O perigo de governar no varejo

Bolsonaro tem sinalizado que vai privilegiar negociações individuais e com bancadas

O Partido Social Liberal (PSL), de Jair Bolsonaro, surpreendeu e ampliou o número de membros na Câmara dos atuais 8 para 52 deputados federais. Apesar de se cacifar como a segunda maior bancada na próxima legislatura —logo atrás do PT, que alcançou 56 cadeiras—, os correligionários de Bolsonaro representarão pouco mais de 10% dos votos disponíveis.

Caso seja eleito, Bolsonaro terá diante de si o mesmo desafio de seus antecessores desde a redemocratização brasileira: já que seus partidos isoladamente são minoritários, precisam construir uma coalizão suficiente para garantir a aprovação de suas propostas legislativas. Para agravar sua situação, esse Congresso será o mais fragmentado dos últimos tempos. Além de contar com 30 partidos com representantes na Câmara, as maiores siglas (MDB, PT, PSDB) perderam peso, e os partidos do chamado Centrão aumentaram sua importância.

Àqueles que questionam a sua capacidade de lidar com esse problema de governabilidade, Bolsonaro tem dito que não pretende se aliar a determinados partidos por fisiologismo, e acena com negociações individuais de acordo com os temas em debate. Além disso, pretende contar com as bancadas temáticas para superar a lógica partidária. Aliás, duas das principais frentes parlamentares —as bancadas ruralista e evangélica— já fecharam questão com o líder das pesquisas.

A ideia de Bolsonaro faz sentido no seu discurso antissistema. A amplitude da base governista durante os mandatos de Lula e Dilma (mas também no de FHC) levou a denúncias de loteamento de cargos públicos, liberação enviesada do orçamento e corrupção em estatais. Abandonar a prática de conceder nacos do poder a determinados partidos, na base da “porteira fechada”, em troca de apoio em votações seria, na visão do capitão reformado, um novo modo de fazer política.

Com sete mandatos de experiência no Congresso, Bolsonaro sabe melhor do que ninguém que os partidos vêm perdendo seu poder no plenário diante da crescente influência das frentes parlamentares suprapartidárias. As bancadas ruralista, evangélica e da segurança pública (boi, Bíblia e bala) são a representação de um movimento que cresce a cada legislatura. No momento em que os grandes partidos perdem força diante do amorfo Centrão, Bolsonaro quer apostar nas negociações com os representantes desses grupos de interesses que controlam dezenas de deputados e senadores.

No entanto, deixar de governar no atacado — ou seja, compartilhando o poder com alguns partidos — para investir em negociações caso a caso, no varejo, com bancadas temáticas, tem riscos elevados.

Em primeiro lugar, essa estratégia exigirá grande habilidade e paciência de um eventual futuro presidente cujo histórico revela ser muito mais do confronto do que da conciliação. Passada a tradicional lua de mel dos primeiros cem dias de governo, cada movimento de peças no tabuleiro do Congresso será um teste para os supostos nervos de aço de Bolsonaro.

Negociar com as bancadas a cada votação também tem grandes problemas de coordenação. Ao contrário do que o senso comum supõe, os partidos no Brasil são disciplinados e fiéis ao posicionamento de seus líderes. As bancadas temáticas, contudo, só costumam fechar questão quando o assunto lhes traz benefícios concretos. Sendo assim, uma coisa é contar com os ruralistas para reformar o Código Florestal, por exemplo. Outra bem diferente é contar com sua unidade quando precisar aprovar a reforma da Previdência.

Por fim, há o custo fiscal e regulatório. Enquanto os partidos negociam para ter mais cargos e fatias do orçamento, bancadas que representam interesses cobram um preço diferente. Se são empresariais (como a ruralista), querem subsídios, renegociação de dívidas, crédito barato, regulação ambiental mais frouxa. Já as temáticas (religiosas ou da segurança) jogam visando a aprovação de suas pautas no campo dos costumes. E temos também as corporativas (como as de categorias do serviço público), sempre em busca de reserva de mercado e a manutenção de privilégios.

O Brasil precisa de um novo jeito de fazer política. Mas é preciso ter cuidado, pois sempre é possível piorar o que já não funciona bem.

 

Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras) e do blog “O E$pírito das Leis”.