Diversão decodificada
Um estudo sobre diversão e as válvulas de escape que alimentam a alegria dos brasileiros – quais padrões se repetem em nosso comportamento e quais gatilhos disparam nossos momentos de diversão?
10 dez 2018 | Por Multishow
Expoentes Culturais
1.
MUITO ALÉM DO TEMPO LIVRE
2.
OS TREZE GATILHOS DA DIVERSÃO
3.
DIVERSÃO À BRASILEIRA
A imprevisibilidade é a marca da diversão. Mesmo sem programarmos, ela surge em momentos variados, ativada por gatilhos diversos, escapando de um momento idealizado para isso. A diversão ocorre mesmo sem querer: quando nos damos conta, mesmo nas situações corriqueiras do dia a dia, há brechas para que repentinamente ela seja ativada.
Mas apesar de não ser programada, isso não significa que ela seja para todos – a diversão é condicionada por aspectos como contexto social e repertório cultural de cada pessoa. Mesmo quando dizemos “hoje quero me divertir” e expressamos um desejo implícito de vivenciar um tempo agradável e positivo, isso não garante o acesso à diversão.
Para compreender melhor os momentos e sensações de diversão do brasileiro, conversamos com mais de 60 pessoas nas ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro de idades, classes sociais e configurações familiares diferentes. Justamente pela amplitude e riqueza das referências individuais, buscamos não delimitar nenhum recorte – ou seja, as visões a respeito de como elas se divertiam foram as mais espontâneas e variadas possíveis, seja envolvendo o corpo (movimentando-o, se desconectando), praticando a empatia (observando a diversão alheia), liberando as emoções (contaminando-se pelo humor e permitindo-se novas experiências) ou despertando o conhecimento (vivenciando momentos especiais e abrindo-se ao aprendizado).
Com o olhar mais apurado para as diferentes manifestações da diversão, também visitamos as casas de 16 pessoas, nas mesmas cidades, para captar o que havia de mais íntimo na diversão em vivências em profundidade. Além disso, durante todo este caminho, contamos com a colaboração de especialistas que nos ajudaram a entender as razões e os porquês dos diferentes momentos e manifestações de diversão e que nos guiaram nessa viagem ao âmago da humanidade pela via da diversão.
A partir de todas essas perspectivas e informações, o que é, então, diversão para o brasileiro? Quais são as condições para que ela seja experimentada? E de que forma a alegria do povo se traduz nas maneiras como procuramos nos divertir?
Quando se fala em diversão, a associação mais imediata feita pelos entrevistados é com os momentos de lazer. Faz sentido: o senso comum acostumou-se a intercambiar as duas palavras (diversão e lazer) como se ambas tratassem das mesmas experiências. Essa primeira associação se deve, entre outras coisas, ao fato de que o lazer acontece em um tempo delimitado, o chamado tempo livre, e, por isso, é mais fácil identificá-lo.
Os momentos de lazer podem ser divertidos, mas... também podem não ser.
Por corresponder a um tempo de folga, passatempo, ócio, descanso ou entretenimento, o lazer pode englobar uma série de atividades e ações que não correspondem necessariamente à ideia de diversão. Quantas vezes, durante férias ou feriados, não deixamos de nos divertir justamente pelo cansaço ou estresse inerentes ao gozo desses períodos?
Segundo a antropologia do lazer, a diversão é um dos “efeitos" do lazer, que também pode ter a finalidade de descanso ou desenvolvimento. Afinal, decidir como preencher o tempo livre é mais uma das facetas do livre-arbítrio. Momentos de lazer podem envolver desde tirar uma longa soneca no sofá até estudar ou fazer cursos para autodesenvolvimento.
Assim, constatamos que a diversão corresponde a um pedacinho dentro do lazer, algo que poderia ou não se realizar ou fazer sentir.
O fato de nomearmos esses momentos como tempo “livre” já nos indica que, fora dele, outros tantos tempos coexistem. Isso significa que são muitos os tempos para além do “tempo livre" reservado ao lazer, como:
A diversão, então, pode ultrapassar a lógica do tempo livre e do lazer e se infiltrar por todos esses outros tempos. Isso significa que, ao considerar a soma dos momentos de diversão nos variados tempos possíveis:
Além disso, para complicar, vivemos atualmente na era da porosidade dos tempos. O desenvolvimento frenético de novas tecnologias e a alternância entre mundo real e virtual, on-line e off-line, fazem com que os tempos se misturem com mais facilidade. Resolve-se ou curte-se assuntos de um tempo em outro tempo – ou em qualquer tempo. Essa porosidade faz com que coloquemos em xeque a lógica de tempo e espaço, de forma que a diversão também viaja de um tempo a outro na vida on-line.
