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    O que saber para n�o passar vergonha ao discutir Lei Rouanet na internet

    RODOLFO VIANA
    DE S�O PAULO

    15/06/2016 17h39

    Ronaldo Gutierrez/Divulga��o
    Cena com Z� Henrique de Paula (foto)no espet�culo "Urinal, o Musical"
    Cena de "Urinal", musical que foi incentivado pela Lei Rouanet com Z� Henrique de Paula (foto)

    A Lei Rouanet est� na vida dos brasileiros, mesmo que eles n�o fa�am ideia disso. Apenas no ano passado, mais de 3.000 projetos culturais (pe�as, festivais, exposi��es, musicais, livros etc.) foram viabilizados gra�as � lei.

    Ela foi usada, por exemplo, para financiar "Picasso e a Modernidade Espanhola" no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, a exposi��o p�s-impressionista com maior p�blico no mundo segundo o site "The Art Newspaper". Outro exemplo de projeto incentivado � o espet�culo "Urinal", que rendeu a Z� Henrique de Paula o pr�mio de melhor diretor pela Associa��o Paulista de Cr�ticos de Arte em 2015.

    A Lei Rouanet tem sido alvo de cr�ticas. Uma delas, recente, foi feita pelo ator Juca de Oliveira, que sugeriu "sua extin��o pura e simples".

    Apenas em maio, a lei foi alvo de a��o na Pol�cia Federal e na C�mara. No fim daquele m�s, o delegado Eduardo Mauat, da for�a-tarefa da opera��o Lava Jato, encaminhou of�cio ao Minist�rio da Transpar�ncia, Fiscaliza��o e Controle solicitando detalhes sobre os cem maiores captadores de recursos na �ltima d�cada. O pedido, contudo, foi anulado pelo juiz S�rgio Moro.

    Na mesma �poca, foi protocolado na C�mara dos Deputados requerimento para abertura de CPI que pretende apurar supostas irregularidades na concess�o de benef�cios fiscais por meio da lei de incentivo.

    Para auxiliar no debate sobre a Lei Rouanet, a Folha preparou uma s�rie de perguntas e respostas.

    *

    1. O que � a Lei Rouanet?

    Sancionada pelo presidente Fernando Collor em 23 de dezembro de 1991, a lei 8.313 instituiu o Programa Nacional de Apoio � Cultura, que implementou mecanismos de capta��o de recursos para o setor cultural. Um deles � o incentivo � cultura, ou mecenato (que popularmente ficou conhecido como Lei Rouanet).

    2. Como funciona o incentivo cultural?

    O governo federal permite que empresas e pessoas f�sicas descontem do Imposto de Renda valores diretamente repassados a iniciativas culturais, como produ��o de livros, preserva��o de patrim�nios hist�ricos, festivais de m�sica, pe�as de teatro, espet�culos de circo, programas audiovisuais etc. Ou seja, em vez de pagar o imposto da totalidade, voc� reverte parte dele a um projeto cultural.

    3. Quanto as empresas e pessoas f�sicas podem destinar a projetos aprovados na Rouanet? E quanto podem deduzir do Imposto de Renda?

    Os incentivadores podem ter at� o total do valor desembolsado deduzido do imposto devido. Mas h� limite: empresas com lucro real podem abater at� 4% do imposto devido; pessoas f�sicas, at� 6%.

    Assim, uma companhia que deve pagar R$ 1 milh�o de Imposto de Renda pode redirecionar a um projeto aprovado na Lei Rouanet at� o valor de R$ 40 mil. J� uma pessoa que paga, digamos, R$ 10 mil de imposto pode deduzir at� R$ 600.

    4. Qualquer um pode enviar proposta ao MinC para obter verba via Lei Rouanet?

    Sim. Para isso, o proponente deve se cadastrar no Salic (Sistema de Apoio �s Leis de Incentivo � Cultura) e enviar sua proposta. O endere�o � novosalic.cultura.gov.br.

