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    Alexandra Forbes

    Sabores familiares na �frica do Sul

    06/01/2016 02h00

    Nos arredores da Cidade do Cabo, recortados por montanhas rochosas e refrescados pela brisa constante que sopra do Atl�ntico, s�o feitos os melhores vinhos da �frica. Impressionou-me, nessa minha primeira visita, ainda mais do que a vasta quantidade de visitantes nas vin�colas, o qu�o n�o-africano tudo parecia. Certos bulevares de Stellenbosch (cidadezinha que � o cora��o da zona vitivin�fera), com mans�es detr�s de port�es rosados e jardins manicurados, lembraram-me bairros ricos do sul da Fl�rida. Certas paisagens –deslumbrante colagem de mar, vegeta��o ressecada e rasteira e montanha– fizeram-me sentir que estava na Calif�rnia. Turistas –quantos turistas!– enchiam os terra�os ensolarados de pubs e bistr�s com jeit�o americano.

    Em Morgenster, uma das melhores vin�colas, bebi um vinho (da uva sangiovese) feito � moda toscana e comi um belo espaguete ao pesto. Na Peter Falke, igualmente linda, ornada com primaveras, ciprestes e vasto roseiral, provei, acompanhados de salame italiano, um syrah e um pinot noir que, se me fossem dados �s cegas, teria suposto que vinham do vale do Napa, na Calif�rnia. Na vin�cola Vergelegen, degustei chardonnays e sauvignon blancs tamb�m parecidos com os tipicamente californianos ou australianos - o primeiro bem amadeirado, o segundo, super herb�ceo. Seu restaurante, um dos mais elegantes do peda�o –tem no menu atum bluefin com ma�� e raiz forte, pato com beterraba, e tartare de carne com gorgonzola. Nem sinal de algum prato regional.

    � sabido que a maioria dos vinhos do chamado Novo Mundo –principalmente Chile, Argentina, Calif�rnia, �frica do Sul e Austr�lia– � vinificada de maneira similar, superextraindo as uvas e potencializando os aromas criados durante o envelhecimento em toneis de madeira. Parecem-se demais entre si em sua obviedade unidimensional. Encantei-me com exce��es louv�veis, como os tintos � bordalesa das vin�colas Morgenster e Miles Mossop, por exemplo –que unem eleg�ncia francesa e complexidade de aromas– mas no geral n�o encontrei nada �nico ou nitidamente sul-africano, no copo ou � mesa. Michael Fridjhon, o mais importante cr�tico de vinhos do pa�s, diz que se algo diferencia os vinhos locais de seus similares de outras regi�es do Novo Mundo � que "tendem a ser mais cl�ssicos, mais europeus em estilo".

    A pinotage, �nica uva que pode ser considerada exclusiva da regi�o, � na verdade um cruzamento, feito em 1925, de duas cepas francesas. Menos expressiva do que as tamb�m francesas syrah, cabernet franc e cabernet sauvignon, d� vinhos geralmente desinteressantes e �s vezes at� desagrad�veis. Nem os le�es e tigres em exibi��o na vin�cola Vredenheim vinham mesmo daquela zona: os primeiros extinguiram-se na regi�o h� tempos, e os segundos s�o mais indianos do que africanos.

    Eis o lado triste da globaliza��o: quem busca autenticidade quando viaja para comer e beber fica a ver navios. Cada vez mais, restaurantes, bistr�s, bares e vin�colas t�m menu, d�cor e trilha sonora quase iguais, estejam eles em Bento Gon�alves, Mendoza, Napa ou... na Cidade do Cabo. Isso tira muito da gra�a que h� em viajar e faz um mundo homog�neo demais. Em uma semana de sonho percorrendo a rota do vinho do Cabo, refestelei-me com sufl�s de gruy�re, massas � italiana, tintos de estilo bordal�s e chardonnays untuosos. Mas parti da �frica do Sul sentindo n�o a ter sequer conhecido.

    alexandra forbes

    � jornalista gastron�mica, 'foodtrotter' e autora de 'Jantares de Mesa e Cama'. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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