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    Revolu��o russa, 100

    Cooptado pelo Estado, futebol se popularizou no regime comunista

    F�BIO ALEIXO
    COLABORA��O PARA A FOLHA

    22/10/2017 02h00

    Margaret Bourke-White/The LIFE Picture Collection/Getty Images
    Dois Pvts do Ex�rcito Vermelho. sentado na primeira fila w. milhares de outros russos no Dynamo Stadium, assistindo um jogo de futebol entre Dynamo Team & Red Army Team (apenas nome, n�o conectado ao Ex�rcito
    Soldados do Ex�rcito Vermelho sovi�tico assistem a jogo no est�dio do D�namo de Moscou, em 1941

    Quando a revolu��o eclodiu na R�ssia em 1917 o futebol j� era jogado no pa�s. Assim como em outros locais do mundo, foi introduzido pelos brit�nicos tendo como marco no Imp�rio Russo o ano de 1892, com a primeira equipe fundada em 1894. No per�odo sovi�tico � que o esporte se popularizou no pa�s.

    "Antes da revolu��o, o futebol n�o era um esporte de massa. Os praticantes e espectadores faziam parte da classe m�dia urbana e da comunidade de expatriados que viviam na R�ssia", afirmou � Folha o americano Robert Edelman, professor de Hist�ria da R�ssia e do Esporte na Universidade de San Diego (EUA) e autor de "Uma Pequena Maneira de Dizer N�o", sobre o clube Spartak, de Moscou.

    No regime comunista, o futebol foi cooptado pela m�quina estatal para afirmar elementos nacionais e suas institui��es. O ditador Josef St�lin (1878-1953) n�o era um f� do esporte, mas soube us�-lo a seu favor.

    "Uma vez encerrada a Guerra Civil em 1921, o futebol come�ou a construir sua popularidade. Em alguns casos, as equipes funcionavam como pequenas empresas privadas, o que era legal no in�cio anos 20, de acordo com o proposto por Lenin. Quando [Josef] St�lin aboliu o Novo Plano Econ�mico e imp�s controles econ�micos mais r�gidos, patroc�nios de grandes e poderosas institui��es pol�ticas se fizeram necess�rios", disse Edelman.

    O PODER DAS ARMASOs principais times ligados ao ex�rcito durante a URSSOs principais times ligados � pol�cia

    A influ�ncia do regime e de empresas controladas pelo Estado foi forte e cont�nuo durante as d�cadas de 1920 e 1930. De in�cio, nomes e s�mbolos das equipes foram alterados para colocar em evid�ncia as organiza��es estatais.

    O primeiro e mais marcante caso foi o do Orekhovo, criado em 1887 no distrito de mesmo nome em Moscou por dois ingleses oper�rios do setor t�xtil que possu�am uma f�brica. Em 1923, por obra de Felix Dzerzhinsky chefe da NKVD, a pol�cia secreta sovi�tica precursora da KGB, o clube passou a se chamar D�namo Moscou e a ser financiado pelo Minist�rio do Interior. V�rios times com nome "D�namo" surgiram em datas pr�ximas nas maiores cidades da URSS como Kiev (UCR), Minsk (BLR) e Tbilisi (GEO).

    Em Moscou, o Ex�rcito passou a controlar e fomentar o CSKA e outros clubes sovi�ticos. E surgiram times ligados aos mais diversos setores no qual o Estado estava presente, sendo os principais o Lokomotiv (empresa ferrovi�ria), Zenit (companhia de eletricidade de Leningrado), Torpedo (ind�stria de autom�veis) e o Krylia Sovetov (ind�stria de avi�es).

    O �nico clube que n�o tinha nenhuma liga��o com o Estado era o Spartak Moscou, que se chamava anteriormente Krasnaya Presnya, em rela��o ao distrito onde foi fundado, e depois Promkooperatsiya, em refer�ncia � cooperativa industrial.

    Ele teve seu nome alterado em 1935 para fazer refer�ncia a Spartacus, um escravo gladiador que liderou uma legi�o de rebeldes contra Roma. Ficou conhecido como o clube do povo e foi o maior s�mbolo de resist�ncia.

    "Em uma na��o comunista o clube de futebol para o qual voc� torcia era uma comunidade � qual voc� escolhia pertencer. O regime n�o te manda para apoiar uma ou outra equipe. Talvez fosse a sua �nica chance de escolher uma comunidade e poder se unir a outros que pensavam como voc�. Era uma oportunidade rara de se sentir livre", afirmou o antrop�logo Levon Abramian em entrevista publicada pelo jornalista Simon Kuper no livro "Futebol Contra o Inimigo".

    Com o controle estatal e o surgimento de cada vez mais equipes, o futebol se tornou profissional em 1936. Veio ent�o a cria��o da liga sovi�tica, primeiramente concentrada na R�ssia, mas depois expandida para as outras 14 rep�blicas.

    A liga durou at� a dissolu��o da Uni�o Sovi�tica em 1991. S� n�o foi disputada entre as temporadas de 1941 e 1944 por causa da 2� Guerra Mundial. Com 13 t�tulos, o D�namo de Kiev foi o maior vencedor, seguido pelo Spartak, com 12, e o D�namo de Moscou, com 11.

    ERA DOS MAGNATAS

    O fim da URSS n�o significou apenas a imposi��o de fronteiras e o surgimento de na��es independentes. Trouxe mudan�a profunda ao futebol. O Estado j� n�o tinha mais f�lego nem interesse para fomenta��o dos clubes, assim como empresas e sindicatos. Foi neste momento que os clubes passaram a ser privados, controlados por grandes grupos, magnatas e oligarcas.