    5. Mas at� artistas consagrados, com carreira de sucesso, que supostamente n�o precisam de incentivo, podem solicitar incentivo?

    Sim. A lei n�o veta a participa��o de grandes nomes da cultura. Ser consagrado ou n�o, possuir dinheiro ou n�o, ter uma carreira de sucesso ou n�o, ter qualidade art�stica ou n�o... Estes s�o quesitos subjetivos, que n�o passam por avalia��o no MinC. O minist�rio lembra que "a lei veta expressamente aprecia��o subjetiva quanto ao seu valor art�stico ou cultural".

    6. Se todo mundo pode enviar projeto ao MinC, como s�o escolhidas as propostas que poder�o captar dinheiro pela Lei Rouanet?

    A proposta passa por diversas etapas. A primeira delas � o pr�prio MinC. Quando o minist�rio recebe a proposta, faz an�lise de documenta��o e a encaminha a um parecerista ou uma entidade vinculada especializada na �rea do projeto —humanidades, dan�a, patrim�nio hist�rico etc.

    O parecerista realiza uma avalia��o baseada em crit�rios objetivos para apurar a viabilidade t�cnica e financeira. Neste momento s�o efetuados cortes no or�amento e solicitados ajustes no projeto. Depois disso, a proposta recebe parecer favor�vel ou desfavor�vel e segue para a Cnic (Comiss�o Nacional de Incentivo � Cultura).

    A Cnic � um colegiado composto por representantes de artistas, empres�rios e sociedade civil de todas as regi�es, escolhidos pelo ministro da Cultura, com base em lista de 42 nomes indicados por 28 entidades habilitadas. O mandato � de dois anos. O grupo � respons�vel por avaliar as propostas e sugerir ao MinC a aprova��o ou n�o. Caso a Cnic decida (em vota��o) pelo deferimento da proposta, o MinC autoriza a capta��o. A partir da�, o proponente deve procurar empresas e pessoas f�sicas que queiram investir no projeto em troca de isen��o fiscal.

    7. Mas ent�o n�o � o MinC que escolhe dar dinheiro para este ou aquele projeto ou artista?

    N�o. � justamente o oposto. A Lei Rouanet prop�e que, em vez de o MinC decidir o que financiar na cultura (ou seja, se este ou aquele artista vai receber dinheiro), a decis�o seja tomada por artistas, empres�rios e representantes da sociedade civil. � por isso que a aprova��o de projetos passa por tantas inst�ncias (avalia��o de documentos pelo MinC, avalia��o de parecerista, vota��o da Cnic etc.)

    8. Mesmo assim, a Lei Rouanet privilegia determinados artistas ou express�es, ou artistas de determinados posicionamentos ideol�gicos?

    Em tese n�o. De acordo com o MinC, em nenhuma das etapas de avalia��o h� an�lise de "posicionamento pol�tico, art�stico, est�tico ou qualquer outro relacionado � liberdade de express�o". Novamente, os crit�rios de avalia��o s�o objetivos, e n�o subjetivos.

    9. E quais seriam esses crit�rios objetivos? O que, afinal, � avaliado na proposta?

    De acordo com a instru��o normativa que regula a lei, s�o avaliados itens como capacidade t�cnica (o proponente consegue realizar o que prop�e?), sufici�ncia das informa��es na proposta (o projeto deixa claro o que o proponente deseja?), pertin�ncia do projeto (o que � proposto faz parte do rol de projetos incentivados pela lei, como livros, espet�culos, pe�as, discos etc.?), adequa��o das estrat�gias de a��o aos objetivos (quais ser�o as etapas do projeto para que, no prazo estipulado pelo proponente, se chegue a um resultado?), adequa��o do projeto de medidas de acessibilidade e democratiza��o de acesso (o projeto atende, por exemplo, pessoas com defici�ncia? � aberto a todos? � acess�vel a todos?), compatibilidade dos custos (a planilha de gastos tem valores praticados no mercado?) etc.

