O Novo Canto da Asa Branca

O nome Caatinga vem do tupi-guarani e significa mata branca, uma referência à cor dos troncos das plantas que perdem sua folhagem nos períodos mais secos. Nesse bioma, o único exclusivamente brasileiro, pode-se aprender muito sobre resistência. Em meio à paisagem seca em tempos de aridez, basta um pouco de chuva para tudo ficar verde, florescer e germinar, fazendo a vida pulsar mais forte.

Ao contrário da imagem propagada de isolamento e solo rachado, a Caatinga abriga uma grande diversidade de paisagens, povos e espécies da fauna e flora, ainda pouco conhecidos por grande parte da população. Esse bioma tem uma importância fundamental para a biodiversidade do planeta, pois 33% de sua vegetação e 15% de seus animais são espécies exclusivas (endêmicas), que não existem em nenhuma outra parte do mundo.

A Caatinga ocupa a área do Semiárido brasileiro, além de zonas de transição onde há a interferência da vegetação de outros biomas¹. Em relação ao seu tamanho, ocupa uma área² de quase 850 mil km², cerca de 10% do território nacional³, e está presente nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia, Pernambuco e no norte de Minas Gerais. Apesar de sua importância, a Caatinga possui 46% de sua área desmatada, o terceiro bioma mais degradado do Brasil, atrás da Mata Atlântica e do Cerrado.

No que se refere à complexidade socioambiental, esse bioma está na região semiárida mais povoada do mundo e detém a população mais pobre do Brasil. Esse quadro ocasiona diversos problemas sociais, como condições de vida difíceis, desemprego e alto índice de mortalidade infantil⁴.

Uma solução necessária para aqueles que vivem no Semiárido é saber tirar bom proveito da Caatinga, o que resulta em profundo conhecimento sobre diferentes usos da vegetação nativa, fundamental para a segurança e soberania alimentar e nutricional, e para a geração de emprego e renda da população. As áreas em que as comunidades vivem por meio do uso sustentável da biodiversidade possibilitam a manutenção dos serviços ecossistêmicos fundamentais para a qualidade de vida e o desenvolvimento econômico⁵.

O clima da Caatinga é o semiárido, o que carrega também importante conceito político. Com chuvas irregulares ocasionando longos períodos de estiagem, as populações da Caatinga precisaram aprender a conviver com essa característica. Isso exigiu a luta e mobilização social por políticas que garantissem condições de vida digna na região, como os programas de difusão de tecnologias de convivência com o Semiárido. Uma das mais difundidas são as cisternas, que armazenam as águas das chuvas para os períodos de estiagem, permitindo a produção da agricultura familiar durante todo o ano.

Falando em tecnologias, há de se reconhecer que os povos desse bioma, talvez pela pressão das tormentas da vida, têm uma criatividade para além da imaginação. Um povo que consegue criar meios para conviver com o clima árido com o que tiver disponível. Assim, geralmente com poucos recursos, dão um jeito de conseguir aproveitar a pouca quantidade de água, armazenam de algum outro jeito e depois ainda inventam mais um forma de reaproveitá-la. No quesito criatividade, esse povo vai além, com as chamadas “engenhocas”, como bombas de água alternativas que não necessitam energia e sistemas de irrigação caseiros.

Desse jeito a população da Caatinga vai mostrando sua força. Suas expressões culturais diversas dão conta de passar o recado. Mostram sua realidade, brincam com as palavras, fazendo com que a vida árida ganhe graça e alegria. A resistência do bioma se confunde com a resistência do seu povo, que vem construindo um novo canto sobre a Asa Branca. Onde antes só havia “terra ardendo e nem um pé de plantação”⁶, agora tem também abundância e tem fartura na produção. Tem alimento para sobreviver e também para vender. O povo antes judiado pela seca, aprendeu com a conviver com a Caatinga.

Como bem disse a Declaração do Semiárido de 1999⁷, o sertão deve ser visto para além das imagens eternizadas de quando a seca castiga, aquelas grandes áreas de chão rachado, água turva e crianças passando fome. Essas imagens servem para dar o sinal de alerta, mas reduzem a realidade da Caatinga que, para além de suas aridez, é fonte de cultura e de criatividade. Que também esse bioma seja assim lembrado, porque enquanto a terra arde e a asa branca já não canta, tem uma voz que faz mostrar o seu encanto e uma mão que faz o sertão verdejar e o sertanejo se alimentar.

Referências:
(1) ARAÚJO FILHO, José Coelho de. Relação solo e paisagem no bioma Caatinga. In: Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada, 14., 2011, Dourados: UFGD, 2011. Disponível em <ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/38909/1/Coelho-XIV-SBGFA-1.pdf>. Acesso em 18 jan. 2020.
(2) MMA. Unidades de conservação e Terras Indígenas do bioma Caatinga. The Nature Conservancy, Ministério do meio Ambiente. Brasília: 2008. Disponível em <www.mma.gov.br/estruturas/203/_arquivos/mapa_das_ucs.pdf>. Acesso em 18 jan. 2020.
(3) Caatinga. Ministério do Meio Ambiente. Disponível em <www.mma.gov.br/biomas/Caatinga>. Acesso em 18 jan. 2020.
(4) IBGE/MMA. Mapa de biomas do Brasil – Primeira aproximação, 2004. Disponível em < brasilemsintese.ibge.gov.br/territorio.html>. Acesso em 18 jan. 2020.
(5) XAVIER, Josilda Batista Lima Mesquita. Representações sociais e saberes de mulheres quilombolas: tessituras e vida no bioma Caatinga. Tese (Doutorado) – Universidade do Estado da Bahia (UNEB|). Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade. Salvador, 2017. Disponível em <www.cdi.uneb.br/site/wp-content/uploads/2017/11/VOLUME-Ie-II_TESE-FINAL_CD.docx.pdf>. Acesso em 18 jan. 2020.
(6) Fragmentos da música “Asa Branca” de Luiz Gonzaga.
(7) Declaração do Semiárido – propostas da Articulação no Semiárido Brasileiro para a convivência com o semiárido e combate à desertificação. Recife: 1999. Disponível em <www.mma.gov.br/estruturas/sedr_desertif/_arquivos/declaracao_semiarido.doc>. Acesso em 31 dez. 2019.

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