Uma grande mesa posta dentro de um túnel em obras, sobre uma ponte desativada, ou em meio às quinquilharias esquecidas em um prédio abandonado. Em tempos de eventos secretos, é difícil não ter a curiosidade aguçada pelos registros dos rolês do produtor cultural Kauê Fuoco.
Idealizador do Kura, uma "incubadora de experiências ressignificativas de reintegração", ele promove shows, jantares e festas em lugares inusitados que, nem de longe, seriam ideais para receber eventos do tipo. Cada temporada das experiências tem um enredo próprio e acontece em um local diferente, e depois nunca mais —efemeridade que atiça ainda mais o interesse de quem quer fugir da mesmice da cena paulistana.
A temporada atual, "Pizza&Jazz", começou em abril, quando Fuoco foi convidado a ocupar o antigo prédio da Telesp, empresa que foi operadora de telefonia do sistema Telebras, no centro de São Paulo. Abandonado há mais de uma década, o prédio foi adquirido pela incorporadora Metaforma, especializada em retrofits.
Incentivada pelo programa Requalifica Centro, a empresa pretende transformá-lo em um condomínio residencial de alto padrão, o Basílio 177. Com 292 apartamentos, o empreendimento terá um térreo vivo e permeável: um espaço gastronômico chamado Ramal conectará a rua Sete de Abril à sua paralela, Basílio da Gama, com restaurantes.
Enquanto as obras não começam, Fuoco, acostumado em transformar lugares abandonados em rolês excêntricos, é o responsável por reconstruir as relações do prédio com o seu entorno —que a incorporadora chama de "centro criativo de São Paulo". O termo faz referência aos negócios instalados na vizinhança, como os ateliês do Edifício Califórnia, as lojas e estúdios da Galeria Metrópole e os espaços culturais que circundam o edifício Copan, como o Pivô e a Verve Galeria.
"Meu pai era dono de casa de show e eu estudei produção cultural, então o que eu sempre soube fazer eram eventos, que eu passei a considerar como minhas artes", diz Fuoco, relembrando as primeiras experiências que montou. "Eu não queria lucrar ou me divertir, mas fazer uma experiência artística com começo, meio e fim, e que provocasse uma reflexão sobre a nossa relação com a cidade", ele diz.
Para trazer as pessoas novamente para dentro do ex-prédio da Telesp, Fuoco primeiro transferiu para lá o seu ateliê, que mais parece um laboratório do Dexter pós-apocalíptico, cheio de peças e materiais esquecidos no prédio e que estavam fadados a ir para o lixo
Depois, com os mesmos materiais, que incluem um piano velho, monitores de tubo, mesas feitas com painéis de senhas e até as centrais telefônicas, montou ali uma exposição chamada "Irrealidades Invisíveis" e também um salão de restaurante. Numa atmosfera meio kitsch, meio burlesca, é no local que acontecem as noites de "Pizza&Jazz".
A experiência começa pela rua Basílio da Gama, sem saída, onde um pequeno hall decorado com antigas máquinas da companhia telefônica recebe os visitantes. Logo, a voz grossa e teatral de um cicerone convida para subir dois lances de uma escada estreita.
Lá, o anfitrião conta a história do prédio, mostra o ateliê e explica como tudo funciona: o rodízio de pizza está incluso no valor do ingresso (R$ 180), as bebidas são à parte (R$ 45 a taça de vinho) e as mesas são compartilhadas. Quem quiser, pode vestir o avental e preparar suas próprias pizzas —sob a supervisão de um pizzaiolo, é claro,
Quem não quiser botar a mão na massa pode só se sentar e ser servido enquanto joga conversa fora e curte o jazz de Adriano Grineberg, habitué da programação do Blue Note, na avenida Paulista. Mas como explica Fuoco, parte da graça da experiência está na participação de público.
"A ideia é que as pessoas não sejam só espectadores, mas protagonistas. Isso significa ir a fim de fazer coisas e interagir", diz o produtor. "Por isso os jantares são diferentes a cada noite. Se o público participa, é uma coisa. Se são mais tímidos, é outro evento."
Embora pagar para ajudar a preparar o próprio jantar em um ambiente decadente possa parecer uma cilada, poder ir além do simples sentar e comer, e até servir os amigos em um espaço que parece outra realidade tem seu valor. Não à toa, os ingressos se esgotam rapidamente, trazendo ao mal cuidado centro de São Paulo até mesmo as patricinhas dos chiquetosos e bem-acabados restaurantes dos Jardins e da Vila Olímpia.
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