Ideias

Por Adam Rogers*


(Foto: Getty Images) — Foto: GQ
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O mapa de Nova York que a Jupiter Intelligence mostra aos seus clientes parece muito com aquele que você vê no Google. A principal diferença são os menus.

A parte esquerda do mapa permite que o usuário defina alguns parâmetros profundamente perturbadores. Na versão mostrada por Rich Sorkin (CEO da Jupiter) e Dinesh Sharma (chefe de produtos da empresa), as opções incluem "Ano da Inundação", "Probabilidade do Evento" e "Elevação do Nível do Mar". Em um clique, Sharma escolhe o impacto máximo: 2050, 1 por cento, e alto. Em outras palavras: Jupiter, mostre-me como uma inundação pode ocorrer em 2050, dados os piores resultados possíveis - modelados através de dados do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Climática (IPCC) e outros órgãos similares.

O resultado: digamos que você vai precisar de um par decente de botas impermeáveis. No mapa, as bordas de Manhattan transformam-se num azul anil insaturado. Elas estão debaixo d'água. Também estão submersos os aeroportos JFK e LaGuardia, os bairros à beira-mar de Brooklyn e Queens, a maior parte da península de Rockaway, e, talvez o caso mais crítico para o tipo de clientes para os quais a Jupiter trabalha, grande parte do armazém industrial e as seções portuárias de Nova Jersey. Se você possuísse esses armazéns ou tivesse um modelo de negócios que dependesse do envio de mercadorias para esse porto, como acontece com alguns clientes da Jupiter, todo esse azul pode fazer você repensar seus gastos com infraestrutura nas próximas décadas. A parte difícil de lidar com a mudança climática é que “há benefícios concentrados para os emissores e custos distribuídos e não totalmente compreendidos para todos os outros”, diz Sorkin. "Grande parte do que Jupiter está fazendo é colocar um preço sobre os impactos".

A mudança climática já está dificultando a vida na Terra. Se você administra uma empresa, ou uma cidade, ou planeja usinas de energia, rodovias e pontes, iria querer saber o quão ruim as coisas estão - e ficarão. É o que a Jupiter e outras empresas de “serviços climáticos” vendem. A Jupiter incorpora explicitamente a mudança climática em seus modelos de risco de catástrofe, tanto privada quanto pública, e então oferece esse conhecimento ao tipo de pessoa que pode perder dinheiro quando as inundações, incêndios, tempestades e ondas de calor entrarem em ação. Os cientistas falam continuamente das partes por milhão de dióxido de carbono e das temperaturas da superfície do oceano, mas nenhum de seus alertas parecem ter algum efeito - não para o ser humano comum que se pergunta se deveriam reciclar mais, nem para as pessoas que administram empresas e cidades. Sim, eles dizem, mas o que faremos?

A Júpiter e a indústria de serviços climáticos têm algumas ideias, mas elas se resumem a isso: limites. Entenda o preço do risco e agregue-o talvez a algum tipo de instrumento financeiro. Quanto mais souber o que acontecerá, mais preciso será o preço que você pode estipular. Não pense nas mudanças climáticas em termos de fome, deslocamento, morte por calor. Pense nisso no tempo de inatividade da usina, nos metros quadrados de armazéns perdidos para o aumento do nível do mar. Seja qual for o preço disso, será o quanto você gastará com um seguro. E as pessoas que sabem menos? Bem, você já deve ter ouvido que o futuro é distribuído de forma desigual. É a análise escatológica. O Apocalipse agora é um serviço.

A inteligência de Júpiter

Sorkin já havia construído empresas que lidavam com satélites aeroespaciais, privados e, por fim, com a previsão do tempo. Isso o levou, em 2016, aos serviços climáticos. Não era uma coisa óbvia. O mundo da previsão do tempo e dos riscos catastróficos é, como dizem os empresários, “maduro”. Muitas pessoas estão nele, vendendo suas próprias análises, dados personalizados e relatórios governamentais reaproveitados. Mas esse tipo de cálculo numérico tende a se estender por apenas um ano no futuro. “Ficou bem claro que as análises desenvolvidas para entender o impacto da mudança climática, tanto no setor público quanto no privado, estavam extraordinariamente imaturas”, diz Sorkin.

