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Por Redação do ge — São Paulo


Grande Círculo - Julio Casares

Grande Círculo - Julio Casares

Eleito presidente do São Paulo em 2021, Julio Casares chega ao meio de seu mandato de três anos com a missão de organizar as finanças do clube e colocá-lo novamente como uma das grandes potências do futebol brasileiro.

Em entrevista ao programa Grande Círculo, do sportv, o dirigente abre o jogo sobre a política são-paulina, contratações e vendas de jogadores, o trabalho para tentar reerguer o Tricolor, a possiblidade de tornar o São Paulo uma SAF e as conversas sobre a Libra.

– Eu tenho o compromisso do que vou escrever para o São Paulo. Eu quero deixar um legado profissional, de estrutura, de normas de compliance e comportamento – afirmou o presidente.

Aos 60 anos, Julio Casares foi diretor de marketing do São Paulo durante toda a gestão do ex-presidente Juvenal Juvêncio. Com Carlos Miguel Aidar, foi vice-presidente geral do clube. Antes de se tornar presidente, o dirigente trabalhou na área de comunicação.

Julio Casares, presidente do São Paulo, em entrevista ao Grande Círculo — Foto: Reprodução

Confira a entrevista na íntegra:

Grande Círculo: Você criou o termo "Soberano" quando o São Paulo ganhou tudo, e depois veio o tempo de vacas magras. A pergunta é: quando o Soberano voltará a ser Soberano?
Julio Casares: – Só uma correção, não fui eu que criei o termo Soberano. Na verdade, como o São Paulo ganhou quase tudo em 2005, 2006, 2007 e 2008, se criou um DVD e teve uma consulta de como seria esse nome: "O mais querido", "Tricolor Paulista", e o "Soberano" naquele momento registrava o grande momento do São Paulo. Não foi atribuído a mim, criação minha, foi um momento registrado e um São Paulo campeão. Tivemos uma parada e em 2012 ganhamos a Sul-Americana. Depois o São Paulo experimentou alguns desastres e se distanciou daqueles objetivos, não só pelo imobilismo, mas os concorrentes trabalharam bem. Então esse conjunto de fatores fez com que o São Paulo perdesse o espaço que nós vamos tentar buscar no menor tempo possível, essa volta à competitividade. Ganhar ou perder faz parte.

Quando o termo Trikas veio à tona faltou um pulso mais firme do São Paulo para combater a conotação homofóbica que parte da torcida passou a colocar?
– Essa é uma questão que nasce da torcida de forma natural. O São Paulo fez um anúncio no dia contra a homofobia, tem uma posição clara a favor da diversidade, respeito a todas as suas manifestações sociais. Isso ficou no campo da torcida, e eu não vejo nenhum tipo de problema, de adjetivar isso ou aquilo. O São Paulo, como uma grande instituição que é, num estado muito forte tem que dar o exemplo. O São Paulo sempre está atento. A gente não pode entrar na questão de que toda semana surge uma denominação e isso fica na cultura do torcedor. O que interessa é o São Paulo ter uma cultura progressista de respeito ao combate ao racismo, que é algo inimaginável de se existir ainda. E na questão da homofobia o São Paulo tem uma visão clara. Tanto é que, quando tem essas brincadeiras em redes sociais, nós levamos como o folclore do torcedor. Mas nossa postura é muito clara com compromisso com a cidadania.

Como o São Paulo é administrado hoje? Como é a política?
– Eu vim da arquibancada, do extremo leste de São Paulo, nunca fui filho de conselheiro, sempre fui são-paulino. E na minha profissão eu sempre defendi o São Paulo de forma voluntária. Nunca assumi um cargo remunerado no São Paulo. Não que seja proibido, eu não sou profissional, naquele momento eu estava na televisão. Quando o São Paulo me fez presente em uma linha política de desenvolvimento, você tem grupos, mas eu acredito em um clube como o São Paulo hoje, que está sendo reconstruído, pilares culturais e econômicos. Porque o São Paulo por uma série de razões passou por uma série de desconstruções. E há compromissos, fizemos uma área de compliance, estamos profissionalizando todas as áreas.

