• Opini�o

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    S�RGIO EDUARDO FERRAZ

    Sistema pol�tico em maus len��is

    28/07/2016 02h00

    A crise pol�tica atual faz pensar em como lidamos com conflitos desde a independ�ncia do pa�s, h� quase 200 anos. A pol�tica brasileira nunca teve longos per�odos de estabilidade institucional.

    A imagem de um imp�rio pl�cido, fiado nas barbas de dom Pedro 2�, n�o resiste a um exame hist�rico mais minucioso do per�odo, marcado por d�cadas de enfrentamento, inclusive armados. Nos 49 anos de dura��o do segundo reinado (1840-1889), tivemos 37 gabinetes (conjunto de ministros de Estado), um a cada 14 ou 15 meses.

    A Rep�blica Velha (1889-1930) estabilizou o sistema � custa da oligarquiza��o dos Estados. A Revolu��o de 1930, uma ruptura chefiada por um dos atores da oligarquia precedente, o ga�cho Get�lio Vargas, vai descambar na ditadura do Estado Novo (1937-1945).

    O intervalo democr�tico de 1945 a 1964, vivido com a Guerra Fria ao fundo e o desapre�o generalizado pelas regras democr�ticas, termina em duradoura interven��o militar.
    A estabilidade, com competi��o e pluralismo, � exce��o. Talvez 1994-2013, um arco que vai da cria��o do real �s manifesta��es de junho, tenha sido um raro intervalo. O que levou � metamorfose rumo ao atual "salve-se quem puder"? Fatores estruturais ou conjunturais?

    Uma conjun��o dessas duas dimens�es. Provavelmente, a crise n�o explodiria, em modo catacl�smico, sem o fim do ciclo das commodities, que encerrou a fase de crescimento e distribui��o da renda. Nem sem os erros do primeiro mandato de Dilma Rousseff, que desorganizaram de vez a economia e o equil�brio fiscal e conduziram ao "estelionato" na virada para o segundo mandato, alienando � presidente o apoio da maioria de seus eleitores.

    Tamb�m n�o estar�amos nesse quiproqu� sem a in�pcia pol�tica da presidente afastada, sua tend�ncia ao insulamento tecnocr�tico, refrat�rio � negocia��o com a sociedade.
    Dificilmente a confus�o atingiria a escala alcan�ada sem que surgisse no Congresso a figura do deputado Eduardo Cunha. Al�m de romper com o governo e forjar agenda independente, de vi�s conservador, implodindo umas das condi��es cruciais do presidencialismo de coaliz�o (a tabelinha entre o Planalto e as chefias do Congresso), ofertou c�rebro a um imenso baixo clero.

    Por �bvio, as dificuldades n�o teriam se tornado agudas sem a Lava Jato e seus desdobramentos. Mas a opera��o, para se tornar intelig�vel, requer observa��o de duas dimens�es estruturais inscritas no sistema pol�tico brasileiro.

    O primeiro aspecto � o modo de financiamento de partidos e pol�ticos, respons�vel pelo completo descontrole da influ�ncia do poder econ�mico sobre a conquista de mandatos. O acesso aos contratos p�blicos, por meios ilegais, foi a moeda de troca nesse sistema de domin�ncia do dinheiro nas elei��es.

    Ao longo de d�cadas, isso alterou a paisagem da competi��o pol�tica e de sua "fauna", criando um vi�s favor�vel �queles pol�ticos capazes, por quaisquer vias, de levantar grandes somas e colocar seus mandatos a servi�o dos financiadores.

    O chamado "centr�o" e os partidos especializados na venda de apoio parlamentar t�m tudo a ver com essa situa��o.

    O outro aspecto estrutural foi o amadurecimento, a partir de 1988, dos sistemas de controles, centrados no Minist�rio P�blico e no Judici�rio, mas tamb�m em �rg�os internos ao Executivo (Pol�cia Federal, Controladoria Geral da Uni�o etc.), com forte "ethos" de independ�ncia e dom�nio de recursos de poder.

    As dimens�es estruturais do sistema eram como transatl�nticos navegando em potencial rota de colis�o. A emerg�ncia dos fatores contingentes fez com que o embate se consumasse. A crise resulta de sucessivas ondas s�smicas de choque decorrentes do abalroamento que segue seu curso. Os escombros j� est�o a nossa volta.

    Se os �rg�os judiciais e de controle continuarem com a m�o dominante, todo o sistema partid�rio desmoronar�, incapaz de resistir ao desvelamento de suas pr�ticas il�citas de levantar recursos.

    Como n�o constam na agenda do pa�s -nem nos anos petistas nem agora- altera��es das estruturas que permitiram a captura das elites pol�ticas pelo poder econ�mico, novas elei��es trar�o material igual ou ainda mais degradado. N�o se sabe se em algum momento esse "material" n�o lograr� engolfar, em revanche, o pr�prio sistema de controle. Antes, portanto, de vislumbrar a luz, a escurid�o talvez se adense.

    Por poucas que sejam as possibilidades imediatas de efetiva��o, s�o cruciais as reformas que enfrentem a rela��o prom�scua da atividade pol�tica com o dinheiro. Sem isso, os 20 anos dourados de estabilidade recente (1994-2013) restar�o mesmo como exce��o -ou como nostalgia em um perigoso cotidiano de decep��o com a pol�tica.

    S�RGIO EDUARDO FERRAZ, 52, � doutor em ci�ncia pol�tica pela USP e auditor do Tesouro da Secretaria da Fazenda de Pernambuco

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