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    Transtornos psiqui�tricos afastam quatro PMs por dia em S�o Paulo

    DO "AGORA"

    24/08/2015 02h00

    Transtornos psiqui�tricos foram respons�veis por 14.756 afastamentos de policiais militares entre 2005 e 2014 no Estado. Os n�meros obtidos pela reportagem por meio da Lei de Acesso � Informa��o mostram que, durante esses 10 anos, quatro PMs receberam autoriza��o diariamente, em m�dia, para se tratar fora do servi�o.

    Segundo especialistas e PMs da ativa e da reserva, o n�mero de policiais afetados por problemas mentais pode ser bem maior do que o de afastamentos concedidos. Eles dizem que o preconceito e a dificuldade em obter autoriza��o para se tratar est�o entre os obst�culos, diante de uma corpora��o que tem um efetivo reduzido.

    Especialista em seguran�a p�blica, o tenente-coronel da reserva Adilson Paes de Souza afirma que os dados s�o preocupantes, mas que existem in�meros policiais que, em um primeiro momento, n�o s�o diagnosticados com transtorno mental. "N�o existe uma estrutura adequada e suficiente a ponto de, preventivamente, tir�-lo da rua", diz. Souza afirma tamb�m que muitos PMs n�o procuram ajuda. "� o mito do mach�o, do her�i. O medo de sofrer chacota, de demonstrar fraqueza, e de enfrentar a insensibilidade dos superiores", afirma.

    Presidente da Appmaresp (Associa��o das Pra�as Policiais Militares da Ativa e Reformados), o cabo Marco Ferreira diz que, em geral, n�o h� ajuda para conseguir afastamento. "Quem determina isso na pr�tica s�o os comandantes, independente do crit�rio m�dico", diz. "Voc� � adestrado em um regime onde n�o pode ser fraco e o dano psicol�gico � visto como fraqueza. Se precisa de ajuda, � visto como fraco ou � vagabundo"

    "Um PM assim n�o pode atender a popula��o. Isso tem causado muitos suic�dios. Morrem mais policiais em suic�dios do que em servi�o, fardados. Que temos conhecimento, foram oito s� neste ano", diz Adriana Borgo, presidente da Afapesp (Associa��o de Familiares e Amigos de Policiais).

    'VOC� GRITA E NINGU�M OUVE'

    Misto de depress�o e ansiedade, pensamentos de desesperan�a, irritabilidade e idea��o suicida. Esse � o diagn�stico de um cabo da PM que passou 34 dias em um hospital psiqui�trico, depois de tentar afastamento da corpora��o, sem conseguir. "Voc� grita e ningu�m ouve", disse, sob a condi��o de n�o ter o nome revelado.

    "A minha psiquiatra foi aumentando a quantidade de rem�dios a ponto de me dizer que n�o tinha mais como, que eu tinha que sair", afirmou. "H� uma press�o psicol�gica no quartel, quando voc� � visto como um 'm�o cansada', algu�m que n�o gosta de trabalhar."

    Mesmo com o pedido feito pela psiquiatra que o acompanha desde 2007, n�o foi afastado. "� muito dif�cil. Tenho laudos, documentos, tudo o que aconteceu no hospital, um relat�rio completo da minha vida ps�quica. Mesmo com tudo isso, n�o fui atendido em meu pedido de afastamento e voltei a trabalhar", disse.

    Dos 19 anos de corpora��o, ele traz lembran�as como a cobran�a feita pela mulher de um colega baleado na cabe�a durante um tiroteio. "Ela perguntou onde eu estava que n�o tinha evitado aquilo com o marido dela. � duro, cara", disse.

    "Como somos militares, n�o podemos desobedecer uma ordem, ent�o acabamos trabalhando em frangalhos", afirmou. "Entrei saud�vel, com fam�lia, amigos, brilho no olhar e a PM tirou tudo isso", disse.

    PESQUISA

    Professor titular da Unicamp e especialista em Psicologia do Trabalho, Jos� Roberto Montes Heloani teve como orientando um ex-major da PM que desenvolveu tese justamente sobre servi�o na corpora��o. "Se o sujeito n�o babar e n�o tiver um surto na frente do oficial, ent�o d� para ir para a rua. � uma situa��o tr�gica. O policial que pega a arma enfrenta a viol�ncia seis, sete vezes por dia", afirma.

    Segundo Heloani, no trabalho desenvolvido pelo orientando foi poss�vel detectar frases como "entrei canabrava [aquela que n�o se verga], sa� como baga�o", dando a dimens�o de como a estrutura militar o anula. "Como n�o se admite a doen�a, ele sequer � medicado. Muitas vezes, ele recorre � droga il�cita e a� se aproxima dos criminosos."

    Vice-coordenador do N�cleo de Estudos de Viol�ncia e Rela��o de G�nero do Departamento de Psicologia da Unesp de Assis, Cl�udio Edward dos Reis afirma que falta valorizar os policiais. "Temos um grupo de oficiais mais novos, com forma��o intelectual mais ampla, mas o que permanece � a hierarquia militar, que � r�gida."

    Sobre a figura do policial como um her�i, Reis afirma que o pr�prio PM tem esse ideal. "Com uma farda e uma arma na m�o, ele se transforma. Com viatura em alta velocidade, helic�ptero, parece que ele est� em um filme de Hollywood, mas aqui � a vida real", diz.

    OUTRO LADO

    A Pol�cia Militar afirma que possui um servi�o de sa�de mental adequado �s necessidades da corpora��o, com o objetivo de garantir que os PMs recebam toda a aten��o que a atividade policial exige, "independente de ser militar ou n�o".

    "� tamb�m a garantia de que a sociedade est� segura e que pode contar com profissionais qualificados. Se n�o houvesse um sistema de sa�de t�o efetivo, os n�meros obtidos pela reportagem sequer existiriam, dando a falsa impress�o de que os policiais n�o possuem qualquer tipo de problema", afirmou, em nota.

    Segundo a PM, al�m de existir controle eficiente, a corpora��o d� "todo o apoio" que um profissional da �rea de seguran�a necessita ter. "A profiss�o policial, independentemente da natureza militar ou civil, possui por si s� uma carga de estresse superior � da maioria das profiss�es, e essa realidade ocorre no mundo todo", disse, em nota.

    A PM afirma tamb�m que � "preciso ter responsabilidade e �tica na forma de divulga��o de certas informa��es, para n�o se passar � sociedade uma impress�o equivocada da realidade, transmitindo uma falsa sensa��o de inseguran�a".

    LEI DE ACESSO � INFORMA��O

    A Pol�cia Militar demorou seis meses para atender o pedido da reportagem, feito por meio de Lei de Acesso � Informa��o. Mesmo assim, s� forneceu os n�meros ap�s recurso apresentado � Ouvidoria Geral do Estado, que concedeu o acesso em decis�o de 3� inst�ncia.

    "Ademais, parece dif�cil enxergar na informa��o solicitada um dado 'imprescind�vel � seguran�a da sociedade e do Estado', como alegou o �rg�o demandado. Com efeito, requereu o interessado apenas o n�mero de afastamentos, discriminado por ano, sem qualquer individualiza��o que –aparentemente– possa comprometer a seguran�a de qualquer indiv�duo em particular", afirmou o ouvidor Ungaro.

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