– Estou chegando no meio de um mandato, é difícil. Estamos olhando o lado financeiro sem perder a competitividade, porque se você perde a competitividade e cai para a segunda divisão o buraco financeiro fica muito mais profundo. Então, eu acredito que hoje o São Paulo é o São Paulo da reconstrução, de várias mãos, daqueles que querem ajudar. E nossa campanha simbolizou isso, porque ganhei uma eleição com 75% de votos. Nunca fui filho de conselheiro, não tenho nenhuma questão oligárquica na minha vida. Acho que um cara que vem de Itaquera para ser presidente do São Paulo gera até um preconceito... Eu não sou o engomadinho do Morumbi e não tenho esse compromisso de ser, porque tenho um compromisso com a minha história, com meus 60 anos, quase morri de Covid ano passado. E eu tenho o compromisso do que eu vou escrever para o São Paulo. Eu quero deixar um legado profissional, de estrutura, de normas de compliance e comportamento.

Julio Casares, presidente do São Paulo — Foto: Rubens Chiri / saopaulofc.net

Em janeiro, o São Paulo falava em ter um investidor para injetar dinheiro no clube, mas até hoje não conseguiu um nome de impacto. Como está essa situação? Ainda busca um grande investidor no mercado?
O São Paulo tem vários investidores hoje. O São Paulo cresceu a receita de marketing mesmo com pandemia quatro vezes o que faturou em 2020. Hoje a camisa está tomada (de patrocínios), o estádio está tomado, então os investidores como propriedade de marca estão todos lá de forma ampla. Quando a gente fala de investidor no futebol é uma outra visão. Eu estava acostumado com sei lá... Você tinha oito TVs abertas, rádios. Hoje você tem mil veículos, um blogueiro é um veículo. Então existem vários veículos, e eu me deparo com notícias de que veio um sheik árabe aqui. Eu recebi realmente um sheik, mas não quer dizer que é um investidor.

– Se me perguntam se o São Paulo está buscando um investidor, sempre estará. No marketing e também em parcerias. Mas só que é uma concepção da forma que se enxerga e da forma que é colocada na mídia. De repente eu abro: "Presidente e tal diretor conversou com tal jogador". Eu nunca vi esse jogador de perto e é muito difícil, porque você não pode sair negando algo que não existe, senão você vai ter que fazer isso o dia todo. Na questão do investidor eu disse mesmo. Estamos conversando, conversamos e é algo que o São Paulo trata com muito cuidado. O investimento tem que ser bom. Um custo-benefício que tenha um bom projeto. Nós temos investidores, mas que estão através do marketing aportando para o São Paulo. Às vezes antecipando valores, as vezes saneando o financeiro do passado. Mas o grande investimento poderá vir, mas em questão que o São Paulo está trabalhando.

Existe um futuro do São Paulo como SAF?
– Pode existir. Na verdade, hoje o estatuto do São Paulo tem um artigo que diz que se vier uma legislação que permita uma mudança societária, de restruturação, tem que apresentar um estudo. Assim que saiu a lei em setembro, promulgada em outubro do ano passado, eu criei um grupo de estudos e contratei uma consultoria. Eu não vou discutir as SAFs de hoje, elas nascem com várias necessidades ou estratégia, mas o São Paulo de amanhã, se um dia a instituição caminhar para esse lado, que é uma decisão coletiva da instituição, tem um valuation, o valor da marca, técnico. Eu não posso dizer "ah, o São Paulo vale R$ 500 mil, R$ 1 milhão..." Nós temos que ter um estudo técnico para que o São Paulo entre em um campo arejado tecnicamente.

– Hoje é uma questão muito inviável no atual quadro e até nem seria inteligente. O São Paulo tem dívidas, está se organizando. Eu não posso vender minhas ações em baixa, posso buscar parceiros quando tiver mais saúde financeira. E essa consultoria vai indicar isso. Se daqui um ano e meio, dois anos, nós tivermos essa composição de um time competitivo, o patrimônio nem preciso dizer... O São Paulo tem uma perspectiva muito boa se continuar fazendo a lição de casa, que é equilibrar um time competitivo, que é caro. Com o calendário que temos, precisamos de dois times, e sanear as dívidas, organizá-las. Então é um desafio difícil. Se você sacrifica o time... No ano passado, nós poderíamos ter vendido três atletas no final do ano e não vendemos. Porque não era justo com o Rogério você desfalcar o time que ia ser pago agora. Nós tivemos consultas pelo Sara, Nestor e pelo Welington.

