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    'Meninas-bomba' desafiam ordens do Boko Haram e sobrevivem na Nig�ria

    DIONNE SEARCEY
    DO "NEW YORK TIMES", EM MAIDUGURI (NIG�RIA)

    26/10/2017 07h00

    As meninas n�o queriam matar ningu�m. Caminharam em sil�ncio por algum tempo, sentindo o peso dos explosivos amarrados em torno de suas cinturas e segurando firme os detonadores, tentando pensar em alguma maneira de escapar.

    "N�o sei como tirar isso de mim", Hadiza, 16, recorda ter pensado, ao partir para sua miss�o.

    "O que voc� vai fazer com a sua?", ela perguntou � menina de 12 anos de idade que caminhava ao lado dela, tamb�m vestindo uma bomba.

    "Vou ao campo de golfe e vou me explodir l�", a menina respondeu, desesperan�ada.

    As coisas estavam acontecendo r�pido demais. Depois de ser sequestrada pelo Boko Haram este ano, Hadiza foi interpelada por um dos combatentes da organiza��o terrorista, no campo em que estava prisioneira. Ele queria se "casar" com ela. A menina o rejeitou.

    "Voc� vai se arrepender disso", disse o combatente.

    Adam Ferguson/The New York Times.
    Hadiza, 16, foi recrutada como mulher-bomba ap�s se recusar a casar com terrorista do Boko Haram
    Hadiza, 16, foi recrutada como mulher-bomba ap�s se recusar a casar com terrorista do Boko Haram

    Poucos dias mais tarde, ela foi levada para ver um l�der da mil�cia. Ele lhe disse que ela iria para o lugar mais feliz que poderia imaginar. Hadiza achou que a enviariam de volta para casa. Mas ele estava falando do para�so.

    Vieram apanh�-la no meio da noite, ela disse, e amarraram um cintur�o de explosivos em torno de sua cintura. Depois ordenaram que ela e a menina de 12 anos fossem sozinhas, e a p�, at� um campo de refugiados nigerianos que fugiram da viol�ncia que a organiza��o extremista vem infligindo � regi�o.

    "Eu sabia que ia morrer e que ia matar outras pessoas tamb�m", recordou Hadiza. "N�o queria que isso acontecesse".

    O nordeste da Nig�ria, que vive seu oitavo ano de guerra com o Boko Haram, � uma regi�o que tem medo de suas pr�prias meninas.

    At� agora este ano, os terroristas executaram mais que o dobro dos atentados que realizaram em 2016, e os ataques n�o param.

    De acordo com a Unicef, mais de 110 crian�as foram usadas para executar atentados suicidas desde o come�o do ano —e pelo menos 76 delas eram meninas. A maioria das envolvidas tinha menos de 15 anos de idade. Uma menina se explodiu enquanto carregava um beb� nas costas.

    Houve atentados contra mesquitas, mercados, postos de controle, campos de refugiados e qualquer outro lugar onde pessoas se congreguem, aqui no centro da batalha contra o grupo terrorista.

    Um campo de polo foi alvo de m�ltiplos atentados. Trincheiras foram cavadas em torno da Universidade de Maiduguri, alvo frequente de atentados, na esperan�a de reduzir o n�mero de ataques.

    ALERTA

    O uso de crian�as se tornou t�o assustadoramente comum que as autoridades em �reas nas quais o Boko Haram opera est�o alertando a popula��o para o perigo de atentados executados por meninas.

    Um grande outdoor em Maiduguri —cidade nigeriana em que nasceu a organiza��o— pede pelo fim do terrorismo, e traz a imagem de uma menina com uma express�o feroz no rosto, olhos arregalados, explosivos amarrados ao peito, e agarrando firmemente o detonador.

    As autoridades est�o apelando publicamente aos pais que n�o entreguem seus filhos � mil�cia para que sejam usados em atentados, e as For�as Armadas est�o veiculando um v�deo no qual informam aos participantes de atentados que eles podem se render. A protagonista do v�deo � uma menina de 11 anos.

    "N�o permita que eles coloquem explosivos em voc�", diz a menina no v�deo. "� perigoso."

    A mensagem de servi�o p�blico retrata as crian�as envolvidas nos atentados e suas fam�lias como colaboradores do Boko Haram, simpatizantes da campanha de terrorismo da fac��o, ou v�timas de drogas e lavagem cerebral para que aceitem executar os ataques.

    Mas o "New York Times" localizou e entrevistou 18 meninas que foram enviadas em miss�es suicidas na Nig�ria. Seus relatos derrubam a narrativa que as autoridades costumam perpetuar.

