• Ilustrada

    Thursday, 11-Jul-2024 05:46:27 -03

    Diretor Hector Babenco roda em SP filme protagonizado por Willem Dafoe

    GUILHERME GENESTRETI
    DE S�O PAULO

    09/02/2015 02h00

    "Se voc� fizer pergunta idiota, te deixo em Paul�nia." De bermuda estampada e camisa branca, o cineasta Hector Babenco, 69, recebe a Folha numa manh� de ter�a, �s 8h.

    O diretor de "O Beijo da Mulher Aranha" (1985), pelo qual foi indicado ao Oscar, e "Carandiru" (2003) convidou a reportagem a viajar com ele a Paul�nia, interior de SP, onde roda parte de seu pr�ximo longa, "Meu Amigo Hindu", ap�s um hiato de oito anos.

    Mujica Saldanha
    O diretor Hector Babenco posa em carro usado no longa-metragem 'Meu Amigo Hindu
    O diretor Hector Babenco posa em carro usado no longa-metragem 'Meu Amigo Hindu'

    No filme com toques autobiogr�ficos, Willem Dafoe interpreta um diretor de cinema rec�m-sa�do de um tratamento contra uma doen�a grave. Babenco, argentino naturalizado brasileiro, teve um c�ncer no sistema linf�tico nos anos 90, curado ap�s transplante de medula �ssea.

    Folha - Seu novo filme � sobre um homem que est� se recuperando de uma doen�a grave, certo?
    Hector Babenco - Estou num processo de constru��o do filme e ficar falando � penoso. Se voc� sabe a trama perde a gra�a. � sobre um homem que vai morrer, que sofre um tratamento invasivo e que convive com um menino hindu, com quem ele estabelece uma rela��o muito peculiar e interessante. Um dia, j� sarado, muitos anos depois, ele j� um homem adulto se pergunta onde est� aquele menino hindu que foi seu colega. Essa pergunta basicamente � a mola propulsora pra contar a hist�ria do filme. O protagonista � diretor de cinema.

    � um filme de busca?
    N�o � um filme de busca, do ponto de vista de ir atr�s de uma pessoa, como est� muito na moda hoje ir atr�s do pai, do irm�o, m�e, ir atr�s de filho. N�o, � exatamente o oposto e a viagem � interior e a busca � de saber se ele est� vivo ou n�o dentro dele. Voc� tem que fazer uma autointrospec��o, uma autoan�lise, para poder exorciz�-lo um pouco e dar vida a esse filme que est� nascendo. Ent�o agora eu tenho que cuidar dele e � por isso que n�o gosto de falar dele. Ele � muito incipiente ainda, de transforma��o e estrutura��o.

    Por que decidiu rodar em ingl�s?
    � um filme urbano, n�o faz a menor diferen�a se acontece em Paris, Londres ou Buenos Aires. Ia ser em portugu�s, mas foi imposs�vel achar atores brasileiros dispon�veis para o protagonista. Estavam alocados em novelas. Todos, absolutamente todos. Estavam j� programados em novelas do Jayme Monjardim ou pra novelas no Luiz Fernando Carvalho. Um profissional da minha idade tem que esperar dois anos para que os atores estejam dispon�veis para fazer um filme, e quando eles est�o dispon�veis j� tem tamb�m outros filmes e pe�as de teatro pra fazer, � uma luta ingl�ria pra voc� fazer um elenco com bons atores. N�o � um filme que permita trabalhar com atores sem experi�ncia, como j� fiz em outras vezes. Eu precisava de atores com m�nimo de informa��o para atuar. Isso me deixou desesperado no ano passado, foi assim em fevereiro, mar�o, abril, maio: me reunia com as pessoas e elas diziam: "Ah, Babenco, adorei o roteiro, quero fazer o filme, mas estou entrando em uma novela em setembro". E eu perguntava quando que terminava e eles respondiam: "Em julho ou agosto do ano que vem". Ai fica foda.

