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Durante os 90 minutos de uma partida de futebol, o jogador não costuma ficar mais de 5 minutos com a posse da bola, de acordo com estatísticas esportivas. Isso se ele for atacante. O zagueiro, que atua na defesa, permanece menos de 1 minuto. Os volantes? De 2 a 5. Os laterais, de 3 a 5. Então, o que passa na cabeça de um atleta quando ele não está chutando a bola? “De tudo!”, diz Michelle Leal Rios, psicóloga e coordenadora do departamento de psicologia do esporte do Clube Atlético Mineiro. Ela afirma que o pensamento dos boleiros voa em campo. “Um deles me contou que ficava lembrando dos investimentos. Outro se sentia uma farsa. Há aqueles que pensam nos filhos, na família...”

O problema é que atleta desconcentrado é atleta que rende menos. Quem se lembra do Roberto Carlos arrumando a meia nas quartas de final da Copa do Mundo de 2006, contra a França? Quando um jogador não rende, vem a pressão da torcida, os xingamentos nas redes sociais, as críticas da imprensa. E o buraco da dispersão aumenta ainda mais.

Por questões como essa, o debate sobre saúde mental vem se intensificando nesse meio. Nos vestiários, dizem os envolvidos, o ambiente nem sempre é bonito de ver. Há muita competição, inveja e pressão. Em um cenário ainda bastante machista, ninguém quer se mostrar fraco. Além disso, a performance dos atletas, assistida e escrutinada massivamente pela torcida, figura como o primeiro aspecto afetado quando a mente se vê atribulada. “Hoje se relaciona a parte mental até à reincidência de lesões. Então, é fundamental estar com a cabeça no lugar e tranquila para render o máximo possível”, observa Richarlison, de 27 anos, centroavante da seleção brasileira e do Tottenham, na Inglaterra.

Existe uma saída para ajudar a quebrar esse círculo vicioso. Richarlison e Danilo Luiz, lateral-direito e zagueiro da seleção brasileira e da Juventus, na Itália, viraram adeptos da terapia. Entretanto, por medo de chacota e julgamento, no começo, eles esconderam que recorriam ao recurso. Boa parte dos homens mostra horror à palavra.

“Se eu tenho Deus na minha vida, não preciso desabafar com outra pessoa que não vai nem conhecer meus pais nem a minha pessoa. Eu somente tenho que conversar com Deus e orar”, foi o que disse o jovem atacante do Palmeiras, atual Real Madrid, Endrick, 17, em entrevista no início do ano. Na mesma toada, Neymar Jr., atacante do Al-Hilal, da Arábia Saudita, atestou em 2023 ao site R7 que não aceita psicólogos na seleção. “Não sou louco”, disparou.

Muitos outros pensam assim. Uma pesquisa do Instituto Ideia realizada a pedido da GQ Brasil, em 2022, revelou que os homens brasileiros são pouco adeptos do divã, mesmo se reconhecerem sofrer de ansiedade, estresse ou depressão: 80% não cuidam da saúde mental e nunca fizeram terapia. Dados da última Pesquisa Nacional de Saúde, de 2019, seguem o mesmo caminho. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pelo levantamento, descobriu que, dos 16,2 milhões de brasileiros com diagnóstico de depressão, só 19% fazem terapia. Entre as mulheres, 14,3% se tratam com um profissional da área. No grupo dos homens, o porcentual despenca para 4,6%.

“Eu mesmo tinha receio. Fui criado no interior de Minas Gerais, na cidade de Bicas, de uma maneira bem patriarcal. Isso não fazia parte do meu universo”, lembra Danilo. Richarlison traz um relato semelhante. “Achava que terapia era coisa de maluco, porque ouvia isso de outras pessoas. Demorou bastante para eu entender que esse pensamento não tinha nada a ver e que estava completamente errado”, explica.

No Atlético Mineiro, assim como em outros times, os jogadores dispõem de assessoria psicológica. Gabriel Milito, o treinador do Galo, conta, inclusive, com um profissional que o atende exclusivamente e o acompanha no banco durante as partidas. Na seleção brasileira, essa prática ainda não virou regra, pois depende da linha do treinador. Atualmente, Dorival Júnior, técnico do time masculino, e Arthur Elias, do feminino, se mostram favoráveis ao cuidado com a saúde mental dos atletas e ambos trabalham com psicólogos (mas, vale dizer, ninguém é obrigado a frequentar as sessões se não quiser).

