O impeachment (impugna��o) � uma esp�cie de artefato nuclear da pol�tica. Ele est� l�, mas raramente � utilizado. No Brasil, h� apenas um caso registrado no plano federal, o de Fernando Collor de Mello, afastado em 1992.
Nos EUA, cuja tradi��o democr�tica � mais longa, remontando a 1789, o instituto foi iniciado formalmente 62 vezes no plano federal, apenas duas contra presidentes —Andrew Johnson (1868) e Bill Clinton (1999)—, ambos condenados pela C�mara, mas inocentados no Senado.
Richard Nixon renunciou em 1974 antes que a C�mara pudesse votar seu afastamento. As principais v�timas do procedimento nos EUA s�o ju�zes. Dos 19 pedidos que chegaram a ser julgados, 15 foram contra magistrados.
Sendo um evento raro, � natural que n�o receba muita aten��o de legisladores. No Brasil, o impeachment est� previsto nos artigos 85 e 86 da Constitui��o, mas, como a lei especial exigida pela Carta nunca foi aprovada, segue em vigor a lei n� 1.079, que data de 1950.
A 1.079 � uma lei anormalmente ruim, mesmo para os padr�es brasileiros. Para come�ar, ela define como crime de responsabilidade todos os "atos do Presidente da Rep�blica que atentarem contra a Constitui��o Federal" (art. 4�), abrindo flanco para todo tipo de extravag�ncia.
Nos artigos e cap�tulos subsequentes, ela pretende ser mais espec�fica, mencionando explicitamente 65 crimes de responsabilidade que podem ser cometidos por presidentes. Por vezes consegue reunir num s� artigo uma tipifica��o que faz sentido com uma reda��o que atenda aos requisitos da boa t�cnica legislativa, mas muitas vezes n�o.
Dispositivos que n�o significam nada abundam. O campe�o � o c�lebre "proceder de modo incompat�vel com a dignidade, a honra e o decoro do cargo" (art. 9�, 7). Ganha uma comenda presidencial de m�rito quem for capaz de definir objetivamente e sem margem a muita disputa o que significa "dignidade", "honra" e "decoro".
A frouxid�o nas tipifica��es se alastra por todo o diploma. Um dos mais vazios �: "negligenciar a arrecada��o das rendas, impostos e taxas" (art. 11, 5). Que diabos significa "negligenciar" aqui?
Por vezes, o defeito n�o est� na reda��o, mas no pr�prio conte�do da norma, que exige da autoridade coisas que n�o est�o sob seu controle: "permitir, de forma expressa ou t�cita, a infra��o de lei federal de ordem p�blica" (art. 8�, 7).
Mais controverso � o art. 7�, 9, que torna crime "violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no artigo 157 da Constitui��o". Como o dispositivo faz refer�ncia � aposentada Carta de 1946, n�o � certo que ele ainda vigore.
Mas, como a Constitui��o de 88 tamb�m tem cap�tulos dedicados a direitos individuais e sociais, n�o d� para afirmar peremptoriamente que n�o. E entre os direitos sociais elencados na atual Carta, vale lembrar, est�o normas program�ticas, como a de que o sal�rio m�nimo deve ser suficiente para "moradia, alimenta��o, educa��o, sa�de, lazer, vestu�rio, higiene, transporte e previd�ncia social", que n�o se tornar�o realidade t�o cedo.
� claro que, mesmo num julgamento pol�tico, como � o impeachment, uma acusa��o juridicamente bem fundamentada, baseada em tipifica��es mais precisas, ajuda. N�o � por outra raz�o que, no momento, a parte da oposi��o disposta a afastar a presidente se concentra na parte econ�mica da 1.079, que traz alguns dispositivos que servem para questionar as pedaladas fiscais.
Trata-se dos art. 10, 6, que veda "ordenar ou autorizar a abertura de cr�dito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei or�ament�ria ou na de cr�dito adicional ou com inobserv�ncia de prescri��o legal" e do 11, 2 e 3, que pro�bem, respectivamente, "abrir cr�dito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais" e "contrair empr�stimo, emitir moeda corrente ou ap�lices, ou efetuar opera��o de cr�dito sem autoriza��o legal".
Estrat�gias pol�ticas � parte, a verdade � que a 1.079 � t�o ampla e t�o vaga que todos os que se sentaram na cadeira presidencial desde 1950 poderiam ser acusados de violar algum de seus mandamentos. E apenas um dos mandat�rios sofreu de fato o impeachment. N�o por acaso ele enfrentava uma explosiva combina��o de crise pol�tica com ru�na econ�mica.