    S�o itens, portanto, objetivos. Em momento algum � questionado, por exemplo, "tal pe�a pode ser considerada arte?" ou "tal artista realmente precisa de incentivo?".

    10. O dinheiro sai dos cofres p�blicos?

    N�o, o dinheiro n�o sai dos cofres p�blicos. Sai de empresas e pessoas f�sicas em forma de patroc�nio ou doa��o. �, contudo, ren�ncia de receita —ou seja, dinheiro que o governo abre m�o de receber via Imposto de Renda. Por isso, � "considerado verba p�blica", diz F�bio de S� Cesnik, presidente da Comiss�o de M�dia e Entretenimento do Instituto dos Advogados de S�o Paulo e membro da Comiss�o de Direito �s Artes da OAB-SP. "Consta do relat�rio de gastos governamentais indiretos emitido pela Receita Federal."

    11. Todo projeto aprovado recebe dinheiro?

    N�o. A aprova��o � apenas o primeiro passo de uma longa jornada para financiar o projeto cultural —trajeto quase nunca tranquilo. A aprova��o �, digamos, uma "carta de autoriza��o" para que empresas e pessoas que apoiarem o projeto tenham dedu��o no Imposto de Renda. Para conseguir o dinheiro, o autor da proposta deve bater de porta em porta nas empresas em busca de patroc�nio.

    Em 2015, de 8.782 propostas analisadas, o MinC aprovou 6.194. Dessas, 3.146 obtiveram alguma capta��o. Ou seja, metade dos projetos aprovados pelo MinC n�o conseguiu captar dinheiro algum.

    Valores da Rouanet 2015 - Em milh�es

    12. Quem mais capta verba pela lei?

    � comum ler por a� —sobretudo nas redes sociais— que "esse artista mama na Rouanet" ou "aquele artista � sustentado pela Rouanet". Mas, segundo informa��es do MinC, os grandes captadores em 2015 foram produtoras e entidades como museus. Veja:

    Incentivo - Quem mais recebeu verba via Lei Rouanet em 2015

    Projetos - Os maiores projetos de 2015, por capta��o

    13. Quanto de imposto deixa de se arrecadar com a Lei Rouanet?

    De acordo com proje��o da Receita Federal para 2016, a ren�ncia fiscal correspondente � lei de incentivo � cultura —ou seja, o que deixar� de ser arrecadado em impostos para financiamento de projetos culturais— ser� de aproximadamente R$ 1,3 bilh�o. O valor representa 0,48% dos cerca de R$ 270 bilh�es que o Brasil deixar� de arrecadar em impostos com todos os programas de incentivo.

    Somada a outras leis de incentivo (como a Lei do Audiovisual), a ren�ncia fiscal correspondente a programas do MinC ser� de R$ 1,8 bilh�o —0,66% do total de programas da Uni�o.

    Ren�ncia fiscal em 2016, por fun��o or�ament�ria - Em bilh�es

    14. Por que ent�o a lei � t�o criticada?

    Porque, com 25 anos de exist�ncia, ela apresenta v�cios.

    Uma das maiores cr�ticas —inclusive de titulares do MinC, como o ex-ministro Juca Ferreira— � a incapacidade da lei de conquistar apoio privado. Em sua origem, a ideia era que a Lei Rouanet pudesse atrair patroc�nio sem ren�ncia fiscal. Em 2015, foi captado o valor de R$ 1,18 bilh�o, do qual R$ 1,13 bilh�o (95,61%) se refere a ren�ncia fiscal —apenas R$ 52 milh�es vieram de apoio privado.

    Tamb�m � alvo de cr�ticas o fato de as empresas priorizarem projetos por crit�rios mais econ�micos/comerciais que culturais.

    Outra defici�ncia � a concentra��o de projetos na regi�o sudeste, sobretudo em S�o Paulo e no Rio. No ano passado, 79% dos recursos captados com patrocinadores foram para esta regi�o.

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