    Mujica Saldanha
    O ator Willem Dafoe em cena de 'Meu Amigo Hindu' rodada no Hospital S�rio-Liban�s, em S�o Paulo
    O ator Willem Dafoe em cena de 'Meu Amigo Hindu' rodada no Hospital S�rio-Liban�s, em S�o Paulo

    E como chegou at� Willem Dafoe?
    Eu fui ver a pe�a de Bob Wilson em S�o Paulo no ano passado, com o Willem Dafoe no elenco ["The Old Woman - A Velha"]. Sa� para jantar com Willem e falei do filme. Ele pediu pra ler o roteiro e gostou muito. Fui um pouco atrevido, digamos. Ele me ligou e disse pra passar no hotel pra almo�ar, almo�amos e em um guardanapo ele me escreveu diretamente suas datas, nem perguntou nada nem eu perguntei nada. Ele disse: "Essas s�o minhas datas". Ent�o imediatamente ele me colocou uma camisa de ferro e eram as mesmas datas que tinha para rodar no Hospital S�rio-Liban�s, acredita? Imagina voc� achar um andar de hospital livre pra voc� durante dois meses dia e noite. Eu o conhecia do filme "A �ltima Tenta��o de Cristo", quando ele esteve em Veneza e eu era juri no festival e a gente saiu pra jantar umas duas vezes e se deu super bem.

    O que achou do trabalho dele?
    Ele tem consci�ncia das suas responsabilidades, jamais chegou atrasado, jamais se queixou de esperar para rodar um plano. Os estrangeiros n�o se veem como artistas, mas como oper�rios da representa��o. Ele n�o tem vaidade art�stica, tem responsabilidade criativa. Tem um modelo de interpreta��o muito discreto e e acho que imprimiu ao filme uma marca muito grande. Uma marca que eu n�o sabia qual era que o filme tinha, e acabou ele sendo quem deu a m�sica ao filme.

    Que marca seria essa?
    Foi uma marca de "Less is more", menos � mais. E eu comecei a trabalhar com todos atores exatamente no mesmo registro: eles chegavam, propunham, e eu dizia "n�o". "Menos, mais baixo, sem expressar com a m�o o que voc� est� querendo dizer", e fui limpando o modelo de interpreta��o que eu acho que deu um filme um vi�s muito rom�ntico, muito �pico e muito bonito.

    Em "Meu Amigo Hindu" o personagem � um cineasta. � um filme autobiogr�fico?
    Me alimentei de informa��es da minha mem�ria. Mas n�o � biogr�fico, porque � ficcional. � a vida de um diretor que � condenado � morte. A rigor o filme � isso. N�o � alegre, mas � um filme que come�a muito escuro e tem um final muito solar, uma explos�o de luz.

    "Cora��o Iluminado" tamb�m tem elementos autobiogr�ficos.
    Cada um encontra cria��o onde quer. Eu talvez tenha a limita��o de n�o conseguir ver al�m do meu nariz. N�o me vejo como artista, renovador da linguagem, n�o me vejo como porra nenhuma, mas como contador de hist�rias.

    A inspira��o para "Meu Amigo Hindu" veio de suas experi�ncias com a doen�a?
    Veio de mim. Mas n�o quer dizer que eu vou contar o que vivi. Com os momentos dif�ceis que passei e passo ainda hoje eu lido com psican�lise, autoan�lises e sei l�.

    O cinema n�o faz parte?
    N�o, cinema � meu quintal, � bolinha de gude: eu jogando, eu fazendo pontaria. J� teve um momento que foi sinuca, mas nunca foi �lbum de figurinha, pra n�o colar em personagem que n�o s�o meus. Eu tendo que acertar o buraquinho no ch�o de terra, esse � meu jogo.

    E sua trajet�ria l� fora? "Ironweed" te deu dinheiro?
    N�o me deu dinheiro, me pagaram pra trabalhar. Com esse dinheiro economizei e consegui ter casa pr�pria. Dinheiro ningu�m me deu. No Brasil eu n�o sou pago pra trabalhar, porque o governo n�o me deixa colocar no or�amento mais do que um sal�rio que eles determinam. Ningu�m vive com isso, nem o cont�nuo do Minist�rio da Cultura. Jamais ganhei dinheiro no Brasil.

    Pode falar um pouco sobre sua trajet�ria em Hollywood?
    Eu n�o passei nunca por Hollywood, a n�o ser pela [rua] Hollywood Boulevard, de carro. Todo projeto que eu fiz em ingl�s l� fora foram projetos meus feitos com produtores independentes. O "Ironweed" � um filme independente que nasce na casa do William Kennedy, que era o autor, e que se completa no dia em que o Jack Nicholson topou fazer o filme e chamou a Meryl Streep na minha frente. Ele s� veio a ser distribu�do por uma major americana. A rigor, eu passei pelos EUA, mas n�o passei por Hollywood. Eu n�o passei por Hollywood porque n�o me queriam, porque sabem que n�o sou pra eles. O caminho que me interessava era uma coisa um pouco mais ideologicamente art�stica do que s� comercial.

