RIO DE JANEIRO - O tempo, as inj�rias, as porradas dos "mil acidentes da carne" (Shakespeare), me obrigaram a cometer um crime que nunca passara pela minha preocupa��o: fazer um testamento. H� exemplos not�veis que fazem parte da literatura universal, incluindo o teatro e o cinema. "Gianni Schicchi", epis�dio de Dante que Puccini musicou, "A Mandr�gora", de Maquiavel, a pr�pria B�blia que narra a compra de uma sucess�o por um prato de lentilhas ("Esa� e Jac�").

N�o tenho terras, imp�rios e direitos herdados, a n�o ser "a vergonha que � a 'heran�a' maior que meu pai me deixou" (Lupicinio Rodrigues). Mesmo assim com alguns furos que fazem parte da condi��o humana.

Bombardeado por um tombo que recentemente levei na Alemanha, durante a Feira do Livro em Frankfurt, desconfiei que era tempo de cometer mais um crime dos muitos que fazem parte da minha lament�vel biografia.

Perguntaram-me se eu j� tinha feito o meu testamento. Uma hip�tese igual � pergunta: Por que n�o me casei com a rainha da Inglaterra? Por que n�o fui preso pela Opera��o Lava Jato e por que n�o abri uma conta na Su��a?

N�o h� de ser nada. De qualquer forma, pensei em repetir Rabelais: "N�o tenho nada, devo muito, o resto deixo para os pobres". Os pobres s�o mesmo pobres, apesar de Lula e Dilma Rousseff garantirem que n�o h� mais pobres no Brasil. Se forem esperar uma heran�a vinda dos c�us ou do meu bolso, est�o fodidos.

Pensando bem, o melhor � n�o fazer testamento nenhum. Ningu�m brigar� pelos bens que n�o possuo, a n�o ser algumas besteiras que escrevi por a�, mas sem valor no mercado.

Mesmo assim ganhei de um vizinho uma pistola Mauser com a qual ele pretendia se suicidar. Nunca a usei para fim nenhum, nem mesmo para mim. S� a usarei se for obrigado a ser t�cnico da sele��o nacional.

carlos heitor cony

Escreveu até dezembro de 2017

� membro da ABL. Come�ou sua carreira no jornalismo em 1952 no 'Jornal do Brasil'. � autor de 17 romances e diversas adapta��es de cl�ssicos.