Foi então que descobrimos outra distinção importante:
Nem sempre aquilo que ocupa a atenção desperta interesse ou, ainda, diversão. Simplesmente rolar a página do Facebook, explorar o feed do Instagram ou ver vídeos do Snapchat não garante que você esteja se “divertindo”, não é mesmo? Por este mesmo exemplo, percebemos que uma das diferenças entre distração e diversão é que a distração pode durar muuuuito tempo. Já a diversão é um instante dentro de um momento, em qualquer tempo.
Diversão não é contínua; é um instante que marca um momento como divertido. Imagine uma gota d’água caindo sobre um quadro e borrando sua pintura; é isso: a gota é a diversão e o quadro borrado, o momento contaminado pela diversão.
A diversão prescinde de uma abertura, de uma entrega para acontecer. Essa possibilidade, porém, não está ao alcance de todas as pessoas A distração é democrática; já a diversão acontece principalmente de acordo com possibilidades individuais condicionadas por aspectos como idade e bolso.
Qual é, então, a principal característica para o evento ser considerado divertido? Simples: é necessário haver uma mudança de direção. É só consultarmos o dicionário para ver que essa verdade está presente na própria definição da palavra:
Em resumo: a diversão ultrapassa o lazer; é diferente da distração; corresponde a um instante; é pra quem pode; e implica uma mudança de direção.
A diversão, logo, resulta de certa lacuna. Quando algo dispara um gatilho em direção à possibilidade de mudança de direção, a gente:
Esse estalo é fundamental para que a gente se volte para o acontecido, pra gente mesmo e para a possibilidade de mudança de direção. E essa mudança é a oportunidade de ressignificar o acontecido de acordo com os nossos interesses – o momento da diversão.
No final, buscamos diversão incessantemente porque estamos, o tempo todo, atrás de prazer e satisfação em completar o que nos falta.
“O que nos dá prazer e satisfação é a possibilidade de transformar a realidade a partir dos nossos interesses. É fazer mediações que permitam que a gente chegue aonde quer chegar, que complete o que nos falta. E o pequeno instante que realizamos a possibilidade disso acontecer, é o instante da diversão.”
(Thiago Corbisier, psicanalista, pesquisador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo - CEAPG e professor de Psicologia Social do curso de Administração Pública da FGV)
Diversão é, portanto, uma mudança de direção que completa um desejo contido. A mudança de direção, a falta e o desejo contido são algo tão pessoal e intransferível que, afinal, a grande descoberta a que chegamos é que:
“A gente se diverte com a gente mesmo.”
(Hilaine Yaccoub, PhD em Antropologia do Consumo - UFF-J e Mestre em Antropologia do Consumo - UFF-RJ)
Quando se fala em diversão, a associação mais imediata feita pelos entrevistados é com os momentos de lazer. Faz sentido: o senso comum acostumou-se a intercambiar as duas palavras (diversão e lazer) como se ambas tratassem das mesmas experiências. Essa primeira associação se deve, entre outras coisas, ao fato de que o lazer acontece em um tempo delimitado, o chamado tempo livre, e, por isso, é mais fácil identificá-lo.
Os momentos de lazer podem ser divertidos, mas... também podem não ser.
Por corresponder a um tempo de folga, passatempo, ócio, descanso ou entretenimento, o lazer pode englobar uma série de atividades e ações que não correspondem necessariamente à ideia de diversão. Quantas vezes, durante férias ou feriados, não deixamos de nos divertir justamente pelo cansaço ou estresse inerentes ao gozo desses períodos?
Segundo a antropologia do lazer, a diversão é um dos “efeitos" do lazer, que também pode ter a finalidade de descanso ou desenvolvimento. Afinal, decidir como preencher o tempo livre é mais uma das facetas do livre-arbítrio. Momentos de lazer podem envolver desde tirar uma longa soneca no sofá até estudar ou fazer cursos para autodesenvolvimento.
