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    Surpresa em Cannes e no Globo de Ouro, Leviat� ridiculariza Putin

    RODRIGO SALEM
    COLABORA��O PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

    15/01/2015 02h00

    Tudo em rela��o ao filme "Leviat�" � uma surpresa. Trata-se do primeiro thriller social do diretor russo Andrey Zvyagintsev, conhecido pelos dramas familiares "O Retorno" (2003) e "Elena" (2011). Depois, encantou o �ltimo dia do Festival de Cannes, altura em que geralmente o evento esfria, e conquistou o pr�mio de melhor roteiro.

    O comit� russo o escolheu ainda como representante do pa�s � disputa de uma vaga no Oscar, uma surpresa, j� que o ministro da Cultura, Vladimir Medinsky, demonstrou descontentamento com o filme.

    "Deixamos todas as flores crescerem, mas apenas regamos aquelas de que gostamos", declarou o pol�tico, irritado por ter bancado 35% do or�amento de um longa que pinta a pol�tica russa como um antro de corruptos.

    Anna Matveeva/Divulga��o
    Cena do filme 'Leviat�', vencedor do Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro em 2014
    Cena do filme 'Leviat�', vencedor do Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro em 2014

    Houve ainda uma vit�ria inesperada no Globo de Ouro, no domingo (11), quando derrotou o favorit�ssimo "Ida", do polon�s Pawel Pawlikowski, como filme estrangeiro. A maior surpresa de "Leviat�": seu diretor diz que n�o fez um filme pol�tico e que odeia falar sobre o assunto.

    Mas o longa escapa do declarado vi�s apol�tico de seu criador. "Leviat�" � um retrato cruel e pessimista da R�ssia de Vladimir Putin.

    � verdade que Zvyagintsev foi sutil. No drama, ele utiliza um n�cleo familiar de uma pequena cidade pesqueira ao norte da R�ssia, onde a crise econ�mica produz uma praia fantasmag�rica com carca�as de barcos e de baleias.

    Kolya (Aleksey Serebryakov) mora com a mulher (Elena Lyadova) e o filho (Sergey Pokhodaev) at� descobrir que o prefeito (Roman Madyanov) desapropriou suas terras para a constru��o de um hotel.

    Sabendo que a �nica op��o contra um sistema corrompido � ser mais dur�o e amea�ador que seus inimigos, Kolya recorre a um amigo advogado de Moscou (Vladimir Vdovichenkov).

    "� uma hist�ria arcaica, que vem do 'Livro de J�' ou de 'Michael Kohlhaas'. Poderia acontecer em qualquer pa�s ou governo", desconversa o cineasta. "Temos uma popula��o de 140 milh�es de pessoas, n�o somos todos monstros. Precisamos ser cautelosos para n�o demonizar os russos, por isso n�o quero falar muito sobre pol�tica."

    A inspira��o para "Leviat�" veio, segundo Zvyagintsev, de um caso real que aconteceu nos Estados Unidos. "Um homem perdeu sua terra quando n�o quis vend�-la para empres�rios e pegou um trator e demoliu tr�s pr�dios p�blicos como vingan�a."

    Ele se refere � hist�ria de Marvin Heemeyer, de Granby, no Colorado: sob a influ�ncia de uma fam�lia rica que queria suas terras, o conselho da cidade o processou por "interferir no esgoto" e por "sucatas no jardim", levando sua loja de escapamentos � fal�ncia.

    Heemeyer construiu um tanque de guerra com seu trator, destruiu 13 edif�cios, inclusive a prefeitura de Granby, e se matou com um tiro. "Essa hist�ria assombrou minha mente por seis anos, mas eu sabia exatamente o que fazer e sabia que precisava ser na R�ssia", conta o diretor.

    � quando as nuances locais de Zvyagintsev tomam conta da tela. O padre joga a comunidade contra Kolya, fechando o cerco ao lado do prefeito –sempre mostrado com uma foto de Putin radiante em seu escrit�rio.

    "Somos companheiros de trabalho", diz o religioso ao pol�tico. "A igreja na R�ssia sempre teve uma liga��o forte com o poder. Eu n�o inventei essa frase, ela foi dita por um padre real no meu pa�s", afirma o cineasta.

    "Somos um povo mais pr�ximo da �sia do que da Europa, onde o homem comum pode resistir contra o sistema. No meu filme, o poder local reflete algo maior."

    Mesmo assim, o governo n�o censurou a trajet�ria da produ��o. A �nica mudan�a ocorreu em julho, quando entrou em vigor uma lei na R�ssia proibindo palavr�es e obscenidades em obras de arte. Zvyagintsev cortou palavras para o filme entrar em cartaz.

    O cineasta � otimista. "Meu longa � sombrio, mas n�o representa o fim. � s� uma parcela de nossa realidade. H� muita luz no mundo".

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