    Mas seus filmes tiveram �xito comercial.
    "Pixote", "O Beijo da Mulher Aranha" e "Carandiru" s�o filmes que abriram o mercado e marcaram presen�a, estacaram bandeira, mas n�o foram desenhados para que isso acontecesse. A� � que est� o mist�rio do jogo. O mist�rio do jogo � saber se esse filme vai passar numa semana nos Belas Artes e no Reserva Cultural ou se vai ficar dois meses em cartaz e vai ser exportado. Eu n�o tenho menor ideia.

    Nesta quinta come�a uma mostra na Cinemateca com retrospectiva dos seus filmes.
    Fiquei sabendo porque me mandaram um e-mail, pedindo p�steres e perguntando se tinha fotos dos filmes. Fazer o qu�? Entrar l� com uma espingarda e matar todo mundo? Deixa eles. Eles v�o se consumir na pr�pria mediocridade deles. Eles t�m os filme e as salas. Poderia eu proibir? N�o sei, mas n�o vou estar presente. Ningu�m me perguntou o que eu achava.

    E se te perguntassem?
    Que v�o pra puta que o pariu. Por isso, por ser desrespeitoso. Se eles querem utilizar o que eles possuem, sei l�, o m�nimo que t�m que fazer � falar comigo. Eu n�o sei nem o dia que abre.

    Que acha da atual pol�tica cultural de fomento ao cinema?
    Vivemos numa cultura de concentra��o de recurso pelo Estado e o Estado com uma voca��o gigante de ser a m�e produtora de tudo. Sou contra qualquer tipo de controle do Estado para a produ��o. Brasileiro vive de edital: n�o h� um colega que n�o diga que est� esperando sair algum edital. Se essas leis de incentivo n�o existissem, o cinema brasileiro andaria melhor.

    Livre mercado no cinema?
    Sim, como h� 20 anos. E n�o se fizeram grandes filmes? N�o tinha lei de incentivo. Havia retorno. Porque o ingresso n�o era obrigado a custar s� R$ 10. Hoje, o governo te d� uma merreca: demora dois anos pra sair um edital e ganhar e poder fazer algo pra depois ter que cobrar R$ 10 o ingresso.

    Como "Meu Amigo Hindu" est� sendo financiado?
    Com economias pessoais e ajuda de amigos. E com o edital do polo de Paul�nia.

    O que acha do cinema brasileiro atual?
    Me diga um nome de filme.

    "Praia do Futuro".
    Gosto muito. Gosto muito do olhar do Karim, que � para mim o cineasta mais interessante do Brasil no momento. Acho muito legal o trabalho dele. Talvez n�o seja nem o melhor filme dele. No "Praia do Futuro" ele abra�ou esse universo gay. Sei l�, alem�o com brasileiro, uma coisa meio estranha. E o filme � sobre o que n�o gruda. E aparece um irm�o. Sei l�, eu gostei do filme. O filme � complexo, n�o � um filme redondo, mas um filme complexo. Gosto do Marcelo Gomes tamb�m. Cinema atual t� muito dif�cil de ter coisa muito boa. Aquele filme do menino cego ["Hoje Eu Queri Voltar Sozinho", de Daniel Ribeiro] eu n�o vi. N�o tenho visto muita coisa. N�o parece que tem tido coisa muito significativa.

    "O Lobo Atr�s da Porta".
    Curioso o filme, bonito.

    "Tatuagem".
    � muito c�mico, engra�ad�ssimo. � uma vers�o moderna dos Dzi Croquettes. Eu adorei, ele � neto do Dzi Croquettes. Super gay, adorei, adorei, adorei. Me diverti muito assistindo.

    E essa nova s�rie do Fernando Meirelles, que ele fez para a Globo?
    Eu n�o vi, mas ele � um diretor muito astuto e filma muito bem. � muito antenado com a modernidade com a qualidade do relato e a forma. O Fernando Meirelles falou: " Prefiro fazer televis�o para muitos do que cinema para ningu�m". Tudo bem, quer saber? Do ponto de vista dele, est� certo, ou melhor, � a vis�o dele. Agora, isso demonstra tamb�m que n�o h� nele absolutamente nenhum interesse em expor a pessoa dele em um filme. Porque fazer televis�o � muito mais trabalhar com o texto dos outros, est� falando pra milh�es ent�o n�o pode falar de voc�, n�? Acho que ele ficou um pouco triste com alguns filmes dele que n�o deram certo tanto quanto deu "Cidade de Deus", que � um grande filme. Eu passei um pouco por isso muito jovem e sem maturidade profissional, eu fiquei extremamente feliz com o "Pixote", e depois com "O Beijo", e depois de um tempo tudo que eu fazia me parecia que todo reconhecimento que eu tivesse era pouco.