Assim, constatamos que a diversão corresponde a um pedacinho dentro do lazer, algo que poderia ou não se realizar ou fazer sentir.
O fato de nomearmos esses momentos como tempo “livre” já nos indica que, fora dele, outros tantos tempos coexistem. Isso significa que são muitos os tempos para além do “tempo livre" reservado ao lazer, como:
A diversão, então, pode ultrapassar a lógica do tempo livre e do lazer e se infiltrar por todos esses outros tempos. Isso significa que, ao considerar a soma dos momentos de diversão nos variados tempos possíveis:
Além disso, para complicar, vivemos atualmente na era da porosidade dos tempos. O desenvolvimento frenético de novas tecnologias e a alternância entre mundo real e virtual, on-line e off-line, fazem com que os tempos se misturem com mais facilidade. Resolve-se ou curte-se assuntos de um tempo em outro tempo – ou em qualquer tempo. Essa porosidade faz com que coloquemos em xeque a lógica de tempo e espaço, de forma que a diversão também viaja de um tempo a outro na vida on-line.
Foi então que descobrimos outra distinção importante:
Nem sempre aquilo que ocupa a atenção desperta interesse ou, ainda, diversão. Simplesmente rolar a página do Facebook, explorar o feed do Instagram ou ver vídeos do Snapchat não garante que você esteja se “divertindo”, não é mesmo? Por este mesmo exemplo, percebemos que uma das diferenças entre distração e diversão é que a distração pode durar muuuuito tempo. Já a diversão é um instante dentro de um momento, em qualquer tempo.
Diversão não é contínua; é um instante que marca um momento como divertido. Imagine uma gota d’água caindo sobre um quadro e borrando sua pintura; é isso: a gota é a diversão e o quadro borrado, o momento contaminado pela diversão.
A diversão prescinde de uma abertura, de uma entrega para acontecer. Essa possibilidade, porém, não está ao alcance de todas as pessoas A distração é democrática; já a diversão acontece principalmente de acordo com possibilidades individuais condicionadas por aspectos como idade e bolso.
Qual é, então, a principal característica para o evento ser considerado divertido? Simples: é necessário haver uma mudança de direção. É só consultarmos o dicionário para ver que essa verdade está presente na própria definição da palavra:
Em resumo: a diversão ultrapassa o lazer; é diferente da distração; corresponde a um instante; é pra quem pode; e implica uma mudança de direção.
A diversão, logo, resulta de certa lacuna. Quando algo dispara um gatilho em direção à possibilidade de mudança de direção, a gente:
Esse estalo é fundamental para que a gente se volte para o acontecido, pra gente mesmo e para a possibilidade de mudança de direção. E essa mudança é a oportunidade de ressignificar o acontecido de acordo com os nossos interesses – o momento da diversão.
No final, buscamos diversão incessantemente porque estamos, o tempo todo, atrás de prazer e satisfação em completar o que nos falta.
“O que nos dá prazer e satisfação é a possibilidade de transformar a realidade a partir dos nossos interesses. É fazer mediações que permitam que a gente chegue aonde quer chegar, que complete o que nos falta. E o pequeno instante que realizamos a possibilidade disso acontecer, é o instante da diversão.”
(Thiago Corbisier, psicanalista, pesquisador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo - CEAPG e professor de Psicologia Social do curso de Administração Pública da FGV)
Diversão é, portanto, uma mudança de direção que completa um desejo contido. A mudança de direção, a falta e o desejo contido são algo tão pessoal e intransferível que, afinal, a grande descoberta a que chegamos é que:
“A gente se diverte com a gente mesmo.”
(Hilaine Yaccoub, PhD em Antropologia do Consumo - UFF-J e Mestre em Antropologia do Consumo - UFF-RJ)
A diversão é algo que ocorre na imaginação e extravasa para a realidade – ela se projeta na mente como uma forma de apropriação e elaboração sobre o mundo. Mesmo sendo algo tão íntimo e pessoal, existem alguns padrões e gatilhos que disparam a diversão. Em nossa pesquisa, chegamos aos treze gatilhos de diversão – esses gatilhos, contextuais e culturais, existem em todos nós, mas se intensificam de acordo com o que e onde vivemos.
O QUE É: A diversão de conectar-me comigo mesmo quando eu supero um limite.
GATILHO: Superar um limite.
A FALTA QUE COMPLETA: A conexão inédita consigo mesmo.