    Longe de terem participado voluntariamente, as meninas descreveram ter sido sequestradas, e contaram que membros de suas fam�lias foram mortos nas opera��es em que foram capturadas.

    Todas as meninas relataram que militantes armados ataram cintur�es suicidas �s suas cinturas usando a for�a, ou colocaram bombas em suas m�os e as empurraram na dire��o de multid�es de pessoas.

    A maioria delas foi informada de que sua religi�o as compelia a executar as ordens. E todas elas resistiram, impedindo os ataques, ao implorar a cidad�os comuns ou �s autoridades que as ajudassem.

    Adam Ferguson/The New York Times.
    Aisha, 15, foi apanhada pelo Boko Haram ap�s fugir com o pai e o irm�o, que virou menino-bomba
    Aisha, 15, foi apanhada pelo Boko Haram ap�s fugir com o pai e o irm�o, que virou menino-bomba

    IRM�OS-BOMBA

    Aisha, 15, fugiu de sua casa em companhia do pai e do irm�o de dez anos, mas o Boko Haram os apanhou. Em seguida, combatentes mataram o pai dela e, logo depois, ela os viu amarrando uma bomba � cintura de seu irm�o, e colocando-o, sentado entre dois militantes, sobre uma moto que partiu em alta velocidade.

    Os dois militantes retornaram sem o menino, celebrando. O irm�ozinho dela havia explodido soldados em um quartel, algu�m lhe disse. Os militantes ordenaram que ela n�o chorasse pelo menino. "Ele matou pessoas m�s", disseram.

    Mais tarde, amarraram uma bomba � cintura dela e a instru�ram a caminhar na dire��o de um quartel.

    Como algumas das demais meninas, Aisha diz que considerou a hip�tese de caminhar para um lugar isolado e apertar o detonador, longe de outras pessoas, para evitar feri-las. Mas em lugar disso ela abordou alguns soldados e os convenceu a remover os explosivos de seu corpo, delicadamente.

    "Eu disse a eles que meu irm�o havia sido mandado para l� e que tinha matado alguns deles", ela disse. "Meu irm�o n�o era sensato a ponto de saber que n�o tinha obriga��o de obedecer. Ela era um menino pequeno".

    Outras meninas, cujos nomes completos n�o ser�o revelados por preocupa��o com sua seguran�a, contaram hist�rias semelhantes de terror, e de resist�ncia �s ordens.

    Adam Ferguson/The New York Times.
    Fatima, 17, foi orientada a se jogar no ch�o na frente dos soldados, mas ao chegar perto pediu socorro
    Fatima, 17, foi orientada a se jogar no ch�o na frente dos soldados, mas ao chegar perto pediu socorro

    RENDI��O

    Os militantes mandaram que Fatima A., 17, se jogasse no ch�o ao se aproximar dos soldados, mas ao chegar perto deles ela levantou as m�os e gritou o mais alto que p�de: "Vejam! Sou inocente! N�o sou parte deles! Fui for�ada a fazer isso!"

    Amina, 16, foi instru�da a explodir os fi�is que estavam orando em uma mesquita. Mas ao se aproximar deles, ela viu seu tio, que a ajudou a escapar em seguran�a.

    Os combatentes disseram a Hajja, 17, que esperasse at� encontrar uma grande multid�o de civis. Mas se ela visse um ou dois soldados antes disso, devia apertar o detonador, foi o que ordenaram. No entanto, quando encontrou um soldado, ela lhe mostrou a bomba. O soldado a conduziu a um campo aberto, onde gentilmente removeu os explosivos.

    Fati, 14, foi enviada como parte de um grupo que inclu�a nove outras meninas, cada qual instru�da a atingir um alvo separado. Ela foi direto a uma delegacia de pol�cia para pedir ajuda, segurando a sacola que continha a bomba que os militantes lhe deram. Os policiais gritaram e sa�ram correndo, ela contou. Mas por fim retornaram, instruindo-a a deixar a sacola em um descampado vizinho e se afastar dela.

    Maryam, 16, disse que foi ajudada por um velho que estava repousando � sombra de uma �rvore. Os dois se posicionaram a uma dist�ncia segura um do outro e conversaram aos gritos; ele queria ter certeza de que ela n�o pretendia apertar o bot�o e explodi-lo.

    Para essas e outras meninas, chegar perto das autoridades para pedir ajuda foi imensamente perigoso. Os soldados e civis dos postos de controle est�o em alerta geral contra pessoas suspeitas —e isso em geral significa qualquer mulher ou menina, a maioria das quais usam longos v�us e roupas capazes de encobrir um cintur�o de explosivos.