    "A extin��o das antigas empresas estatais deixou um vazio no mercado que seria preenchido sobretudo por ex-burocratas, traficantes do mercado negro, diversos funcion�rios comunistas que se converteram rapidamente em homens de neg�cio, membros da nova elite politica, os 'novos russos', uma classe de homens imensamente ricos", escreveu o historiador brit�nico Jim Riordan em "Entrar no Jogo: pela R�ssia, pelo dinheiro e pelo poder".

    Maxim Shemetov/Reuters
    Soccer Football - Champions League - CSKA Moscow vs FC Basel - VEB Arena, Moscow, Russia
    Torcida do CSKA em jogo da Liga dos Campe�es contra o Basileia, da Su��a, na quarta-feira (18)

    Um desses novos investidores foi Roman Abramovich, hoje dono do Chelsea. Por meio da petrol�fera Sibneft, ele investiu no CSKA entre 2004 e 2006. Em 2005, o time ganhou a extinta Copa da Uefa.

    O �nico que segue fiel �s origens � o Lokomotiv, cuja propriet�ria � a empresa estatal Ferrovias Russas, conhecida pela sigla RZD.

    "�s vezes participamos de alguns eventos, mais relacionado ao marketing da empresa. Mas n�o com frequ�ncia. O mais recente foi na inaugura��o de uma nova linha de trem que foi constru�da em volta do centro da cidade", disse � Folha o goleiro brasileiro naturalizado russo Guilherme Marinato.

    "Os torcedores sabem a rela��o que seus times tinham com o Estado, mas hoje isso n�o influencia absolutamente nada. Os apelidos ainda ficaram, como de policiais para o D�namo e militares para o CSKA, tanto que n�s jornalistas ainda os usamos em nossos textos e os torcedores possuem algumas faixas", disse o rep�rter russo Grigory Telingater, do site Championat.

    CLUBE DA POL�CIA X TIME DO POVO

    O futebol na era sovi�tica deve grande parte de seu desenvolvimento e popularidade ao cl�ssico moscovita entre D�namo e Spartak. O jogo resumia o choque entre o clube da pol�cia e o time do povo, respectivamente.

    A rivalidade entre eles come�ou a se acirrar em 1935, quando Nikolai Starostin, jogador de enorme sucesso no pa�s, que j� havia capitaneado as sele��es de futebol e de h�quei, resolveu assumir o controle do ent�o Promkooperatsiya. Ao lado de seus tr�s irm�os, o renomearam Spartak.

    Ao mesmo tempo, Starostin se aproximou de Alexander Kosarev, chefe da Komsomol [organiza��o da juventude do Partido Comunista]. O �rg�o disputava o controle do esporte com as for�as de seguran�a, que tinham no D�namo seu maior expoente. O clube teve a partir de 1936 como presidente honor�rio o georgiano Lavrenti Beria, chefe da pol�cia secreta (NKVD) e bra�o-direito de Josef St�lin (1878-1953).

    RIA Novosti
    Jogadores de futebol sovi�ticos, participantes da primeira partida entre funcion�rios franceses e da Uni�o Sovi�tica. O capit�o da equipe sovi�tica Pyotr Artemyev (2da esquerda) segurando um banner
    Jogadores de futebol sovi�ticos que participaram de partida contra trabalhadores franceses, em 1926

    Beria foi o respons�vel pela pris�o em 1938 de Kosarev, que seria executado. Depois disso, passou a perseguir os irm�os Starostin. Sua f�ria aumentava � medida que o Spartak vencia -foram tr�s t�tulos da liga sovi�tica, contra dois do D�namo em cinco edi��es.

    A popularidade alcan�ada pelo clube forjou a alcunha de "Time do Povo".

    A equipe era formada por trabalhadores simples que vinham das camadas populares, enquanto os atletas rivais tinham cargos administrativos e patente militar.

    "O Spartak pode ter provocado um antagonismo de classes, mas era popular por uma raz�o muito mais convencional: o time era bom", escreveu o historiador norte-americano Robert Edelman no livro "Uma Pequena Maneira de Dizer N�o".

    Um epis�dio que deixou Beria ainda mais furioso ocorreu na semifinal da Copa Sovi�tica de 1939 quando o Spartak venceu o D�namo Tbilisi por 1 a 0 com um gol pol�mico e avan�ou para a final, superando o Leningrad Stalinets por 3 a 1.

    Mesmo ap�s a decis�o, ordens vindas do governo for�aram a realiza��o de nova partida entre Spartak e D�namo. Nova vit�ria do time de Starostin por 3 a 2.

    A rivalidade s� aumentava. Em 1942, Nikolai e seus irm�o foram presos e acusados de diversos crimes. De acordo com as autoridades, eles estavam impondo pr�ticas burguesas no esporte, aproximando-o do capitalismo. Outro processo os apontava como conspiradores de um plano para assassinar St�lin.

    Como pena, foram condenados a dez anos em campos de trabalho for�ado na Sib�ria. Em 1955, dois anos ap�s a morte de St�lin e a execu��o de Beria, Kosarev voltou a Moscou e presidiu o Spartak at� 1992. Morreu quatro anos depois.

    Ap�s o fim da Uni�o Sovi�tica, o D�namo perdeu muito de seu poderio e na "nova R�ssia" jamais voltou a ganhar um t�tulo nacional. Na temporada 2016/2017, pior: jogou a segunda divis�o pela primeira vez.
    J� o Spartak se manteve como grande e ganhou mais dez t�tulos nesta nova era.

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