    E pr�ximos projetos, j� tem algum?
    Tem o filme carioca, que eu gosto muito, e gostaria de fazer, chamado "Cidade Maravilhosa". Filme que eu escrevi durante dois anos e at� o Fundo Setorial gostou e aprovaram , mas naquele momento n�o tinha condi��es de fazer filme. Estava muito caro.

    O que voc� acha que h� de brasileiro e de argentino no seu cinema?
    Sou um exilado no Brasil e um exilado na Argentina. N�o consigo me fazer sentindo parte de nenhuma das duas culturas. E as duas coisas existem em mim de forma poderosa. O argentino tem um humor menos escrachado e muito mais inteligente que o brasileiro, n�? O humor do brasileiro � muito mais "chanchad�o". O da Argentina � mais ir�nico.

    E o que acha do cinema argentino?
    O modelo argentino de produ��o � diferente. Eles t�m que se regrar no mercado, procurar parcerias para sobreviver no mercado, que eles encontram no cinema espanhol porque existe uma irmandade de l�nguas. Todos os filmes que sa�ram da Argentina agora s�o coprodu��es com a Espanha ou It�lia, e �s vezes at� com a Fran�a. S�o filmes que n�o custam mais que US$ 1,5 milh�o, e s�o raros os filmes com esse pre�o no Brasil: todos custam de R$ 6 milh�es pra cima. N�o porque a gente quer fazer filmes mais caros, mas porque o mercado est� muito mais caro. E como � que esse cinema brasileiro hoje representa nossa identidade nacional? O cinema argentino conquistou um espa�o no mundo com cinco filmes em seis ou sete anos. Quais s�o os cinco filmes brasileiros que tem criado uma identidade brasileira? S� "O Som ao Redor," que se fala no mundo inteiro.Os argentinos s�o mais inteligentes que os brasileiros? N�o. Mais competentes? N�o. S� que o cinema deles tem uma cultura de mercado e o nosso vive de outra cultura de mercado.

    Voc� ficou oito anos sem rodar. Seu �ltimo filme foi "O Passado"
    Foi feito com dinheiro argentino e um pouquinho de dinheiro brasileiro de lei. Eu atendia um pedido, de um secret�rio do Minist�rio da Cultura que disse: "Queremos muito, n�s aqui do governo e do Ancine, uma integra��o latino-americana e achamos que voc� deveria ser o cara para fazer um filme um pouco na Argentina e um pouco no Brasil". Saiu um produto h�brido que na Argentina � um filme brasileiro falado em espanhol, e no Brasil � um filme argentino falado em espanhol. Voc� � estrangeiro na sua cultura, voc� n�o integra porra nenhuma, voc� � estrangeiro em um pa�s e n�o est� abra�ando nenhuma identidade. � uma fic��o a integridade latino-americana, � uma fic��o.

    Acha mesmo que a integra��o entre os latinos � uma fic��o?
    N�o existe economicamente ent�o porque existiria culturalmente ou ent�o poeticamente se somos bichos diferentes? O que o Brasil tem a ver com peruano? Um equatoriano com um uruguaio? Um chileno com mexicano? Porra, nada! Ent�o esse sonho bolivariano ut�pico, de comunista de sal�o, de que a Am�rica Latina seja uma for�a realmente integrada � uma balela, � discurso da d�cada de 1960 e teve gente que n�o cresceu e decidiu abra�ar uma ideia da esquerda. Voc� entende o que eu quero dizer? . J� passou esse momento. N�o estamos mais em 1960. J� se passaram 50 anos, meio s�culo, cara, e as pessoas ainda est�o nisso? Como � poss�vel? E o mundo correndo ao seu redor, a informa��o correndo no ar. As ideias sociais permanecem ancoradas em filosofias velhas e antigas. E ningu�m fala nada, ningu�m diz nada e todo mundo abra�a isso com uma voca��o e um fervor que justifica tudo. Voc� jovem deve ser de esquerda e sonhador, estou me dando minha opini�o de cachorro velho.

    Atribuem a voc� a frase de que no Brasil n�o h� ator como Gael Garc�a Bernal.
    Jamais diria isso, foi uma "filhadaputice". Eu disse que n�o havia ator que pudesse trabalhar em espanhol, como ele. Que ator brasileiro poderia falar espanhol bem? Est�o querendo mais � te enrabar do que ficar ouvindo a sua complementa��o.

    Fale com a Reda��o - [email protected]

    Problemas no aplicativo? - [email protected]

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024