O colégio eleitoral pequeno do São Paulo não transforma o clube em antidemocrático e não favorece uma política de conchavo, negociação de cargo, que estimula sempre as mesmas pessoas a ter mais influência? E sua gestão vai viabilizar a abertura para sócios-torcedores votarem para que o clube se torne mais democrático?
– O nosso colégio também é muito grande porque, quando você votava na chapa, já votava na chapa do Julio Casares, na eleição prévia do Conselho, que depois habilita a eleição do Conselho. Agora, quando você vai para o parque social do São Paulo, no Morumbi, e é um clube muito bom, acredito que 40% dos sócios torcem para outros clubes. Então, você sempre tem um risco e isso está sendo discutido, de uma votação direta você está dando o direito ao voto do sócio corintiano, palmeirense, santista, porque existe. Não que seja um problema para se discutir o voto direto, mas é um obstáculo que temos que superar. Nós estamos estudando uma linha de ação para que isso ganhe outros contornos. Sócio-torcedor eu tenho uma questão que tem que ser muito bem regulamentada, porque o sócio-torcedor sabemos que é assim por causa da economia, ele faz, o time perde, ele larga...

– Primeiro temos de discutir o direito de voto do sócio torcedor, qual a periodicidade que ele é sócio. Temos uma outra dificuldade que nem sempre uma pessoa altamente popular é um bom gestor. Então nós corremos um risco também de você pegar uma pessoa midiática, igual um ex-atleta. Ele foi ótimo dentro de campo, mas nunca geriu nada, nunca teve um cargo, mas ele é popular e ganha pelo sócio-torcedor, é democrático, e ele vai assumir o clube. Temos no Brasil vários exemplos de alguém que veio do campo e não vai tão bem na gestão. Mas também não é uma correção que alguém que veio da iniciativa privada vai dar certo. A minha gestão tem compromisso. Eu contratei uma consultoria para dar resposta, porque se eu fosse engavetar o estudo... Eu tenho uma consultoria, eu pago por ela, vou ter que apresentar em todos os conselhos. Daqui a seis meses, talvez, teremos concluído esse trabalho.

O São Paulo hoje tem 260 conselheiros que votariam e definiriam se o clube viraria uma SAF, e sabemos que esse conselho é conservador. Não se tornaria quase inviável implementar uma SAF hoje no São Paulo diante desse cenário?
Não... Primeiro esse estudo vai falar sobre a possível separação jurídica patrimonial contábil da área social com o futebol, que é uma preparação para você tentar depois mudar o sistema. Se vai virar uma SAF, uma limitada, majoritário ou não é uma decisão interna. Mas o estatuto primeiro você passa por um conselho de administração, depois você vai para o Deliberativo e depois vai para a assembleia de sócios. Mas é um caminho democrático e que a sociedade do São Paulo está acostumada.

Você foi a favor da retirada da reeleição na época do Leco, quando o apoiava. Agora no seu mandato tentou voltar com a reeleição. O que fez mudar de ideia?
Primeiro não foi o Leco que tirou, foi uma reforma estatutária. Eu era a favor de um mandato só se o mandato fosse maior. Como mais de 90% dos clubes tem a reeleição. A reeleição não significa um novo mandato, significa uma avaliação e o direito de ser avaliada a gestão. Você não está falando em terceiro mandato, é mais um mandato. Então por princípios, acredito que se o mandato fosse maior eu acho que um só seria suficiente. Não estou defendendo em causa própria, mas três anos em um clube que está devastado, não por culpa de pessoas, mas por um tempo de situação econômica... Precisa de um planejamento de médio e longo prazo.

– Se você me perguntar se sou a favor da reeleição? Sim. E acho que esse trabalho está sendo construído, ele tem que ter um planejamento um pouco mais a longo prazo. A falta de continuidade no planejamento é que levou o São Paulo a uma situação difícil e leva a maioria dos clubes para isso.

Leco, Raí e Casares no Morumbi — Foto: Marcos Ribolli

Valeu a pena o sacrifício no começo do ano passado para levar título do Paulistão? Depois da conquista os jogadores se desgastaram e refletiu no resto da temporada, com a briga contra o rebaixamento...
– Valeu. O fato de você ver crianças voltando a vibrar com o São Paulo, que nunca tinham visto o São Paulo campeão, pagamos uma conta depois. Mas valeu a pena. Foi um título muito importante, nós não ganhávamos há 16 anos um paulista e há nove anos um título. E nós ganhamos um Campeonato Paulista contra um grande adversário, que é o Palmeiras. Depois fomos vice e quase chegamos a outro campeonato. Claro que veio a conta, porque no segundo semestre a gente precisava de um elenco maior. Você num campeonato de pontos corridos, largo, faltou para o São Paulo e nós corremos riscos. Mas dentro do quadro, do cenário financeiro que assumimos, com essa pressão de um título...

