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    Tend�ncia de autofic��o coincide com fase de superexposi��o de escritores

    RAQUEL COZER
    COLUNISTA DA FOLHA

    07/12/2013 03h07

    Eu nunca estive t�o em alta na literatura brasileira. Ou melhor, o "eu", esse personagem que se apresenta ao leitor em primeira pessoa e tem um passado em comum com o escritor que o criou, nunca protagonizou tantos romances publicados no pa�s.

    Fic��es recentes, como "Div�rcio", de Ricardo L�sias, "A Ma�� Envenenada", de Michel Laub, e "Antiterapias", de Jacques Fux, t�m em comum essa aproxima��o entre autor e narrador.

    Mais tradicional em pa�ses como a Fran�a --onde surgiu, nos anos 1970, o termo "autofic��o"--, a mistura de autobiografia e fic��o tem seu momento mais forte na produ��o liter�ria nacional, na avalia��o de especialistas.

    "O Brasil finalmente descobriu a autofic��o", diz Luciana Hidalgo, uma das maiores estudiosas do g�nero no pa�s. "H� uma moda. Come�ou na Fran�a, agora chega ao Brasil, � Argentina, ao M�xico", diz a estudiosa Diana Klinger, que escreveu sobre o tema em "Escritas de Si, Escritas do Outro" (2008).

    Em livros assim, o personagem pode ter o nome do autor --caso de Ricardo, protagonista de romances de Ricardo L�sias, ou de Marcelo ou M.M., como se apresentam os narradores das fic��es de Marcelo Mirisola.

    Pode compartilhar com o autor lembran�as sem fim, tal como o protagonista de "Antiterapias", de Jacques Fux, agraciado no mais recente Pr�mio S�o Paulo de Literatura, ou o de "O Filho Eterno", o premiad�ssimo romance de Cristovao Tezza.

    Ou pode, em nuances mais sutis, ter pontos do passado em comum com seu criador. Isso � algo que se v� nas obras de Michel Laub, autor de "Di�rio da Queda" e "A Ma�� Envenenada", e de Paloma Vidal, autora de "Algum Lugar" e "Mar Azul".

    Curiosamente, essa produ��o vem, em geral, acompanhada de uma recusa: a de que os leitores fa�am uma leitura biogr�fica da fic��o que lhes � apresentada.

    Laub diz que basta ler seus romances para constatar que um contradiz o outro, inclusive ao narrar ao fatos iguais.

    "N�o tenho como ter seis biografias diferentes, ent�o � �bvio que estou manipulando a mem�ria. Escritores fazem isso, com a mem�ria, a imagina��o, a matriz que for", diz ele, que v� como elogio o fato de o leitor deduzir que o que est� escrito ali � verdade, e n�o cria��o.

    L�sias, autor de romances radicais nesse sentido -- "O C�u dos Suicidas" parte da morte de um amigo do autor; "Div�rcio" aborda o fim de seu casamento de quatro meses--, rejeita a "espetaculariza��o" da leitura biogr�fica.

    "Se por autofic��o compreendermos a contesta��o radical da possibilidade de a literatura refletir qualquer realidade, meus livros se enquadram no termo. Mas, se significa o autor dizer que o livro � sua vida, n�o. Livro algum reflete a realidade. Achar o contr�rio � matar o que h� de arte na literatura."

    LIMA BARRETO

    "O Brasil foi tomado por esse tsunami autoficcional com for�a e particularidades", diz Luciana Hidalgo.

    A estudiosa v� em Lima Barreto (1881-1922) o fundador desse tipo de registro. Ao escrever "Vida e Morte de M.J. Gonzaga de S�" (1919), Lima chegou a dar a um dos personagens seu pr�prio nome, Afonso, mas voltou atr�s. "Era uma ousadia na �poca" Hidalgo. "A exalta��o do eu na fic��o sempre foi tabu."

    Se na Fran�a v�-se essa tradi��o na obra de nomes como Marcel Proust e Louis-Ferdinand C�line, no Brasil ganhou mais for�a a partir de "O que � Isso, Companheiro" (1979), de Fernando Gabeira, definido pela Companhia das Letras como "romance-depoimento"

    O cr�tico liter�rio e escritor Silviano Santiago foi um dos primeiros brasileiros a assumir o termo "autofic��o" ao lan�ar os contos de "Hist�rias Mal Contadas", em 2005.

    Embora ainda recorra ao expediente, Santiago faz a avalia��o de que exista um elemento facilitador nele. "Se voc� usa sua vida como base, n�o cria um obst�culo, facilita. � diferente fazer um 'Ulysses', de James Joyce", avalia.

    CONFUS�O

    Marcelo Mirisola acha gra�a quando confundem sua vida com sua obra. "O bom escritor faz o que quer da mem�ria: lembra, finge que lembrou, passa recibo", diz.

    Para ele, "escrever na primeira pessoa n�o � para qualquer pangar�". "� mais arriscado. Por conta da exposi��o, da confus�o que certamente vir�. Eu escrevo na primeira pessoa porque adoro confus�o. Precisa ter cacife ou ser louco varrido. Eu me incluo nas duas categorias, e isso aborrece muito meus pares", diz o escritor.

    Para o estreante Jacques Fux, o uso da primeira pessoa tem a ver com "conforto".

    "Acho que n�o teria destreza em fazer isso na terceira pessoa. Vai de autor para autor, h� muitos que se sentem mais confort�veis em escrever em terceira pessoa e criar outro personagem", diz ele, que escreve um segundo romance, tamb�m com o "eu" como protagonista.

    A tend�ncia, na avalia��o da estudiosa Diana Klinger, surge num momento prop�cio. "Essa postura � oportuna hoje em dia, quando a figura do autor � fundamental para o mercado liter�rio, quase t�o importante quanto seus livros. Coincid�ncia ou n�o, essa tend�ncia contempor�nea se adapta muito bem a essa necessidade atual de exposi��o do autor", diz.

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