    Nos tr�s �ltimos meses de 2016, segundo a ONU, 13 meninas de entre 11 e 17 anos foram mortas por engano ao serem consideradas como terroristas suicidas.

    Adam Ferguson/The New York Times.
    Maimuma, 14, disse que se recusou a ser mais uma entre centenas de meninas-bomba do Boko Haram
    Maimuma, 14, disse que se recusou a ser mais uma entre centenas de meninas-bomba do Boko Haram

    RECUSA DE CASAMENTO

    A maioria das meninas entrevistadas, como Hadiza, disse que sua sele��o para executar atentados aconteceu depois que recusaram "casamento" com um combatente. H� anos os combatentes do Boko Haram for�am as meninas a "se casarem" com eles, um eufemismo para estupro, e �s vezes as engravidam.

    Muitas das meninas ecoaram o relato de Hadiza, dizendo que os militantes lhes haviam prometido o para�so, caso apertassem o bot�o do detonador. As meninas, quase todas envolvidas em atentados planejados nos �ltimos 12 meses, foram levadas de carro at� locais desertos, dos quais combatentes armados ficavam observando a dist�ncia sua caminhada em dire��o aos alvos.

    Maimuma, 14, que os militantes instru�ram a explodir sua bomba em meio a um grupo de soldados, disse que n�o queria se tornar mais uma das dezenas de meninas que se explodiram, e mataram inocentes no processo.

    Ela sabe que muita gente a v� como colaboradora do Boko Haram. Mas argumenta que ela e outras meninas em situa��o semelhante deveriam receber elogios por terem desafiado os militantes.

    "Algumas pessoas me veem como parte do Boko Haram", ela disse. "Outras me veem como hero�na".

    CONTRAOFENSIVA

    Nos �ltimos meses, os avan�os da Nig�ria contra o Boko Haram —com recaptura de territ�rios e a conquista de basti�es dos extremistas— come�aram a perder o �mpeto. Os combatentes da fac��o est�o realizando n�o s� mais atentados suicidas mas mais ataques t�ticos contra as for�as de seguran�a.

    Em junho, atacaram um comboio de soldados e policiais , e sequestraram diversas mulheres da pol�cia. No m�s seguinte, dispararam contra um comboio de trabalhadores petroleiros que tinha escolta militar, matando mais de 25 pessoas e sequestrando ge�logos da Universidade de Maiduguri.

    Agentes dos servi�os de intelig�ncia ocidentais dizem que os militantes est�o recapturando territ�rios que as for�as nigerianas haviam recuperado. Os Estados Unidos est�o preparando a venda de US$ 500 milh�es em avi�es de ataque e outros equipamentos para a Nig�ria, a fim de ajudar na luta.

    A situa��o humanit�ria na regi�o � grave, com quase dois milh�es de refugiados espalhados por quatro pa�ses, em fun��o da guerra, alguns dos quais vivendo na fome. Maiduguri est� lotada de fam�lias que fugiram de fazendas e comunidades pesqueiras na regi�o rural, e elas n�o t�m meios de subsist�ncia.

    Adam Ferguson/The New York Times.
    Nana, 13, disse que os militantes enrolaram o cinto em sua cintura e deixaram o detonador em sua m�o
    Nana, 13, disse que os militantes enrolaram o cinto em sua cintura e deixaram o detonador em sua m�o

    Muitas vivem em edifica��es deca�das ou choupanas recobertas de palha. Nas margens do rio Ngadda, um pequeno grupo de pessoas sobrevive se alimentando de peda�os de couro de vaca descartados pelos curtumes locais e tostados como comida.

    Agora, as organiza��es assistenciais est�o combatendo um surto de milhares de casos de c�lera, de acordo com trabalhadores assistenciais que operam na regi�o.

    A sucess�o incans�vel de atentados nos �ltimos meses, a maioria dos quais em torno de Maiduguri e do outro lado da fronteira com Camar�es, lan�a uma sombra assustadora sobre a vida na regi�o. S� no domingo (22), mais de uma d�zia de pessoas foram mortas em atentados a bomba.

    Nos �ltimos seis anos, as mulheres responderam pela maioria dos atentados suicidas do Boko Haram no nordeste da Nig�ria, Camar�es, N�ger e Chade, de acordo com um relat�rio divulgado em agosto pelo Centro de Combate ao Terrorismo de West Point.

    E � medida que o Boko Haram recorre cada vez mais a crian�as para executar seus ataques suicidas, a probabilidade de que use meninas para os ataques � quatro vezes superior � de que use meninos, de acordo com o relat�rio.

