e não exatamente simpatia pela esquerda.

No Reino Unido, os Trabalhistas derrotaram o Partido Conservador de forma esmagadora, após 14 anos de governo. Não sem razão. Ficou claro para a sociedade o alto custo econômico do Brexit, quadro agravado pela inflação alta e pela insatisfação com a saúde pública na Inglaterra.

O discurso de Rishi Sunak, ao deixar o cargo de primeiro-ministro, por sua vez, foi sensato por não negar os problemas e evitar maior polarização. Ele disse: “Os britânicos demonstraram que o governo do Reino Unido tem de mudar e o seu julgamento é o único que importa. Ouvi a raiva de vocês, a sua desilusão e assumo a responsabilidade por esta derrota”.

Já na França, o quadro é bem difícil. A frente de esquerda ganhou, mas a votação bastante pulverizada entre os partidos traz muitas incertezas e dificulta a vida do presidente Emmanuel Macron. Ele ficou ainda mais enfraquecido, sendo que muitos o acusam de isolamento e de cometer erro estratégico ao antecipar o pleito, que seria mais um sinal de distância do eleitorado. Sua resposta foi o silêncio.

Em que pese o aumento do apoio ao partido de extrema-direita Reform UK, do Reino Unido, o terreno fértil para o populismo é maior na França, e revelou-se com o crescimento da ultradireita de Marine Le Pen, apesar da derrota de seu partido, o Reunião Nacional, enquanto a vitoriosa Nova Frente Popular incluiu a extrema-esquerda.

O crescimento do populismo não necessariamente irá se traduzir em ameaça à democracia – nessa direção, Le Pen busca atenuar seu discurso extremista, visando à maior competitividade eleitoral adiante –, mas esse tampouco seria um bom caminho.

Alguns acreditam que o populismo não é necessariamente algo ruim, como Thomás Zicman de Barros e Miguel Lago. Os autores distinguem o que chamam de populismo inclusivo e o reacionário. O primeiro pode transformar positivamente as instituições, tendo característica emancipadora para aqueles “subalternizados” que sofrem com as desigualdades, sendo sua inclusão na agenda política um fator a reforçar a democracia liberal. Já o segundo se utiliza de discursos de intolerância e ameaça a democracia liberal.

Para os autores, diante das incertezas e percepções de vulnerabilidade, as pessoas podem ser seduzidas por discursos que prometem certezas e segurança; é o que oferece o populismo reacionário, que aponta culpados e inimigos. O emancipador questiona estruturas de dominação e busca maior inclusão, apontando “pontos cegos” que demandam ampliação de direitos.

Sem entrar na discussão sobre os perfis do populismo de Lula e de Bolsonaro, que é o objetivo central do livro, entendo que líderes populistas podem até cumprir importante papel de questionar o status quo no debate político. Resolver os problemas de forma efetiva é outra conversa.

No Brasil, país marcado pelo patrimonialismo e muitas desigualdades de oportunidade, o questionamento das instituições extrativistas se faz ainda mais necessário, mas poucos líderes o fazem. E alguma dose de antagonismo, apontando segmentos privilegiados, é compreensível como parte do jogo democrático, onde precisa haver o espaço para o conflito de ideias.

Tratar, porém, a divergência como embate entre inimigos, alimentando a cisão da sociedade, pode inviabilizar a busca de soluções majoritárias. É falsa a promessa de que a eliminação dos “culpados” resolverá os problemas. Além disso, se encarece a barganha política no parlamento. Entre essas e outras é que o Centrão aumenta seu poder e o enfrentamento dos dilemas é procrastinado.

O populismo não entregou o prometido, vida digna a todos e prosperidade. Melhor buscar o caminho da maior concorrência e renovação da política. Há bons exemplos no mundo.

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