Uma hip�tese para explicar o fen�meno � considerar que as indetermina��es da 1.079 n�o sejam um acidente parlamentar, mas o resultado de um caso pensado. Isso faz mais sentido se olharmos de perto para a evolu��o do instituto do impeachment, que tem uma hist�ria recheada de ambiguidades.
Ele surgiu na Inglaterra medieval como um procedimento penal que permitia atingir autoridades. Como em caso de impeachment elas eram julgadas pelo Parlamento, e n�o pelas cortes, controladas pela Coroa, havia uma chance de os amigos do rei serem condenados.
� medida, por�m, que as institui��es foram se tornando melhores e mais impessoais, esse mecanismo foi perdendo o sentido. Foi usado esporadicamente na Inglaterra em algumas intrigas palacianas. Os americanos, por�m, decidiram reaviv�-lo no final do s�culo 18, adaptando-o para o sistema presidencialista. Deixaram bem claro, em primeiro lugar, que ele se aplicava tamb�m —e talvez principalmente— ao presidente.
A Constitu��o (art. 2, 4) reza: "O Presidente, o Vice-Presidente, e todos os funcion�rios civis dos Estados Unidos ser�o afastados de suas fun��es quando indiciados e condenados por trai��o, suborno, ou outros crimes de responsabilidade e contraven��es ("high crimes and misdemeanors")". � uma express�o curiosa, que abarca dos piores crimes a pequenos delitos.
Nos debates constitucionais travados � �poca fica mais ou menos claro que o impeachment � americana era menos um procedimento penal e mais um mecanismo pol�tico de o pa�s poder destituir certos mandat�rios. Benjamin Franklin chegou a afirmar que, historicamente, a maneira pela qual as pessoas se livravam de l�deres detest�veis era o assassinato.
O impeachment seria, portanto, uma alternativa mais civilizada. George Mason chegou a defender que a "m� administra��o" figurasse entre as raz�es para o impeachment, mas a posi��o mais conservadora, liderada por James Madison, acabou triunfando.
De qualquer maneira, os Pais Fundadores pareciam acreditar que a necessidade de o impeachment ser aprovado primeiro pela C�mara e, depois, pelo Senado, a� por maioria de 2/3, funcionava como contrapeso eficaz � imprecis�o dos delitos que podem motivar o pedido de afastamento. O pequeno n�mero de autoridades efetivamente julgadas e condenadas ao longo dos �ltimos dois s�culos —oito— parece dar raz�o a eles.
O Brasil, quando se tornou uma Rep�blica, basicamente reproduziu o instituto do impeachment reinventado pelos americanos. A 1.079 � uma vers�o longa e burocratizada da express�o "high crimes and misdemeanors" que figura na Constitui��o dos EUA.
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CAP�TULO I - DOS CRIMES CONTRA A EXIST�NCIA DA UNI�O
1) Provocar ou dar assist�ncia a governo estrangeiro a fazer guerra ou cometer hostilidade contra o Brasil
2) Tentar submeter a Uni�o ou algum Estado a dom�nio estrangeiro, ou dela separar do territ�rio nacional
3) Cometer hostilidade contra na��o estrangeira, expondo a Rep�blica ao perigo da guerra
4) Revelar segredos de neg�cios pol�ticos ou militares
5) Auxiliar na��o inimiga a fazer a guerra ou a cometer hostilidade contra o pa�s
6) Celebrar tratados que comprometam a dignidade da na��o
7) Violar a imunidade dos embaixadores ou ministros estrangeiros no Brasil
8) Declarar guerra, salvo os casos de invas�o ou agress�o, ou fazer a paz, sem autoriza��o do Congresso
9) N�o empregar contra o inimigo os meios de defesa que disp�e
10) Permitir, sem autoriza��o do Congresso, que for�as estrangeiras transitem pelo pa�s
11) Violar tratados feitos com na��es estrangeiras
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CAP�TULO II - DOS CRIMES CONTRA O LIVRE EXERC�CIO DOS PODERES
12) Tentar dissolver o Congresso, impedir ou tentar impedir seu funcionamento
13) Usar de viol�ncia, amea�a ou suborno para afastar ou coagir algum parlamentar
14) Violar as imunidades asseguradas aos membros do Legislativo
15) Permitir presen�a de for�a estrangeira no pa�s contrariando o Congresso
16) Opor-se ao livre exerc�cio do Poder Judici�rio
17) Usar de viol�ncia ou amea�a para constranger juiz, ou jurado, a proferir ou deixar de proferir decis�o
18) Praticar contra poderes estaduais ou municipais ato definido como crime neste artigo
19) Intervir em neg�cios peculiares aos Estados ou aos Munic�pios