Mas não a ciência - ela é sólida como uma rocha. Todos os gases de efeito estufa que nós humanos emitimos na atmosfera desde o início da revolução industrial estão acionando o termostato da Terra. Furacões e tempestades irão se agravar, o calor ficará mais extremo, incêndios florestais irão queimar áreas mais longínquas mais rapidamente, doenças vão atingir mais populações e o nível do mar irá subir. As lutas recentes não se relacionam com palavras como o “se” ou mesmo o “quando”. Elas falam sobre o “quão ruim”.

Entretanto, descobrir como sua empresa lidará com tudo isso a partir de uma perspectiva financeira? Não é fácil. Administrar bem um negócio é em parte pagar por coisas que o tornarão resistente às exigências - você compra seguro, transfere edifícios vulneráveis para lugares mais altos, espalha suas cadeias de suprimentos. Mas você não consegue fazer nada disso se não souber (ou, mais importante, entender) o que estará por vir.

(Foto: Getty Images) — Foto: GQ
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E para quem Jupiter está vendendo essa vantagem? Sorkin diz que a empresa está com 10 clientes, incluindo uma das cinco gigantes de energia americanas e uma das maiores companhias hipotecárias do mundo, bem como as cidades de Nova York e Miami. Mas um porta-voz da cidade de Nova York me disse que a cidade não é um cliente: a administração financiou um estudo sobre enchentes de águas pluviais na faculdade de Brooklyn College e a instituição teria contratado um cientista da Jupiter. Jane Gilbert, diretora-chefe de resiliência da cidade de Miami, diz que a cidade contratou a empresa para um pequeno estudo-piloto, que custou cerca de U$ 25 mil, com o intuito de analisar o risco de inundações em um bairro vulnerável.

Para uma empresa relativamente nova, porém, isso parece um pouco bombástico." A Jupiter está levando muita tecnologia, conhecimento e dados que não eram acessíveis à indústria de seguros, empresas e governos", diz Barney Schauble, sócio-gerente da Nephila Advisors, que vende resseguros e títulos financeiros vinculados a desastres (e é ao mesmo tempo cliente e investidor na Jupiter). "Qualquer coisa que nos forneça informações potencialmente melhores sobre catástrofes ou riscos climáticos nos interessa."

Algumas décadas atrás, o furacão Andrew e o terremoto de Northridge (entre outros desastres) ensinaram duas coisas às indústrias de seguros e finanças: que eles haviam subestimado a quantidade de risco que pairava sobre seus portfólios e superestimavam as garantias adicionais disponíveis para cobri-los. Eles precisaram espalhar tais recursos através de instrumentos financeiros, títulos catástrofe que um mercado poderia comprar. Mas para fazer esse trabalho, era preciso melhorar a matemática da coisa. Hoje, muitos países europeus têm um escritório oficial de serviços climáticos administrado pelo governo. (No entanto, não os EUA - os congressistas republicanos disseram temer que tal escritório caracterizasse “propaganda”, e rejeitaram a ideia.) Grandes relatórios como os que o IPCC ou a Avaliação Nacional do Clima divulgam não são de grande ajuda. Eles são um papel em branco sobre as emissões dos gases de efeito estufa. “A ideia nunca foi ser um roteiro para o setor privado calcular orçamento e adaptação de capital”, diz Sorkin.

Um negócio inteligente, por outro lado, operaria com uma noção de como seria a próxima década ou as duas - um horizonte de tempo que englobasse grandes gastos de capital e que pudesse levar em conta não mudanças globais, mas qualquer coisa que acontecesse localmente, ao terreno do lado de fora da porta de casa. Se você souber que seus armazéns ficarão submersos na próxima vez que uma forte tempestade atingir o litoral, mudará os armazéns ou os construirá em um local mais alto. Se souber que a elevação do nível do mar inundará as estradas e ferrovias que você usa para transportar suas mercadorias, irá saber que precisará encontrar rotas alternativas para o transporte.

A estabelecida indústria do risco de catástrofes geralmente opera em escalas de tempo muito curtas para lidar com tudo isso. "A questão é: como explicaremos a mudança climática hoje se estamos usando dados de várias décadas no passado?", Pergunta Peter Sousounis, diretor de meteorologia de uma das maiores empresas que preveem catástrofes, a AIR Worldwide. Em geral, a AIR apresentava um retrato dos riscos atuais com base nos números de ontem, embora alguns cientistas do clima temam que, em um mundo de grandes mudanças, as informações de ontem não tenham mais capacidade de previsão. Empresas como a AIR e sua concorrente RMS andam mudando de opinião, mas lentamente.

