• Colunistas

    Tuesday, 10-Sep-2024 12:08:32 -03
    Elio Gaspari

    De J.Figueiredo@com para Dilma@gov

    29/07/2015 02h00

    Prezada presidente,

    J� lhe escrevi v�rias vezes, sem qualquer resultado. Pedi-lhe que parasse de distribuir mau humor porque sei que riem de n�s. Quando as coisas iam mal, eu me deixava fotografar montando um dos meus cavalos, a senhora monta sua bicicleta. Presidentes fazendo coisas desse tipo rendem imagens, mas sabemos que isso � apenas teatro. Quem lhe disser que a senhora se parece comigo est� frito. Lastimo dizer-lhe: somos parecidos. Eu n�o tinha como mudar. A senhora tem. Como? N�o sei, nem poderia lhe dizer.

    Eu governei o Brasil de 1979 a 1985. Depois veio o Sarney (a quem n�o passei a faixa). Juntos, levamos o pa�s para o que hoje se chama de "D�cada Perdida". Ela teria acabado em 1993, quando aquele caipira do Itamar Franco botou o Fernando Henrique Cardoso no minist�rio da Fazenda. O SNI achava que ele era comunista. Hoje me dou bem com o Itamar e gosto de conversar com o Tancredo Neves. Ele promete me reaproximar do general Ernesto Geisel, mas n�o est� f�cil. Se a tal "D�cada Perdida" tivesse acabado em 1994, teria come�ado em 1984. N�o creio. Ela come�ou antes, no meu governo.

    A ru�na de nosso pa�s come�ou em 1982, quando fomos colocados diante de uma situa��o econ�mica adversa e resolvemos pedalar. Eu fazia uma coisa, desfazia, tentava outra, sempre anunciando que a crise era transit�ria e sair�amos das dificuldades. Vieram o Sarney e o Itamar e tocaram o mesmo realejo.

    Escrevo-lhe para pedir-lhe que pense na coisa mais elementar: o buraco est� muito mais embaixo. A crise econ�mica do pa�s � mais grave do que a senhora diz, mas est� no in�cio. Talvez esse mo�o que a senhora p�s na Fazenda tenha acreditado que resolveria com saltos triplos. Aprendeu que n�o d� e o pior que pode acontecer � senhora � ter um ministro vendendo otimismo e produzindo descr�dito. Para desgra�a geral, eu, o Sarney e o Itamar jogamos esse jogo.

    Toda vez que eu fazia uma besteira a senhora ficava feliz. Hoje, daqui, n�o me alegro com suas bobagens. Essa hist�ria de crise transit�ria levando ao crescimento depois da pr�xima esquina � rid�cula. Ali�s, essa imagem veio do presidente americano Herbert Hoover em 1930, um sujeito pern�stico que conversa muito com o Roberto Campos. O Franklin Roosevelt, que governou depois dele, n�o o cumprimenta.

    Crise � crise e a senhora est� no meio de uma. Reconhe�a-a. Assuma-a. Se o PT fizer cara feia, encare-o. O que arruinou a nossa economia foi a minha incapacidade, a do Sarney e a do Itamar at� 1993 de reconhecer o tamanho do buraco e de enfrentar quest�es dif�ceis que pareciam insuper�veis. Sarney e o Itamar foram mais h�beis que eu, costurando uma base pol�tica. A minha, contudo, costurei-a abrindo espa�o para Tancredo, livrando o pa�s de um governo presidido por Paulo Maluf.

    Outro dia a senhora disse que a Lava Jato influenciou na redu��o da atividade econ�mica em 1%. Eu sei quanto nos custam observa��es coloquiais. Tem gente que acredita que eu preferia o cheiro de cavalo ao do povo. Nossas derrapadas saem da alma, mas a senhora sabe que a Lava Jato n�o influenciou a atividade econ�mica. Foram as roubalheiras que provocaram a Lava Jato. Na d�vida, fique calada. Eu n�o conseguia.

    Despe�o-me porque os meu cavalos est�o pedindo comida.

    Atenciosamente,

    Jo�o Baptista Figueiredo

    elio gaspari

    Nascido na It�lia, veio ainda crian�a para o Brasil, onde fez sua carreira jornal�stica. Recebeu o pr�mio de melhor ensaio da ABL em 2003 por 'As Ilus�es Armadas'. Escreve �s quartas-feiras e domingos.

    Fale com a Reda��o - [email protected]

    Problemas no aplicativo? - [email protected]

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024