    "H� uma inquieta��o —as pessoas costumam mencionar que t�m medo de meninas e mulheres, em postos de controle, �reas movimentadas, nos campos de refugiados e na universidade", disse Harriet Dwyer, porta-voz da Unicef em Maiduguri. "Ao vermos esses incidentes acontecerem com mais frequ�ncia, o estigma e a suspeita se tornam muito dif�ceis de reconciliar".

    TRAUMA

    Os atentados t�m um custo psicol�gico pesado em Maiduguri, cidade que sob algumas estimativas viu sua popula��o dobrar com o influxo de fam�lias fugitivas que deixaram a �rea rural por medo do Boko Haram.

    Os atentados a campos de refugiados e mercados de forte movimento s�o repetidos. Os residentes suspeitam que a universidade seja alvo frequente por conta do �dio do Boko Haram � educa��o ocidental —um dos princ�pios fundadores do movimento. Pelo menos oito ataques contra a universidade foram realizados do come�o do ano para c�.

    Os ataques muitas vezes acontecem cedo pela manh�, o que leva muitos moradores a come�arem seus dias mais tarde ou a evitarem totalmente algumas �reas da cidade.

    Preocupadas com a possibilidade de serem alvo de tiros quando se aproximam dos postos de controle, muitas mulheres e meninas se agacham antes de chegar a eles, para convencer os soldados e milicianos civis de que n�o est�o usando coletes ou cintur�es explosivos.

    Para evitar suspeitas, algumas mulheres dizem que cuidam de tomar banho e de lavar suas roupas com frequ�ncia. A maioria das meninas usadas para atentados vivem em condi��es prec�rias na regi�o rural, e parecem sujas e "maltrapilhas", uma palavra que muitos moradores da cidade empregam para descrev�-las.

    Adam Ferguson/The New York Times.
    Amina, 16, foi instru�da a explodir os fi�is que oravam em uma mesquita, mas desistiu ao ver o tio
    Amina, 16, foi instru�da a explodir os fi�is que oravam em uma mesquita, mas desistiu ao ver o tio

    Uma moradora de Maiduguri, Fatima Seidu, 45, disse que sempre que v� meninas na rua, atravessa para o outro lado a fim de evit�-las.

    "Tenho medo das bombas, e medo de que algu�m me veja e fique com medo de mim", disse Seidu, cujo marido foi morto pelo Boko Haram. "Mas com sorte as pessoas talvez reparem na minha idade e tamb�m que estou usando roupas limpas".

    Hassan, membro de uma mil�cia civil da cidade, disse que quando mulheres e meninas se aproximam de seu posto de controle, ele as instrui a largar o que quer que estejam carregando. H� alguns meses, uma mulher n�o se deteve quando ele gritou instru��es para ela. Ele a viu erguer o detonador e apertar o bot�o, explodindo a bomba.

    "Tenho medo, quando vejo mulheres", ele disse.

    Fatima G., 19, a mulher de Hassan, disse ter sido sequestrada pelo Boko Haram, que a manteve prisioneira por seis meses e a for�ou a se casar com um combatente. Um dia, os militantes reuniram um grupo de mulheres ref�ns e as instru�ram a marchar diante deles, enquanto lhes gritavam ordens. Parecia ser alguma forma de teste de obedi�ncia, ela disse.

    N�o muito depois, um combatente a colocou na garupa de uma moto e partiu em alta velocidade para Maiduguri. No caminho, ele a informou de que ela realizaria uma miss�o suicida. Mas os dois esbarraram em um tiroteio entre soldados e combatentes da fac��o, e, na confus�o, Fatima G conseguiu escapar.

    Agora, em sua vida cotidiana em Maiduguri, ela tem medo de mulheres. "N�o � como se as pessoas usassem identifica��o", diz. "N�o h� como saber quem � quem".

    RECOME�O

    As meninas enviadas em miss�es suicidas e que escaparam agora tentam se enquadrar � vida dos adolescentes de Maiduguri. A maioria delas pinta as unhas, usa piercings no nariz e decora os p�s com tatuagens de hena. Os longos v�us que usam cobrem vestidos estampados, e cabelos enfeitados por tran�as.

    Quase toda sua educa��o foi interrompida pela guerra. Est�o �vidas por voltar � escola. Sonham se tornar professoras, m�dicas ou advogadas.

    Valorizam a religi�o e dizem que a insist�ncia do Boko Haram em que o islamismo aprova os atentados suicidas n�o as convence. Algumas acreditam que Deus as teria punido caso tivessem detonado acidentalmente as bombas que carregavam.

