No mundo ideal do escritor J. M. Coetzee, a capa do livro viria em branco. Mais em branco do que o �lbum branco dos Beatles: sem ilustra��es, nome do autor, t�tulo.
"N�o escrevo para me divertir", diz Coetzee
Cr�tica: Trama de Nobel "A Inf�ncia de Jesus" surpreende pela simplicidade
"Gostaria que s� depois da �ltima p�gina viesse o nome da obra", disse Coetzee, 73, com a voz mansa de quem se desculpa, num pequeno audit�rio universit�rio na �frica do Sul, antes de leitura de trechos de seu novo livro, no final do ano passado.
Ap�s o ponto final, o leitor encontraria, surpreso, o t�tulo "A Inf�ncia de Jesus", nome do romance em quest�o, que chega �s livrarias brasileiras neste final de semana.
Mauricio Dueas Castaeda/Efe | ||
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O autor J. M. Coetzee, na semana passada, em Bogot� |
Um dos principais autores contempor�neos, incontest�vel vencedor do Pr�mio Nobel de Literatura (em 2003), o pr�prio Coetzee tamb�m aterrissa estes dias no Brasil.
Vem ao pa�s para duas confer�ncias na semana que vem, em Curitiba e em Porto Alegre. N�o falar� sobre o novo livro (no mundo ideal de Coetzee, e neste caso tamb�m no real, escritores n�o falam sobre seus romances).
O tema das duas palestras do sul-africano no Brasil ser� "censura".
"Lerei um texto sobre as minhas recentes descobertas sobre como a censura funcionou na �frica do Sul", expressa ele � Folha, numa rara entrevista (por e-mail e com a condi��o de que n�o se tratasse do novo livro).
Coetzee, que viveu muitos anos sob o regime do Apartheid, diz que trabalhar sob censura � como "ser �ntimo de algu�m que n�o lhe ama, com quem voc� n�o quer intimidade e que se insinua o tempo todo para voc�".
Embora viva h� mais de uma d�cada na Austr�lia --onde, j� declarou, quer passar o resto da vida--, parte importante de sua fic��o � ambientada na �frica do Sul.
� o caso de seus dois romances mais premiados, "Desonra" e "Vida e �poca de Michael K", obras que fizeram dele o primeiro autor a ganhar duas vezes o importante Booker Prize.
"A Inf�ncia de Jesus", que, como as obras anteriores, sai pela editora Companhia das Letras, vai para terrenos bem distintos.
TRINDADE
Situado na fict�cia terra de Novilla, onde se fala espanhol, o livro � protagonizado por um curioso trio (homem, mulher e menino) que, ao sabor do acaso, tornam-se uma esp�cie de fam�lia.
O centro desta "trindade" � claramente o garoto, como --para dissabor de Coetzee-- a capa do livro j� indica.
Este "evangelho segundo Coetzee" pouco tem a ver com outras reinterpreta��es ficcionais da vida de Cristo, como "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", de seu colega de Pr�mio Nobel Jos� Saramago.
Num tom aleg�rico que, por sinal, faz lembrar outras obras do mesmo escritor portugu�s, Coetzee � muito pouco expl�cito, e faz alus�es pontuais e cifradas a epis�dios b�blicos.
O escritor sul-africano conhece bem a palavra. "Ainda que eu n�o seja frequentador de nenhuma igreja, estudei numa escola cat�lica e sou familiarizado com a hist�ria e os ensinamentos da Igreja Cat�lica", afirma � Folha.
Sobre Cristo tratado como um personagem liter�rio, Coetzee limita-se a dizer: "Jesus � uma figura importante. Se ele deve ser visto como uma figura hist�rica ou como um mito isso � assunto para uma longa discuss�o".
E de que forma uma sociedade como a nossa trataria um novo profeta, tal como pistas muito esparsas d�o a entender que seria o personagem mirim de seu romance?
"Se uma figura compar�vel a Jesus nascesse numa sociedade de tradi��o crist�, eu acho que seria tratada com mais toler�ncia", escreve. "Se aparecesse num pa�s como a Ar�bia Saudita, n�o tenho d�vidas de que seria uma hist�ria bem diferente."