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No início, parecia mágica. Um pequeno aparelho seria capaz de transportar a internet para todos os cantos, dentro de seu bolso. Vinte e quatro anos depois do lançamento do BlackBerry, sucedido em 2007 pelo primeiro iPhone, que revolucionaram a indústria da tecnologia, o encanto começa a se quebrar. Presos aos smartphones, usuários se incomodam com os prejuízos causados pelo excesso de informação e estímulos, e partem para a mudança. Segundo a consultoria Gartner, 50% das pessoas devem limitar significativamente suas interações nas redes sociais até 2025. No ano passado, de acordo com a startup Rocket Lab, os brasileiros passaram 265 bilhões de horas no celular, o que corresponde a 3,5 horas diárias.

Foi a preocupação com esse gasto de tempo que motivou o administrador Felipe Saisse, de 30 anos, a adotar um novo estilo de vida. “Usar muito o celular me fazia perder o foco”, conta. “Deletei as redes sociais e voltei para o básico, como ouvir a voz dos outros e chamar para sair. As pessoas se esqueceram disso.” Hoje, a única rede que ele usa é o LinkedIn, pelo trabalho. Ele também se comunica via WhatsApp, mas sempre gerenciando limites. “A maior parte das coisas pode esperar.”

Para especialistas em saúde mental, a busca por uma rotina mais off-line parte de uma tomada de consciência. “A sensação de aumento de trabalho é real: estamos sempre produzindo, criando uma frase ou uma imagem. Qual é o sentido disso tudo? Por que estamos tão hipnotizados? Trata-se do primeiro passo para percebermos a necessidade de utilizar o tempo de acordo com a nossa fisiologia. Nosso cérebro não está pronto para tanta sobrecarga sensorial”, afirma o psiquiatra Rodrigo Leite, do Instituto de Psiquiatria da USP.

No caso de Pedro Salles, CEO da empresa paulistana Legend Investimentos, o estalo veio com o nascimento de seu filho, há cinco anos. “As pessoas não sabem elaborar conversas, estão emburrecendo em vez de expandir horizontes. Há muita gente com insônia e ansiedade. Não quero que esse seja o mundo onde meu filho viva”, diz ele, que frequenta diariamente o universo acelerado da Faria Lima. Determinado a virar um exemplo na família, Salles passou a controlar o tempo no celular, principalmente quando acaba o expediente.

“Por volta das 21h30, começo a me desligar e deixo o celular carregando no meu escritório em casa. Pode cair uma bomba atômica, só vou saber no dia seguinte”, conta. “Também costumo sair para jantar e levar só a carteira.” O CEO discorda de que se manter 100% on-line é uma vantagem ou sinal de competência. “É importante se mostrar acessível, com o cuidado de preservar o foco e a qualidade das relações. Saber socializar também se mostra essencial para o nosso trabalho”, aconselha.

De volta aos anos 2000

No mundo todo, existem diferentes movimentos na direção de uma vida mais equilibrada entre o real e o virtual, e até as teclas dos anos 90/2000 estão de volta à cena. Os celulares do tipo tijolão têm sido procurados como forma de fugir das redes e de outras distrações digitais. Chamados hoje de “dumbphones” (celulares burros, na tradução do inglês), os aparelhos dispõem de tela com baixa resolução e teclado de botões, o que os torna menos viciantes. As funções se limitam a ligações, SMS e chamadas de voz. Alguns modelos possuem acesso ao WhatsApp e câmeras simples, sempre traseiras.

Em 2022, um casal criou nos Estados Unidos o e-commerce DumbWireless, que reúne diversos modelos de celulares básicos, alguns das antigas, outros de marcas criadas nos últimos anos já com esse objetivo. De acordo com a “The New Yorker”, em março deste ano, o site vendeu cerca de US$ 70 mil em produtos, dez vezes mais do que no mesmo período de 2023. Os preços dos dispositivos variam de US$ 50 a US$ 300, incluindo exemplares de marcas como Nokia e T-Mobile. No Brasil, é possível encontrar os artigos em marketplaces como Magazine Luiza, Mercado Livre e Shopee por menos de R$ 500.

Em um meio-termo, a HMD Global acaba de relançar no exterior o Nokia 3210, aquele azul, “indestrutível”, de 1999. Fica entre um aparelho de última geração e um “dumbphone”. Ele ressurge com conectividade 4G, mas não Wi-Fi, e acesso apenas a alguns apps, a exemplo de YouTube Shorts e TikTok.

Em 2022, um casal criou nos Estados Unidos e-commerce que reúne diversos modelos de celulares básicos, alguns das antigas — Foto: Gustavo Magalhães
Em 2022, um casal criou nos Estados Unidos e-commerce que reúne diversos modelos de celulares básicos, alguns das antigas — Foto: Gustavo Magalhães

Se preferir ficar com seu telefone atual, há alternativas para desintoxicar dentro do próprio smartphone. Tanto no Android quanto no iPhone, existem recursos para limitar o tempo de uso de aplicativos. Em alguns deles, como Instagram e TikTok, é possível ativar alertas para frear a navegação. Quando o limite configurado é atingido, aparece um aviso ao usuário.

