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    Oscar Vilhena Vieira

    'A Marcha da Insensatez'

    17/10/2015 02h00

    Esse � o nome de um livro cl�ssico (escrito por Barbara Tuchman) sobre a guerra do Vietn�, onde morreram, entre 1961 e 1975, 58.209 soldados americanos. No Brasil, somente em 2014, 58.559 pessoas foram intencionalmente mortas. Um Vietn� ao ano. Apenas para que tenhamos uma dimens�o mais ampla da cat�strofe, mais de 1,3 milh�o de pessoas morreram v�timas de crimes violentos desde os anos 1980 no Brasil.

    Imposs�vel mensurar o que isso significa em termos de sofrimento de familiares e amigos, especialmente m�es e pais dessas v�timas. Tamanho sofrimento, no entanto, n�o parece comover grande parte de nossos governantes, que ao longo de d�cadas de fiasco na �rea de seguran�a pouco t�m feito para reverter esse quadro de banaliza��o da vida .

    A viol�ncia letal, importante que se diga, n�o afeta a todos de maneira igual. Jovens, pobres e negros, moradores de nossas periferias sociais, s�o as v�timas preferenciais. Esse grupo � especialmente vulner�vel � viol�ncia perpetrada pelo pr�prio Estado. Em 2014, mais de 3.000 pessoas foram mortas em confrontos com a pol�cia. Isso sem falar de chacinas em que a presen�a de maus policiais � constante. O n�mero de policiais mortos tamb�m � inaceit�vel. Em 2014, foram 229 policiais mortos no pa�s. Cerca de 80% fora do trabalho.

    A distribui��o da viol�ncia tamb�m � geograficamente desequilibrada. Em Alagoas, Estado mais violento da Federa��o, s�o 66,5 mortos por grupo de 100 mil habitantes, seguido pelo Cear�, com 50,8 por 100 mil. Do lado oposto est� S�o Paulo, com 10,7 mortos por 100 mil (os dados s�o do F�rum Nacional de Seguran�a P�blica).

    O dram�tico � que a redu��o dos homic�dios n�o se d� por falta de investimento. Em 2014, foram mais de R$ 70 bilh�es despendidos com seguran�a, o que se assemelha ao padr�o europeu de gastos com o setor. Tampouco porque n�o se sabe o que fazer. As experi�ncias de cidades como Medel�n, Nova York e mesmo S�o Paulo demonstram que a viol�ncia e os homic�dios n�o constituem fen�menos inexor�veis.

    Hoje sabemos que � poss�vel reduzir a barb�rie por interm�dio de um conjunto integrado de pol�ticas p�blicas, como controle de armas, ilumina��o, habita��o, fechamento de bares e uma pol�tica mais racional de drogas.

    Nada disso, no entanto, dispensa uma nova concep��o de pol�cia, que deve come�ar pela redefini��o de sua miss�o. Numa sociedade democr�tica, a pol�cia existe para proteger direitos, em especial o direito � vida.

    Para que possa realizar de modo eficiente sua tarefa de prevenir o crime e apurar os respons�veis, deve ser capaz de obter informa��o e trabalh�-la de forma inteligente. Para isso, necessita conquistar a confian�a da popula��o. O que s� ser� poss�vel demonstrando um profundo respeito pelo cidad�o, em particular por aquele que � mais vulner�vel � viol�ncia.

    Mais do que isso, precisamos de uma pol�cia de ciclo completo e n�o cindida, como temos hoje. A intelig�ncia e a capacidade operacional devem estar na ponta, n�o nos gabinetes. Os policiais devem ser valorizados e capacitados para resolver os problemas da popula��o. Os que abusam de seu poder devem ser punidos.

    Sem uma reforma profunda de nossas pol�cias, continuaremos caminhando para o desastre. Bons policiais desprestigiados, pol�ticos desmoralizados e milhares de jovens mortos.

    oscar vilhena vieira

    Professor de direito constitucional da FGV-SP, tem doutorado pela USP e p�s-doutorado na Universidade de Oxford. Escreve aos s�bados, a cada 2 semanas.

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