Enquanto isso, uma hipoteca que alguém assina hoje ainda será uma dívida pendente em 2050, não importando se a orla marítima estiver submersa ou não. Mesmo que grande parte do governo dos EUA não reconheça a mudança climática como um problema, os governos estaduais, militares e empresas pensam diferente. E todas essas entidades cada vez mais precisam ter planos de resiliência climática para mostrar a reguladores ou conselhos e acionistas.

Tudo isso ajudou a dar origem à indústria de serviços climáticos. Uma análise de mercado diz que ela é um negócio de 2,6 bilhões de dólares em todo o mundo, crescendo em até 10% ao ano. A Jupiter é uma entidade financiada por capital de risco no valor de 32 milhões de dólares, com escritórios no Vale do Silício, Boulder e em Nova York, com planos de expansão para outros países. Ela emprega cientistas para desenvolver e refinar modelos climáticos, usa dados públicos, mas também privados, e suas conclusões estão disponíveis apenas para seus assinantes.

Isso sugere alguns problemas em potencial. Por um lado, esta não é uma ciência avaliada a partir do interesse público. É a análise de dados implantada para obter vantagem competitiva – uma ciência para os que têm e não para os que não têm. Um dono de armazém de Nova Jersey que paga a Jupiter sabe um pouco mais do que seu vizinho, mesmo que as mudanças climáticas afetem ambos.

A coisa mais niilista aqui é que a proposta de valor da Jupiter é uma vantagem sobre a adaptação, lidar com os efeitos da mudança climática enquanto ela acontece - ou mesmo antes disso. Nada que ajude muito em resolver o problema. É potencialmente atraente pois as empresas não precisam se preocupar em salvar o planeta. De fato, é possível que algumas delas se saiam melhor sob um cenário extremo de mudança climática. Seus gerentes podem ter o dever fiduciário de assistir ao mundo queimar.

Contudo, também pode ser verdade que direcionar o investimento para o alívio e a compensação do risco também encoraje o investimento em tecnologias de baixo carbono e políticas de descarbonização, como alguns na comunidade de investimento em governança social e ambiental possam argumentar. Enquanto isso, é hora de construir alguns molhes. "Para muitas pessoas, isso parece uma admissão de derrota, ou há uma sensação de que o esforço na mitigação é diluído", diz Sorkin. “Ambos são reações humanas naturais, mas os riscos já estão aqui. Nós vimos o impacto. Eles ficarão cada vez piores.”

Para um economista, a razão para o aparente desamparo da sociedade e a luta lerda contra a mudança climática é que ninguém se responsabiliza por ela. Ninguém foi capaz de colocar um preço na "mitigação" versus a "não-mitigação". Os previsores dos riscos de catástrofe, vendedores de títulos catástrofe e as companhias de seguros estão tendo que aprender a colocar a mudança climática nos seus preços, para que as pessoas saibam se vale a pena.

Agora, um possível pior caso é que uma empresa possa perceber que é muito mais barato dar uma garantia contra uma catástrofe do que pagar para evitá-la. Sorkin diz que isso não vai acontecer. "Uma vez que esses custos se tornam claros, você tem todo um conjunto de entidades por todo o planeta que deve investir centenas de milhões, senão bilhões, de dólares para se adaptar a uma maior exposição ao risco", diz Sorkin. "Se o setor de seguros ou hipotecas se manifestar, ou, ironicamente, o setor de energia se manifestar e disser: 'cara, esses custos estão realmente mudando nossa economia de negócios', então é uma discussão política diferente."

Sorkin e Sharma me guiam através de mais mapas, aumentando e diminuindo o zoom, alterando as previsões de aumento do nível do mar e a porcentagem de probabilidade de tempestades. Vejo a água da enchente ameaçar invadir a cidade de Hoboken e encher o estádio MetLife Stadium. As águas se elevam em torno dos espaços de armazenamento de carros importados de Charleston nos portos, afogando a rodovia circular e deixando uma instalação portuária literalmente alta e seca. Na Flórida, a praia de Miami funciona como uma ilha barreira, até que a água chega a um metro de altura e submerge maior parte da praia, as ilhas da calçada e grande parte da cidade de Miami.

Os dados são sombrios. E já faz muito tempo que está assim. Vê-lo em azul e branco torna a coisa ainda mais palpável. Os menus à esquerda contam uma história: alguém vai ter que pagar.

*Leia a matéria original na Wired US

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