A mudança de direção aqui é a possibilidade de viver um momento de superação de limites, seja corporal ou mental. Exemplos:
praticar esportes radicais
andar de montanha russa
participar de uma caminhada ou corrida
participar de desafios ou atividades em grupo
O QUE É: A diversão de se deparar com algo novo, se perder para se encontrar
GATILHO: Explorar.
A FALTA QUE COMPLETA: Se perder para se encontrar.
Aqui, a mudança de direção decorre de se deparar com o momento do novo, com o inusitado. Exemplos:
apreciar uma exposição de arte
viajar a novos destinos
aproveitar a rotina desacompanhado
interagir com pessoas diferentes e até mesmo desconhecidas
O QUE É: A diversão de aprender a jogar.
GATILHO: Competição.
A FALTA QUE COMPLETA: Aprendendo a jogar.
Neste caso, a direção muda quando nos deparamos com o sentimento de angústia do "ganhar ou perder". Exemplos:
participar de uma partida de de xadrez
torcer para o time favorito de algum esporte
vibrar por uma competição
jogar videogame
O QUE É: A diversão de recontar da melhor forma sua própria história.
GATILHO: Relembrar.
A FALTA QUE COMPLETA: Recontar da melhor forma sua própria história.
A mudança de direção que ocorre aqui resulta de ressignificar e reavivar memórias. Exemplos:
vasculhar gravações ou fotos antigas
buscar na memória episódios agradáveis do passado
recontar episódios vividos na companhia de pessoas queridas
ouvir histórias contadas por pessoas mais velhas
O QUE É: A diversão com e através dos outros.
GATILHO: Eu + o Outro.
A FALTA QUE COMPLETA: Realizar com/através os outros o que eu não realizo sozinho.
Nessa situação, a direção muda pela possibilidade do olhar do outro guiar o meu. Exemplos:
reunir-se com amigos e familiares
dar uma festa ou cozinhar para os outros
participar de atividades comunitárias
passear com os filhos e outras crianças, interagir nas redes sociais
O QUE É: A diversão de brincar.
GATILHO: Permissão para brincar.
A FALTA QUE COMPLETA: A descompressão da realidade pela brincadeira.
A mudança de direção se dá pela suspensão no mundo real e o consentimento para voltar à infância. Exemplos:
visitar ou fazer comprar em lojas ou feiras de artigos relacionados à infância ou adolescência
passear em parques de diversão
participar de jogos lúdicos
produzir ou compartilhar conteúdos engraçados na internet
O QUE É: A diversão de errar e rir de si mesmo.
GATILHO: Permissão para errar.
A FALTA QUE COMPLETA: A concessão para a imperfeição.
Aqui, a mudança de direção é trazida pela autorização para falhar e rir de si mesmo dentro dos imprevistos que a vida traz. Exemplos:
divertir-se com um trava-língua
rir de vídeos engraçados ou puramente nonsense
observar as brincadeiras dos animais de estimação
tirar sarro de falhas ou acidentes de eventos ao vivo
acompanhar perfis nas redes sociais de “gente como a gente”
O QUE É: A diversão de experimentar o proibido.
GATILHO: Permissão para transgredir.
A FALTA QUE COMPLETA: A liberdade para experimentar o proibido.
A direção muda pela subversão da realidade. A concessão de si mesmo para viver aquilo que sofre repressão moral. Exemplos:
pular carnaval
participar de jogos de azar
entreter-se com conteúdos exóticos ou desviantes
abrir-se a novas experiências sensoriais e sexuais
O QUE É: A diversão de assistir da tragédia do outro de camarote.
GATILHO: Sensação de superioridade.
A FALTA QUE COMPLETA: A possibilidade de se sentir superior a algo ou alguém.
A mudança de direção surge através da realização na tragédia do outro. Exemplos:
fofocar
constranger as pessoas
comprazer-se com vídeos amadores de acidentes ou situações inesperadas
rir do fracasso alheio
O QUE É: A diversão de ver o melhor de você reconhecido pelo outro.
GATILHO: Sensação de distinção.
A FALTA QUE COMPLETA: Narciso projetado no outro.
Neste caso, a mudança de direção decorre da sensação de superioridade a partir do reconhecimento do outro. Exemplos:
preparar uma recepção impecável em casa
destacar-se no trabalho
desenvolver a liderança
conquistar prêmios e reconhecimento público
O QUE É: A diversão de completar uma história de maneira genial.