    Na maioria dos casos, as meninas n�o contaram a qualquer pessoa sobre suas miss�es, exceto o pessoal das for�as de seguran�a que as ajudou. Algumas delas nem mesmo contaram aos seus pais sobre as miss�es, com medo de rejei��o. As que o fizeram foram instru�das a parar de contar suas hist�rias, por medo de que sejam rotuladas como simpatizantes do Boko Haram.

    Os militantes �s vezes tentam iludir as meninas, na esperan�a de convenc�-las de que escapar�o ilesas dos atentados. Maimuma foi informada de que, no momento em que apertasse o bot�o do detonador, a bomba pularia de seu corpo e pousaria em meio � multid�o. Ela n�o acreditou, especialmente porque os combatentes prepararam seu cabelo com um penteado usado tradicionalmente em funerais.

    "Eu sabia muito bem que a bomba me mataria", ela disse.

    Adam Ferguson/The New York Times.
    Maryam, 16, foi ajudada por um homem. Aos gritos, ela tentava dizer que n�o iria atac�-lo
    Maryam, 16, foi ajudada por um homem. Aos gritos, ela tentava dizer que n�o iria atac�-lo

    Mas n�o havia muito que pudesse fazer. Os combatentes amarraram um cintur�o explosivo � sua cintura e a deixaram em uma rua, com a instru��o de caminhar por ela at� encontrar soldados. Ela foi instru�da a agir como mulher, a parecer atraente, a esperar at� que os soldados estivessem bem perto. E s� a� apertar o bot�o.

    Ela tentou manter a compostura at� que saiu da linha de vis�o dos combatentes. Os explosivos eram pesados, e o detonador —um aparelho parecido com um radinho— parecia quente em sua cintura, ela recordou. Ela queria tirar o cintur�o, mas estava apavorada, imaginando que tentar faz�-lo poderia causar uma detona��o.

    Come�ou a chorar. Alguns transeuntes a viram chorando na rua e se aproximaram. Ela disse que o Boko Haram havia amarrado uma bomba sob seu vestido. Eles sa�ram correndo. Outras pessoas se aproximaram, mas tamb�m fugiram quando ela os informou de seu problema.

    "As pessoas chegavam, uma a uma", contou Maimuma, quase rindo diante do macabro absurdo da cena. "Eu tentava correr atr�s delas, mas elas me diziam que, se eu me aproximasse, me matariam".

    Depois de alguns minutos, um grupo de soldados se aproximou e a instruiu a manter a dist�ncia e levantar as m�os. Um soldado caminhou at� ela e cautelosamente removeu os explosivos. A opera��o pareceu demorar a vida toda. Os bra�os dela, erguidos, do�am de cansa�o. Por fim, o cintur�o saiu.

    Maimuma inicialmente escondeu o acontecido de sua fam�lia e amigos, e tinha medo de terminar presa se as pessoas descobrissem. "Depois pensei comigo mesma que seria absurdo que me prendessem por ser obrigada a carregar uma bomba", ela disse. "Decidi que contaria a todo mundo".

    Quando ouve falar de meninas que detonaram as bombas que carregavam, ela se sente frustrada. Para ela, n�o h� d�vida de que as garotas n�o sentiam lealdade alguma para com o Boko Haram. Eram s� meninas ing�nuas, apavoradas, e tolas por n�o perceberem que era poss�vel se render ao pessoal de seguran�a, ela disse.

    Mas isso tamb�m � um risco. Quando Hadiza e a menina de 12 anos se aproximaram de um posto de controle, ela ficou com medo da rea��o dos soldados.

    Hadiza disse � menina mais nova que esperasse ao lado de uma �rvore, um pouco mais longe, enquanto ela explicava o problema das duas aos soldados. Ela sabia que a menina despertaria suspeitas porque era pequena demais para estar caminhando do campo para a cidade sem a companhia dos pais.

    "Era uma menina muito pequena", disse Hadiza.

    Os soldados acreditaram nelas e as ajudaram a tirar os cintur�es explosivos, antes de separ�-las para interrogat�rio. Hadiza foi por fim levada a um campo de refugiados. Ela ainda n�o sabe onde est� sua m�e, ou se ela est� viva. Mas o pai apareceu no campo algumas semanas depois dela. Quando lhe contou o que havia acontecido, ele chorou, horrorizado e aliviado a um s� tempo.

    "Ele jamais me rejeitaria", disse Hadiza. "Ficou feliz demais por eu ter sobrevivido".

    Tradu��o de PAULO MIGLIACCI

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