Quem senta hoje em qualquer restaurante paulistano para jantar e pede uma taça de vinho para acompanhar o prato não sabe, mas isso não existia até 1980 em São Paulo. Beber vinho era um hábito caro, de gente rica e, quase sempre, mais velha.
Gente da minha geração, que foi adolescente nos anos 1980 e 1990, ainda mais gente como eu, que não tem pai, mãe, avôs ou avós imigrantes europeus, não tomava vinho. Bebida de jovem era cerveja. Os mais velhos tomavam uísque. Ou pinga, de farra, na caipirinha.
Aí o Ritz foi inaugurado, em 1981, na alameda Franca, pertinho da rua Augusta. O Ritz na verdade não foi o primeiro lugar de São Paulo a servir vinho em taça —esse foi o Sanduíche, que abriu em 1980 na Oscar Freire, o primeiro restaurante da Maria Helena Guimarães, a Marilove, com seu marido e parceiro da vida, Arthur Guimarães, e o sócio Antônio Henrique Ferreira.
Foi o Arthur que teve a ideia de trazer essa novidade que viu em Londres para São Paulo, e a Marilove, claro, amou. Assim como todo mundo que percebeu que aquilo era fundamental, uma dessas coisas que, quando a gente descobre, não sabe como viveu até então sem isso.
O Sanduíche logo ficou pequeno demais para o sucesso que fazia, e, no ano seguinte, foi desdobrado e transformado no Ritz. Eu, que tive a sorte de ter uma irmã mais velha que não se importava de carregar a caçula quando saía à noite, comecei a frequentar poucos anos depois —aos 13. E aí, mudou tudo. Para mim, para a cidade, para os cariocas que vinham visitar e ficavam babando com aquele mix de Baixo Leblon com Londres e Nova York que a gente tinha no meio dos Jardins.
Por aquelas portas rotatórias vermelhas girava gente nova, gente velha, gente rica, gente alternativa, artistas, intelectuais, jornalistas, punks, skatistas, roqueiros brasileiros, gays. E, lá dentro, espalhados por mesinhas com tampo de mármore ou sentados nos sofás vermelhos, era todo mundo igual. Até os garçons, as garçonetes, os gerentes, não tinha sistema de castas no Ritz, era como se ali naquele espaço a gente fosse parte de uma comunidade. E, de certa forma, era. Ainda é.
Nos primeiros anos, o Ritz era uma bagunça. Eu, que era a frequentadora mais nova entre os assíduos, nunca tinha dinheiro para pagar o hot dog com coleslaw que tinha no cardápio no começo. Sem problemas, era só assinar a notinha. Mas, em 1990, chegou o Sérgio Kalil para botar ordem na casa. Com 28 anos, gentilíssimo, bem-humorado, inteligente, gato, contou de cara que aquela história de pendurar a conta tinha ficado no passado. Assim como meu querido hot dog...
Ficamos amigos na hora. Fiz duas vitrines do Ritz, uma toda com bolinhas coloridas, e outra com peixinhos voadores de papel que tinham pintinhos e xoxotinhas. Experimentei quase tudo do novo cardápio —e da lista de drinques, escrita com giz na lousa triangular que ficava em cima do bar.
Uma noite, perguntei se ele deixava eu ser garçonete por um dia. Ele deixou, e meus amigos acharam tanta graça que lotaram as mesas me pedindo comidas e bebidas, que eu trocava tudo, mas todo mundo se divertia. Ganhei boas gorjetas, dei várias gargalhadas.
E o Sérgio Kalil teve uma ideia: que tal se outros frequentadores tivessem essa mesma experiência? Inventou uma festa, "Os Clientes São Garçons", um sucesso tão estrondoso que teve que se repetir por vários anos. Até que ficou grande demais, parava a rua de tanta gente, a lista de quem queria servir era imensa, e a de quem chegava pra ser servida, então, era infinita. Os vizinhos chamavam a polícia, era uma confusão. E teve que acabar.
Enquanto isso, minha vida ia acontecendo. Morei um ano na Austrália, entrei na escola de circo, fiz faculdade de filosofia, conheci o Sérgio, casei com o Sérgio (o Kalil foi padrinho), virei jornalista, escrevi livros (alguns lancei no Ritz). Tive filhas, duas meninas, que fizeram 8 anos no dia 15. E adivinha qual o restaurante que elas mais foram na vida?
Comentários
Ver todos os comentários