GATILHO: Ir além.
A FALTA QUE COMPLETA: Necessidade de alimentar o gênio interior.
A possibilidade de continuar uma história é a mudança de direção aqui. Exemplos:
divagar sobre teorias da conspiração
criar novos desfechos para histórias em curso
pesquisar versões possíveis sobre um mesmo tema
criar ou apreciar conteúdos de paródia
desenvolver conteúdo autoral em cima de narrativas célebres
O QUE É: A diversão ao entender a peça que faltava.
GATILHO: Insight.
A FALTA QUE COMPLETA: Eu tenho a peça que faltava.
A mudança de direção acontece a partir do momento em que uma informação nova se liga a um conhecimento já adquirido e gera um novo esclarecimento. Exemplos:
participar de jogos de desafio lógico ou estratégico
acompanhar histórias investigativas
engajar-se com a própria espiritualidade
contemplar a natureza
assistir a uma série ou filme instigante
O QUE É: A diversão de se sentir com um poder sobrenatural.
GATILHO: Previsão.
A FALTA QUE COMPLETA: Sentir que se tem um poder sobrenatural sobre os acontecimentos.
A mudança de direção se apresenta pela previsão do caminho do que está para acontecer. Exemplos:
consultar videntes
acompanhar narrações esportivas com palpites
envolver-se com atividades místicas
comprazer-se com as próprias superstições
POR MAIS QUE ESSES GATILHOS SEJAM NATURAIS DO SER HUMANO, A DIVERSÃO PRECISA SER CONTEXTUALIZADA DENTRO DE UMA IDENTIDADE TERRITORIAL.
A diversão apresenta um aspecto sociocultural diretamente relacionado à História, às representações e aos códigos sociais de cada lugar. Há temas que são impróprios para uns, e para outros não.
O Brasil é conhecidamente marcado por essa mistura entre o politicamente correto e o incorreto, entre a subversão e a lei. É nessa miscelânea de identidades que encontramos a nossa principal característica: a multiplicidade.
Multiplicidade de tudo: raça, credos, sotaques e trejeitos. Multiplicidade que às vezes ressalta as diferenças de ordem econômica, social e étnica que, conjugadas, tornam também ricos e pobres tipos muito diversos.
Porém, a especificidade da cultura brasileira não está na separação e nas diferenças, e sim na sua integração. Para compreender a cultura da nossa sociedade, é preciso compreender que nós, como brasileiros:
Para além desses códigos essenciais da brasilidade, é preciso levar em conta o contexto atual pelo qual navega a população do país:
QUEDA DAS INSTITUIÇÕES
Quem seguir? A quem se opor?
Medo de tudo. Medo de todos.
Tudo pode. Nada pode.
Quem sou eu? Cada um por si.
ERA DO ACESSO E EXCESSO
Sei de tudo. Não sei nada.
Quais são os filtros válidos? É fake?
Blur. Síndrome do impostor?
Efeito Dunning-Kruger? Só sei que tudo sei.
SOCIEDADE DO ESPETÁCULO
Nas telas: sou lindo.
Magro, bem-sucedido, bem relacionado, viajado, culto.
Milhões de curtidas.
Na vida: estou sozinho.
De dieta. Sou legal?
Quem é meu amigo? Quem é meu vizinho?
Quem é você? Nem eu mesmo me curto.
Por fora bela viola, por dentro pão bolorento.
INDIVÍDUO EM TEMPO REAL
A ditadura do agora.
Ontem? Não me lembro. Amanhã? Não quero nem pensar.
Tudo aqui, ao mesmo tempo e agora. Não tenho tempo.
Não tenho tempo para ouvir. Mas quero falar.
Não quero esperar. Não vou demorar.
Percebe-se que do contexto emergem forças em disputa: uma permissão pra transgredir e também uma falta de disposição para se divertir…
Para o brasileiro, divertir-se é muito importante e faz parte do cotidiano. A maioria (64%) da população se diverte no dia a dia; quase a metade afirma se divertir muito. Ainda assim, é importante pontuar que cerca de 1/3 da população é (ou está) desiludida: são pessoas que valorizam menos a diversão e, por consequência, divertem-se menos ainda.
