Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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O Tribunal de Contas da União (TCU) retomará na próxima quarta-feira um processo para decidir se o presidente Lula terá de devolver um relógio de R$ 60 mil presenteado pela grife francesa Cartier em 2005, no seu primeiro mandato. O destino da peça já divide o plenário antes mesmo do julgamento, apesar de um parecer da área técnica defender que o presente permaneça com o petista.

A discussão ocorre pouco mais de um mês após a Polícia Federal (PF) indiciar o ex-presidente Jair Bolsonaro no inquérito das joias por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. O esquema, segundo a PF, se deu pelo desvio de presentes recebidos por Bolsonaro que deveriam permanecer com a União para vendê-los no exterior. Para a PF, tudo foi orquestrado sob ordens do ex-presidente.

O relógio de Lula, um Cartier Santos Dumont, foi dado de presente pelo próprio fabricante durante uma visita oficial a Paris, para as celebrações do Ano do Brasil na França, iniciativa dos dois governos para promover relações bilaterais. A peça é feita de ouro branco 16 quilates e prata de 750.

A questão chegou ao Tribunal de Contas da União por uma representação do deputado federal bolsonarista Sanderson (PL-RS).

De acordo com o parecer dos técnicos da corte de contas, Lula não deve ser obrigado a devolver a peça porque, na época em que o presente foi recebido, não havia ainda a regra que diz que o presidente da República só pode levar para casa após o final do mandato os chamados "itens personalíssimos"- peças de uso pessoal e baixo valor.

O relator, Antonio Anastasia, vai apresentar seu voto na quarta-feira.

A questão que divide o colegiado neste caso diz respeito à repercussão que a posição do TCU pode ter no processo que corre no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as joias sauditas recebidas por Bolsonaro. Isso porque, ao final, a avaliação que for feita no julgamento do caso de Lula pode valer também para Bolsonaro.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) ainda não se pronunciou sobre o indiciamento pela Polícia Federal e o caso ainda está longe de ser julgado.

De um lado, os ministros temem que uma decisão liberando Lula para ficar com o relógio possa vir a ser usada pela defesa de Bolsonaro no Supremo. De outro, mandar Lula devolver a peça pode render acusações de uso político e criar conflito com o Palácio do Planalto.

Como publicamos no blog na última sexta-feira (2), a defesa de Bolsonaro solicitou à PGR o arquivamento do caso das joias usando relógios de Lula como exemplo. Na petição, os advogados pedem que seja dado ao ex-presidente o mesmo tratamento do petista, além de reclamar que o Supremo deveria ter esperado o TCU se posicionar também a respeito das joias de Bolsonaro para tomar sua própria decisão.

Nos bastidores, os ministros da corte de contas avaliam que é muito difícil e improvável que o STF, em especial o relator do processo, Alexandre de Moraes, seja influenciado por uma decisão do TCU, qualquer que seja.

No âmbito judicial, o ministro do STF Alexandre de Moraes arquivou uma representação de outro parlamentar bolsonarista, Rodrigo Valadares (União-SE), que pedia a abertura de uma investigação contra Lula por não constar no patrimônio da União o registro de um relógio Piaget, estimado em R$ 80 mil, dado de presente em 2005 pelo então presidente da França, Jacques Chirac, na mesma viagem em que o petista recebeu o Cartier de presente.

Moraes acatou o parecer do subprocurador Carlos Frederico Santos, que viu no pedido de Valadares um “viés político”.

O TCU decidiu no ano passado que presentes de alto valor, mesmo os que se enquadrem na classificação de “natureza personalíssima”, não podem fazer parte do acervo pessoal de presidentes e devem ser mantidos no patrimônio da União, o que forçou Bolsonaro a devolver itens que já haviam sido vendidos nos Estados Unidos. Mas o entendimento dos técnicos do TCU é de que essa jurisprudência não deve retroagir no caso de Lula.

Por esse motivo, um dos ministros do TCU afirmou, sob reserva, que o plenário se vê “entre a cruz e a espada”. Caso os ministros acatem o parecer, o bolsonarismo acusará o tribunal de não tratar o tema dos presentes de alto valor com isonomia. Se a corte determinar que Lula devolva o relógio, os magistrados assumirão o ônus de uma decisão política que ignora uma manifestação técnica.

O Piaget dado por Chirac já esteve na mira de bolsonaristas nas eleições de 2022, quando uma foto de Lula acenando para o público de um evento político em Niterói (RJ) acabou destacando o item de luxo. Na ocasião, o então candidato se disse surpreso com o valor do relógio e ironizou ao dizer que o bem “pagaria metade” de sua campanha presidencial.

Após o caso das joias sauditas vir à tona, os relógios que Lula ganhou de presente voltaram a ser explorados pela militância, mas dessa vez para defender o direito do ex-presidente de incluir os itens de luxo em seu patrimônio pessoal. Agora, o argumento integra formalmente a defesa do presidente na Justiça, reforçando a pressão sobre o TCU.

Em 2016, no contexto do impeachment de Dilma Rousseff, a corte instaurou um procedimento para investigar presentes dados à petista e a Lula ao longo de seus quatro mandatos e que não foram incorporados à União.

Na mesma época, o TCU regulamentou regras já previstas em diferentes leis e decretos para a definição dos objetos elegíveis para o acervo pessoal de ex-presidentes e daqueles que devem ser incorporados ao patrimônio brasileiro por meio de um acórdão que proibiu explicitamente a classificação de joias como itens “personalíssimos”, ou seja, que podem integrar o acervo pessoal de ex-presidentes.

Uma portaria de 2018 publicada pela Secretaria-Geral da Presidência no governo Michel Temer passou a incluir “joias, semijoias e bijuterias” entre os “bens de natureza personalíssima”. Mas a portaria foi revogada pelo próprio governo Jair Bolsonaro, em 2021, em linha com o acórdão do TCU de 2016.

Ainda assim, os advogados do ex-presidente sustentam que “a interpretação histórica” do texto de Temer merece ser levada em conta por fornecer “valioso insight sobre as diretrizes seguidas à época para garantir a integridade e a transparência na gestão de bens públicos”.

Como se vê, não é a situação de Bolsonaro – já indiciado pela PF e imerso em contradições – que constrange o TCU, mas sim o dilema de convencer a opinião pública de que Lula não receberá tratamento diferenciado pela Justiça.

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