Preocupado, Danilo criou dois projetos que ajudam a desenvolver a saúde mental no mundo do esporte. O primeiro é o Futuro Redondo, uma escolinha de futebol que visa a tirar crianças da rua, em Bicas, sua cidade natal, de 13 mil habitantes. Criada em 2014, a entidade focava apenas em esporte e saúde geral. Depois que o mineiro começou a fazer terapia, estendeu o cuidado mental aos 200 pequenos.

Danilo, capitão da Seleção — Foto: Divulgação
Danilo, capitão da Seleção — Foto: Divulgação

“Em 2015, eu não estava rendendo nada. Entrava em campo e ficava pensando no meu filho recém-nascido. Minha performance não era das melhores. Aí, um colega me falou de um psicólogo do esporte. A princípio, fiquei com receio, mas a fase estava tão ruim que resolvi tentar. Fiz a primeira sessão em uma quarta-feira, tudo escondido, para ninguém saber, tamanha a vergonha. Conversamos sobre a minha distração no jogo. No sábado seguinte, já coloquei em prática algumas das técnicas de concentração em uma partida. Em vez de pensar na família, fiquei seguindo a bola com o olhar e a atenção melhorou. Decidi continuar”, lembra Danilo.

De sessão em sessão, seu rendimento em campo se apurou. O relacionamento com outras pessoas também. Agora, além de seguir a bola com o olhar nas partidas, ele observa os rivais, prevê seus passos e analisa o comportamento dos jogadores do próprio time. Ou seja, fica 90 minutos concentrado. Deixou, também, de esconder a ajuda psicológica.

“Virei um líder melhor. Mostro para a equipe que demonstrar medo não enfraquece. É um jeito de ultrapassar as dúvidas e seguir em frente”, analisa. “Para mim, jogar voltou a ser uma diversão. Eu me desligo do mundo, descanso mentalmente durante a partida. Saio do jogo leve.” Danilo decidiu ler e estudar mais sobre psicologia, a ponto de considerar cursar uma faculdade para se tornar um profissional da área quando pendurar as chuteiras — o que ele, aos 32 anos, planeja fazer em 2026 ou 2027.

Em seu segundo projeto, criado em 2022, o Voz Futura, que inclui um perfil no Instagram e um canal no YouTube, ele e uma equipe de sete profissionais de comunicação e tecnologia falam de “sustentabilidade emocional”, com bate-papos sobre como lidar com vulnerabilidades, a relação com o tempo, o controle da ansiedade... A ideia é combater o que Danilo chama de “web intoxicação”, ao difundir conteúdo em contraponto ao blablablá fútil que rola nas redes sociais e a materiais potencialmente danosos, como o bullying. “Tirar o preconceito em relação à terapia valorizando a saúde mental é um dos meus objetivos. Quero passar essa mensagem, ser exemplo enquanto tenho esse alcance”, afirma ele, que ajuda a alavancar a página de 5 mil seguidores a partir de seu Instagram pessoal, onde reúne 3 milhões de admiradores.

Como exemplo da resistência masculina ao tema, o empresário paulistano C.F. passou por maus bocados e não quis saber de tratamento. Na pandemia, seu negócio, uma pousada, fechou. Em seguida, a esposa foi diagnosticada com tumores no cérebro, e faleceu em 2023. Os amigos criaram uma vaquinha para pagar sessões de terapia. Ele compareceu apenas à primeira. “Não é para mim, prefiro beber”, disse.

“O machismo impede que os homens aceitem e revelem suas fraquezas. Eles acham que se mostrar fraco é perder masculinidade. Mas beber, por exemplo, dá status, é coisa de macho, de gente forte, que aguenta quatro, cinco garrafas de cerveja”, analisa Michelle Leal Rios, do Atlético Mineiro. Por isso, a psicóloga, que também já atuou como tenista profissional, acredita que os exemplos de Richarlison e Danilo podem, sim, vencer barreiras no universo masculino em relação à saúde mental. “Quando aceitei minha vulnerabilidade, meus medos ficaram menores. Reconhecer que temos problemas e precisamos enfrentá-los diminui o tamanho deles em nossa cabeça”, finaliza Danilo.

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