A restrição financeira e a idade são componentes relevantes nessa postura. Embora 79% dos desiludidos digam que a diversão é muito (23%) ou bastante (56%) importante, nenhum deles (0%) se diverte muito e apenas 27% se divertem bastante.
o quanto é importante de divertir no dia-a-dia?
(estimulada e única em %)
o quanto você se diverte no dia-a-dia?
(estimulada e única em %)
Base: total da amostra – 740 entrevistas
Apesar desses pesares, quem consegue se divertir faz a sua hora e lugar. As pessoas se divertem fora de casa, mas também na segurança do lar.
Base: total da amostra – 740 entrevistas; assinantes PayTV – 464 entrevistas
Para os mais jovens, a principal diversão é assistir a alguma coisa em casa, ficando atrás apenas de sair de casa com outras pessoas.
A diversão no dia a dia diminui com a idade, especialmente a partir de 45 anos, e com a classe social.
Base: total da amostra – 740 entrevistas
No entanto, há um momento em que tudo isso é relativizado e que aproxima o povo e a diversão como nenhum outro, exemplificando a lógica relacional do brasileiro: o carnaval.
No carnaval, o impossível inexiste, tudo e todos se combinam, o jovem executivo paga para desfilar na Marquês de Sapucaí, em meio às crianças, aos jovens e velhos dos morros que, subitamente, transformam-se em autênticos marajás indianos, em Luiz XVI e Maria Antonieta, em samurais, artistas, políticos e outras personalidades locais.
Essa lógica, claro, extrapola o período do carnaval e isso não quer dizer necessariamente que vivemos na folia o ano inteiro. O brasileiro se apega a qualquer pequeno estímulo para reflorescer sua inventividade na sua capacidade relacional de integração das diversas esferas da vida. Uma Copa do Mundo, um concurso de miss, aniversários... qualquer situação é válida e abre brecha para a diversão.
Resumindo: o Brasil é o país da alegria e do povo que finge que não vê.
Aqui temos uma contraposição paradoxal. Somos um país emergente, cheio de problemas sociais, econômicos e políticos, mas que exerce sua alegria carnavalesca no dia a dia, vencendo todas as possibilidades com o esvaziamento do que nos oprime em uma eterna galhofa que nos une.
A importância das relações e da galhofa como base da identidade brasileira faz com que praticamente todas as formas de diversão no Brasil passem por uma dose de humor e de compartilhamento.
Assim, na base estamos ligados à coletividade, à tiração de sarro, à brincadeira nonstop e até mesmo no mergulho na memória de outros tempos. Por sua vez, no topo da pirâmide está a diversão pela transgressão, que tem relação com certa aderência ao estado das coisas que se excetua durante o carnaval, o período em que é oficialmente permitido desinibir-se.
A diversão apresenta um aspecto sociocultural diretamente relacionado à História, às representações e aos códigos sociais de cada lugar. Há temas que são impróprios para uns, e para outros não.
O Brasil é conhecidamente marcado por essa mistura entre o politicamente correto e o incorreto, entre a subversão e a lei. É nessa miscelânea de identidades que encontramos a nossa principal característica: a multiplicidade.
Multiplicidade de tudo: raça, credos, sotaques e trejeitos. Multiplicidade que às vezes ressalta as diferenças de ordem econômica, social e étnica que, conjugadas, tornam também ricos e pobres tipos muito diversos.
Porém, a especificidade da cultura brasileira não está na separação e nas diferenças, e sim na sua integração. Para compreender a cultura da nossa sociedade, é preciso compreender que nós, como brasileiros:
Para além desses códigos essenciais da brasilidade, é preciso levar em conta o contexto atual pelo qual navega a população do país:
QUEDA DAS INSTITUIÇÕES
Quem seguir? A quem se opor?
Medo de tudo. Medo de todos.
Tudo pode. Nada pode.
Quem sou eu? Cada um por si.
ERA DO ACESSO E EXCESSO
Sei de tudo. Não sei nada.
Quais são os filtros válidos? É fake?
Blur. Síndrome do impostor?
Efeito Dunning-Kruger? Só sei que tudo sei.
SOCIEDADE DO ESPETÁCULO
Nas telas: sou lindo.
Magro, bem-sucedido, bem relacionado, viajado, culto.
Milhões de curtidas.
Na vida: estou sozinho.
De dieta. Sou legal?
Quem é meu amigo? Quem é meu vizinho?
