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    Centen�rio de Orson Welles � comemorado com obras-primas

    POR C�SSIO STARLING CARLOS

    19/12/2015 03h08

    2015 foi o ano do centen�rio de Orson Welles e tamb�m aquele em que a Vers�til demonstrou que, em tempos de crise, investir em cultura � um poderoso ant�doto � falta de sentido.

    Depois de o selo colocar no mercado diversas caixas com obras de cineastas in�ditos ou maltratados, al�m de g�neros ainda vistos como subcultura, o lan�amento de nove filmes de Welles �s v�speras do Natal pode nos convencer de que Papai Noel existe.

    As caixas "O Cinema de Orson Welles" e "Shakespeare por Welles" trazem vers�es restauradas das pe�as que faltam para montar o formid�vel quebra-cabe�a desse ator-diretor que chegou a Hollywood tratado a p�o-de-l� e saiu de l� tratado a pontap�s.

    Para o bem e para o mal, a perman�ncia por mais de meio s�culo de "Cidad�o Kane", primeiro longa dirigido por Welles, no posto de maior filme de todos os tempos provocou distor��es na recep��o dos trabalhos que o cineasta conseguiu finalizar nas d�cadas seguintes.

    "Soberba" e "� Tudo Verdade", ambos de 1942, est�o na origem do mito de Welles como "artista genial aniquilado pelo sistema". Apesar de a vers�o remanescente de "Soberba" ser amputada e incompleta em rela��o � concep��o original do realizador, � dif�cil n�o terminar de assistir ao filme assombrado pela riqueza formal e moral desse retrato da decad�ncia de uma fam�lia burguesa, que � tamb�m painel nost�lgico de um mundo regulado por lutas humanas que desaparece para dar lugar a outro movido por for�as mec�nicas.

    Chico Albuquerque
    Orson Welles durante filmagem de "� Tudo Verdade", em Fortaleza, em 1942
    Orson Welles durante filmagem de "� Tudo Verdade", em Fortaleza, em 1942

    O projeto de "� Tudo Verdade" foi t�o turbulento que resumi-lo em duas linhas seria desonesto. As filmagens que Welles fez no Brasil no pacote da pol�tica de boa vizinhan�a adotada pelo governo Roosevelt para impedir a ditadura de Vargas de ceder � tenta��o fascista foram reencontradas e deram origem a uma reconstru��o primorosa. A dimens�o eisensteiniana que Welles conseguiu dar ao registro de uma comunidade de pescadores no litoral do Cear� funde homem e natureza numa imagem que n�o tem nada de tur�stica e que assombra n�o s� pela beleza pl�stica.

    "A Dama de Shanghai" (1948) foi o �ltimo esfor�o de Welles para se reintegrar ao regime hollywoodiano, mas o resultado � um filme at� mais negro, pessimista e anticl�ssico que os anteriores. O duelo final numa sala de espelhos, com a imagem estilha�ada de Rita Hayworth, e a partida solit�ria do personagem interpretado por Welles projetam a vontade de inserir fissuras no mundo perfeito que Hollywood inventara e o rumo incerto que a carreira do diretor tomaria na Europa nas d�cadas seguintes.

    "Grilh�es do Passado" (1955) retoma o tema da identidade esfacelada de "Cidad�o Kane". Nessa investiga��o existencialista, Welles aproveita a relativa independ�ncia financeira para experimentar os tempos da narrativa num filme labir�ntico, al�m de manifestar seu gosto pela ambival�ncia entre verdade e mentira, her�is e canalhas.

    Reprodu��o
    DVD Shakespeare por Welles
    DVD Shakespeare por Welles

    Em "O Processo" (1962), Welles arranca Kafka da pris�o kafkiana a que tantas leituras o condenaram. O humor que ele enfatiza ao adaptar o maior cl�ssico do escritor tcheco renova a originalidade da vis�o de Kafka sobre o absurdo da condi��o humana, sempre sufocada pela vitimiza��o de suas an�nimas criaturas.

    No longa-testamento "Verdades e Mentiras" (1973), Welles adota o formato do falso document�rio para questionar o status do artista-g�nio ao tra�ar o percurso de um falsificador com talento para fazer igual ou at� melhor que os originais.

    Em "Macbeth" (1948), "Othello" (1952) e "Falstaff" (1965), ele retoma seu idolatrado Shakespeare sem se curvar � ideia de "cl�ssico". Os cortes, colagens e remontagens dos textos que fez desagradaram os puristas, que preferiam a fidelidade das vers�es filmadas por Laurence Olivier. O Shakespeare de Welles, no entanto, afirma o cinema como arte-irm� do teatro. Ambas se constroem a partir da palavra, mas estas s� significam quando algu�m as reinventa numa forma, numa "mise-en-sc�ne" que as torna mais do que letras mortas.

    O CINEMA DE ORSON WELLES
    QUANTO: RS 69,90
    DISTRIBUI��O: VERS�TIL
    DIRE��O: ORSON WELLES

    SHAKESPEARE POR WELLES
    QUANTO: R$ 49,90
    DISTRIBUI��O: VERS�TIL
    DIRE��O: ORSON WELLES

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