Apesar de representar uma saída prática, trocar de aparelho ou apostar em bloqueadores de tempo não garante uma vida equilibrada, diz a psicóloga Anna Lucia Spear King, fundadora do Instituto Delete, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Afinal, quando o aviso de limite de tempo aparece na tela, é quase instintivo fechá-lo e continuar deslizando pelas atualizações.

“Restrições radicais nem sempre são a melhor opção, porque isso pode virar uma tortura. O uso consciente é o mais importante, quando a pessoa administra as tecnologias em seu benefício. Cada um deve traçar as próprias estratégias”, diz Anna Lucia. Isso deve levar em conta, inclusive, que em muitas profissões é pré-requisito ter um aparelho celular moderno e estar conectado às redes sociais.

Um vício

A dependência do celular é frequentemente comparada ao uso de substâncias como drogas, álcool e tabaco.“As regiões cerebrais ativadas são as mesmas”, explica o psiquiatra Rodrigo Leite, da USP. Trata-se de um mecanismo de recompensa. O celular vira uma tentação que oferece tudo o que se quer acessar e saber; ao usá-lo, são liberadas substâncias químicas no corpo que causam sensação de bem-estar. Em busca de repetir o prazer, o usuário se volta novamente ao aparelho.

Romper esse ciclo fica particularmente difícil em um mundo onde o on-line faz parte do real — até ao se sentar para jantar em um restaurante é preciso acessar o cardápio em QR Code. Por isso, realizar um detox digital nas férias não costuma bastar. É muito provável que na volta para casa os hábitos negativos recomecem, pois os estímulos continuam existindo. “É como parar de fumar. A pessoa precisa ir aos poucos até conseguir se libertar e encarar a vida de outra forma”, explica a psicóloga Anna Lucia.

As pessoas não sabem elaborar conversas, estão emburrecendo em vez de expandir horizontes”
— Pedro Salles, CEO, que restringiu o uso do celular

Para sair do automático, existe um caminho: a problematização. Essa mensagem pode esperar por uma resposta? É necessário olhar o celular esperando o elevador ou atravessando a rua? Há algum motivo para abrir esse aplicativo agora? “Precisamos acionar um gerente interno positivo”, orienta Leite. “É um esforço de resgatar a rotina antes da tecnologia. Estamos lutando por segundos de vida vivida.”

Alto lá!

Dentro da estratégia de cada um, algumas diretrizes são fundamentais. Primeiro, a higiene do sono. Não se deve levar o celular para a cama no momento de dormir. Se for possível desligá-lo horas antes do sono, melhor ainda. O despertar também precisa se mostrar mais lento. Vale o questionamento: haverá algum prejuízo se, ao acordar, você se espreguiçar, tomar café e sentir o sol no rosto antes de pegar o smartphone?

Em casa, a limitação geográfica vira uma aliada. Muita gente anda cômodo a cômodo com o celular sempre perto do corpo. Uma possibilidade é criar uma espécie de estação para colocar o dispositivo, e só acessar o aparelho nesse local, quando precisar — assim como eram as mesas de telefone de antigamente. Esse espaço pode ficar no canto do escritório, por exemplo. Isso ajuda a evitar o ato involuntário de desbloquear a tela.

Além disso, há outras orientações, como evitar usar o smartphone ao realizar refeições e atividades físicas. Porém, nada disso funciona se o senso de urgência estiver descalibrado. De novo, o gerente interno. Devem-se hierarquizar necessidades, separando o que é prioritário do que pode aguardar.

Para normalizar eventuais ausências ou demoras nas respostas, a chave aqui consiste em uma comunicação clara com família, amigos e colegas de trabalho. “Costumo sinalizar quando a pessoa não precisa me responder imediatamente. E quando é urgente ninguém manda mensagem, as pessoas ligam”, diz Salles, da Legend Investimentos.

Hoje, nas opções de configuração, os smartphones mostram quais apps você usou e por quanto tempo, a frequência com que você desbloqueou o celular e abriu determinados aplicativos, e quantas notificações recebeu de cada plataforma. No Android, esses dados ficam na aba “bem-estar digital e controle da família”, enquanto no iPhone, em “tempo de uso”. Dá para visualizar em gráficos a frequência de utilização diária e comparar períodos. Assim, cada um consegue analisar o próprio comportamento e acompanhar progressos.

Depois de adotar uma vida mais off-line, parece não existir tanta saudade assim do mundo digital desenfreado. “Não me importo de saber de algumas coisas por último”, garante Saisse, que deletou as redes. “Na maioria das vezes, não são importantes.”

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