Quem é você? Nem eu mesmo me curto.
Por fora bela viola, por dentro pão bolorento.
INDIVÍDUO EM TEMPO REAL
A ditadura do agora.
Ontem? Não me lembro. Amanhã? Não quero nem pensar.
Tudo aqui, ao mesmo tempo e agora. Não tenho tempo.
Não tenho tempo para ouvir. Mas quero falar.
Não quero esperar. Não vou demorar.
Percebe-se que do contexto emergem forças em disputa: uma permissão pra transgredir e também uma falta de disposição para se divertir…
Para o brasileiro, divertir-se é muito importante e faz parte do cotidiano. A maioria (64%) da população se diverte no dia a dia; quase a metade afirma se divertir muito. Ainda assim, é importante pontuar que cerca de 1/3 da população é (ou está) desiludida: são pessoas que valorizam menos a diversão e, por consequência, divertem-se menos ainda.
A restrição financeira e a idade são componentes relevantes nessa postura. Embora 79% dos desiludidos digam que a diversão é muito (23%) ou bastante (56%) importante, nenhum deles (0%) se diverte muito e apenas 27% se divertem bastante.
o quanto é importante de divertir no dia-a-dia?
(estimulada e única em %)
o quanto você se diverte no dia-a-dia?
(estimulada e única em %)
Base: total da amostra – 740 entrevistas
Apesar desses pesares, quem consegue se divertir faz a sua hora e lugar. As pessoas se divertem fora de casa, mas também na segurança do lar.
Base: total da amostra – 740 entrevistas; assinantes PayTV – 464 entrevistas
Para os mais jovens, a principal diversão é assistir a alguma coisa em casa, ficando atrás apenas de sair de casa com outras pessoas.
A diversão no dia a dia diminui com a idade, especialmente a partir de 45 anos, e com a classe social.
Base: total da amostra – 740 entrevistas
No entanto, há um momento em que tudo isso é relativizado e que aproxima o povo e a diversão como nenhum outro, exemplificando a lógica relacional do brasileiro: o carnaval.
No carnaval, o impossível inexiste, tudo e todos se combinam, o jovem executivo paga para desfilar na Marquês de Sapucaí, em meio às crianças, aos jovens e velhos dos morros que, subitamente, transformam-se em autênticos marajás indianos, em Luiz XVI e Maria Antonieta, em samurais, artistas, políticos e outras personalidades locais.
Essa lógica, claro, extrapola o período do carnaval e isso não quer dizer necessariamente que vivemos na folia o ano inteiro. O brasileiro se apega a qualquer pequeno estímulo para reflorescer sua inventividade na sua capacidade relacional de integração das diversas esferas da vida. Uma Copa do Mundo, um concurso de miss, aniversários... qualquer situação é válida e abre brecha para a diversão.
Resumindo: o Brasil é o país da alegria e do povo que finge que não vê.
Aqui temos uma contraposição paradoxal. Somos um país emergente, cheio de problemas sociais, econômicos e políticos, mas que exerce sua alegria carnavalesca no dia a dia, vencendo todas as possibilidades com o esvaziamento do que nos oprime em uma eterna galhofa que nos une.
A importância das relações e da galhofa como base da identidade brasileira faz com que praticamente todas as formas de diversão no Brasil passem por uma dose de humor e de compartilhamento.
Assim, na base estamos ligados à coletividade, à tiração de sarro, à brincadeira nonstop e até mesmo no mergulho na memória de outros tempos. Por sua vez, no topo da pirâmide está a diversão pela transgressão, que tem relação com certa aderência ao estado das coisas que se excetua durante o carnaval, o período em que é oficialmente permitido desinibir-se.
Existem tantas formas de diversão quanto desejos a serem atendidos. Na lógica da transversalidade do tempo, em que a diversão é um aspecto que pode ser vivenciado em diferentes momentos da vida cotidiana, cada um relaxa as tensões da forma que melhor lhe convier. Os brasileiros, mundialmente conhecidos pelo bom humor e leveza de ser, utilizam a diversão como válvula de escape para lidar com o contexto por vezes adverso com o qual precisam lidar, deixando a banda passar e rindo de si mesmos. A gente sempre dá um jeito de se divertir – como, onde, quando e com quem pode.
FONTE:
Coletivo Tsuru e a Quantas, 2018
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