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    Milton Hatoum lan�a livro cujo pano de fundo � a repress�o militar

    JORGE HENRIQUE BASTOS
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    21/10/2017 02h00

    Fernanda Preto
    O escritor amazonense Milton Hatoum apresenta agora o livro 'A Noite da Espera
    O escritor amazonense Milton Hatoum apresenta agora o livro 'A Noite da Espera'

    Ap�s quase uma d�cada sem publicar, o escritor amazonense Milton Hatoum apresenta agora o livro "A Noite da Espera" (Companhia das Letras), primeiro da trilogia "O Lugar Mais Sombrio".

    Romance de forma��o pol�tica e cultural de um grupo de jovens de Bras�lia, tem como cen�rio a opress�o dos anos que se seguiram ao golpe militar de 1964. Ele, que foi preso � �poca, n�o esperava que acontecimentos pol�ticos recentes se refletissem na obra.

    "Fiquei perplexo com o espelhamento da brutalidade daquela �poca e de certo autoritarismo hoje em voga", disse � Folha. O pano de fundo habitual de sua obra, a Amaz�nia, d� lugar � capital. "Voc� n�o � s� do seu lugar, voc� leva todos os lugares em si."

    *

    FOLHA: S�o quase 30 anos ap�s a publica��o do "Relato de um Certo Oriente", de romances, contos, pe�as, filme, s�rie e agora essa trilogia. Como foi fazer a "desterritorializa��o" do cen�rio habitual, a Amaz�nia, ao situar a a��o em Bras�lia?

    HATOUM: Tudo o que escrevi tem rela��o muito forte com a minha experi�ncia. Bras�lia faz parte disso. Foram anos de aprendizado, para usar uma express�o do Goethe. Aprendizado que passou pelo sentimento, pol�tica, literatura e a vida, de um modo geral. Em Bras�lia foram anos de forma��o, que continuaram em S�o Paulo depois, na d�cada de 1970.

    Num per�odo grave da hist�ria.

    Sim, a ditadura. O livro n�o � um romance pol�tico, mas a pol�tica entrava nas nossas vidas, �s vezes, de forma violenta. O col�gio onde estudei ficava na entrada do campus da UNB. Presenciei todas as invas�es policiais que ocorreram, a partir do in�cio de 1968.

    Durante a escrita, o sr. sentiu que havia uma esp�cie de 'd�j�-vu' sobre o que estava acontecendo no pa�s nos �ltimos anos, como se fosse pego no meio de um furac�o?

    Os editores que leram o manuscrito perceberam isso. Foi uma coincid�ncia infeliz, porque comecei a escrever o livro h� mais de oito anos. Um dos volumes foi escrito em 2007. Quando terminei uma vers�o, fiquei perplexo com o espelhamento da brutalidade daquela �poca e de certo autoritarismo hoje em voga.

    Como se tivessem eclodido os "pequenos fascismos" de que falava Graciliano Ramos. Cr� que com tal coincid�ncia a obra possa se transformar no livro de uma gera��o que se op�s � destitui��o do governo petista ocorrida em 2016?

    Tomara. Para os jovens, seria uma leitura compreensiva do passado que se reflete no presente. Esse passado n�o est� morto, como diz Manuel Bandeira, as �guas do passado vibram, se agitam no presente. Por meio da fic��o, o passado pode tamb�m ter o poder irradiador de chegar ao presente. A verdade da hist�ria n�o � a verdade da literatura, ela n�o trabalha s� com os fatos, mas com fatores externos e internos.

    E no livro parecem ser o drama de Martim, o protagonista?

    O drama maior dele � a separa��o da m�e, que acontece num momento muito �spero da vida dos brasileiros. � o trauma familiar, da separa��o dos pais e da separa��o f�sica de m�e e filho. E h� essa op��o for�ada que � viver com o pai em Bras�lia. � nitidamente uma personagem amargurada.

    � um romance da desilus�o?

    A desilus�o dessa gera��o.

    Essa marca poderia ser readequada na realidade do pa�s?

    Sim, o Brasil � um grande romance da desilus�o. As ilus�es de grande parte da esquerda foram enterradas ou adiadas. Um dos elementos necess�rios do romance de forma��o � a passagem da ingenuidade para a maturidade.

    O sr. nunca se iludiu politicamente?

    Nunca me iludi com o poder. Tamb�m nunca fui militante partid�rio, nem entrei em alguma organiza��o. O poder tem seus v�cios, ele se corrompe. A minha desilus�o foi menor do que a de alguns amigos.

    Nesse novo livro parece haver muitos elementos descritos que foram vivenciados pelo sr.

    � o romance que cont�m mais coisas da minha vida. Segue meu percurso.

    Sente nostalgia por todo esse deslocamento que experimentou, vivendo em diversas cidades no Brasil e no exterior?

    N�o sinto nostalgia. Ainda bem que meus filhos n�o experimentaram o que vivi naquela �poca. Hoje, n�o acho que vivemos sob uma ditadura. Mas acredito que experimentamos uma onda crescente de autoritarismo e moralismos hip�critas. Nosso Congresso � o mais desmoralizado de toda hist�ria da Rep�blica.

    Curiosamente, semanas atr�s o embaixador Rubens Ricupero foi alvo de uma nota Planalto advertindo-o por causa de declara��es. Por coincid�ncia, no livro, h� um personagem embaixador criticado por colegas e governo. Ou seja, fic��o e realidade se misturam.

    A Noite da Espera - O Lugar Mais Sombrio (Vol. 1)
    Milton Hatoum
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    S�o esses ecos do passado que chegam ao tempo presente, porque h� muitas coisas que est�o voltando a acontecer hoje, e voltaram de uma forma mascarada, �s vezes de maneira mais expl�cita. A viol�ncia permanece na sociedade brasileira. N�o h� sa�da � vista. Onde est�o as mobiliza��es atuais? O romance sempre projeta alguma coisa.

    Na verdade, � como se tudo estivesse oculto, � espera do momento de se mostrar?

    A viol�ncia, a intoler�ncia, os fascismos permanecem, s� mudam de tempo, v�o mudando. Isso est� acontecendo na Europa, nos EUA. Esse pessoal est� se sentindo muito � vontade para agir, quando isso acontece qualquer governo perde o senso democr�tico.

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