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CAP�TULO III - DOS CRIMES CONTRA O EXERC�CIO DOS DIREITOS POL�TICOS
20) Impedir por viol�ncia, amea�a ou corrup��o, o livre exerc�cio do voto
21) Criar obst�culo ao livre exerc�cio das fun��es dos mes�rios eleitorais
22) Violar o escrut�nio de se��o eleitoral
23) Utilizar o poder federal para impedir a livre execu��o da lei eleitoral
24) Usar subordinados para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem
25) Subverter ou tentar subverter, com viol�ncia, a ordem pol�tica e social
26) Incitar militares � desobedi�ncia � lei ou infra��o � disciplina
27) Provocar animosidade entre classes armadas ou contra elas, ou delas contra civis
28) Violar qualquer direito ou garantia individual ou direitos sociais assegurados na Constitui��o
29) Tomar, durante o estado de s�tio, medidas de repress�o que excedam os limites da Constitui��o
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CAP�TULO IV - DOS CRIMES CONTRA A SEGURAN�A INTERNA
30) Tentar mudar por viol�ncia a forma de governo da Rep�blica
31) Tentar mudar por viol�ncia a Constitui��o ou alguma lei
32) Decretar o estado de s�tio n�o havendo como��o interna grave ou guerra
33) Praticar ou concorrer para que se perpetre crimes contra a seguran�a interna
34) N�o tomar provid�ncias para frustrar a execu��o desses crimes
35) Sair do pa�s sem autoriza��o do Congresso
36) Permitir a infra��o de lei federal de ordem p�blica
37) Deixar de tomar, nos prazos fixados, provid�ncias determinadas por lei ou tratado
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CAP�TULO V - DOS CRIMES CONTRA A PROBIDADE NA ADMINISTRA��O
38) Omitir ou retardar a
publica��o de leis e resolu��es do Legislativo ou atos do Executivo
39) N�o prestar contas do exerc�cio anterior ao Con-gresso dentro do prazo legal
40) N�o tornar efetiva a responsabilidade de subordinados em delitos funcionais ou atos contr�rios � Constitui��o
41) Expedir ordens contr�rias � Constitui��o
42) Infringir, no provimento dos cargos p�blicos, as normas legais
43) Usar de viol�ncia, amea�a ou suborno para coagir funcion�rio p�blico a proceder ilegalmente
44) Proceder de modo incompat�vel com a dig-nidade, a honra e o decoro
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CAP�TULO VI - DOS CRIMES CONTRA A LEI OR�AMENT�RIA
45) N�o apresentar ao Congresso a proposta do or�a-mento dentro do prazo legal
46) Exceder, sem autoriza��o legal, as verbas do or�amento
47) Fazer estorno de verbas
48) Infringir, patentemente, dispositivo da lei or�ament�ria
49) Deixar de ordenar a redu��o da d�vida quando esta ultrapassar o limite fixado pelo Senado
50) Abrir cr�dito fora dos limites fixados pelo Senado ou sem fundamento na lei or�ament�ria ou na de cr�dito adicional
51) Deixar de cancelar, amortizar ou constituir reserva para anular efeitos de opera��o de cr�dito feita com inobserv�ncia de limite
52) Deixar de promover a liquida��o integral de opera��o de cr�dito por antecipa��o de receita or�ament�ria
53) Promover, em desacordo com a lei, a realiza��o de opera��o de cr�dito com outros entes da Federa��o
54) Captar recursos a t�tulo de antecipa��o de receita de tributo ou contribui��o cujo fato gerador ainda n�o tenha ocorrido
55) Destinar recursos provenientes da emiss�o de t�tulos para finalidade diversa da prevista
56) Realizar ou receber transfer�ncia volunt�ria em desacordo com limite estabelecido em lei
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CAP�TULO VII - DOS CRIMES CONTRA EMPREGO DO DINHEIRO P�BLICO
57) Ordenar despesas n�o autorizadas por lei
58) Abrir cr�dito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais
59) Contrair empr�stimo, emitir moeda ou ap�lices ou efetuar opera��o de cr�dito sem autoriza��o legal
60) Alienar im�veis nacionais ou empenhar rendas p�blicas sem autoriza��o legal
61) Negligenciar a arrecada��o de impostos e taxas, bem como a conserva��o do patrim�nio
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CAP�TULO VIII - DOS CRIMES CONTRA O CUMPRIMENTO DAS DECIS�ES JUDICI�RIAS
62) Impedir o efeito dos atos, mandados ou decis�es do Judici�rio
63) Recusar o cumprimento das decis�es do Judici�rio
64) Deixar de atender a requisi��o de interven��o do STF ou do TSE
65) Impedir ou frustrar pagamento determinado por senten�a judici�ria