– Eu comecei a gestão ganhando um campeonato em maio, dia 23 de maio de 2021, e tendo uma perspectiva... Eu tive a infelicidade de contrair a Covid, fui internado eu entrei no hospital e o São Paulo classificado nas quartas de final da Copa do Brasil e Copa Libertadores. Fiquei um mês no hospital. Quando eu saí tinha tudo acabado. A gente tinha perdido as duas classificações, uma crise na comissão técnica. Foi muito dura. Aí veio o Rogério Ceni, a história foi de muito sacrifício no final, nós conseguimos ainda o 13º colocado, foi duro. Começamos ali um planejamento para esse ano e esperamos ter um ano mais linear.

O áudio do Muricy, vazado no fim do ano passado expôs algumas insatisfações e ele quase saiu. Como foi esse episódio e como convenceu ele a ficar?
– O Muricy é um amigo meu de muito tempo. Ele saiu desse conforto (da TV) para assumir uma missão de coordenador de futebol. Engraçado que esse cargo foi criado pelas condições dele, ele está sendo muito competente. Depois a CBF tentou levá-lo três vezes. Aquele dia foi um jogo contra o Juventude, um desabafo, que quando você tem um grupo de WhatsApp, você faz. Até quando vazou o áudio ele me ligou, não estava entendendo nada, falando do Vladimir... Não houve nenhum tipo de problema. O que o Muricy quer nós queremos. É o que o Rui Costa quer, o Biasotto, que é profissional executivo da base que também quase foi levado por um clube. O Rui Costa quase foi tirado por um clube.

– Existe um entendimento. Contratamos o Rafinha, o Patrick, o Nikão... Ali foi um desabafo dele como amigo. O Muricy, como todos nós, na emoção, não deixe um áudio para ninguém.

Você citou que todos os diretores são profissionais, mas o seu diretor de futebol, Carlos Belmonte, é um conselheiro. Por que a escolha dele nesse caso específico?
– O Belmonte como voluntário que na história dos clubes, todos tem, é um diretor institucional. Ele é o coordenador da área, até para dar tranquilidade aos profissionais. Você vê o Muricy ou o Rui Costa ou o Biasotto tendo que ir ao conselho responder questões de 260 conselheiros, que é importante, tem que ter uma blindagem, uma pessoa com visão institucional, para você preservar o trabalho profissional. Então o trabalho do diretor institucional é a facilitação dessa equipe profissional trabalhar. E eu vejo um entrosamento extraordinário.

– O Marcos Biasotto, e hoje o São Paulo nunca jogou com tantos garotos no profissional, foi pretendido por um time do Sul. O Rui Costa pretendido por uma futura SAF, e o Muricy chamado três vezes pela CBF. Então essa diretoria profissional está indo bem. O Belmonte faz um trabalho de ajuste para que esse diretor profissional não fique exposto nos órgãos da instituição.

Diretoria do São Paulo, com Belmonte, Julio Casares, Rui Costa, Nelsinho e Chapecó — Foto: Marcos Ribolli

Como é a relação do presidente do São Paulo com o projeto Daniel Alves, quando chega a conta e ele ainda critica o São Paulo?
– Quando chega essa planilha não é só o Daniel Alves. Pagamos outros jogadores. No caso do Daniel estou muito tranquilo para falar, porque é um jogador extraordinário, com competência internacional, com liderança por onde passou, foi contratado pela antiga gestão e não foi por isso que não deu certo. Talvez tenha faltado um plano de marketing simultâneo, não depois. Não adianta eu trazer uma estrela, eu tenho que ter meu plano antes, senão depois é difícil pagar a conta. E nós temos depois do acordo firmado um termo de confidencialidade que eu prefiro não falar. Eu digo que ele é um grande jogador, que é um jogador internacional que ganhou muitos títulos e eu não tenho mais o que falar dele. Se ele fala mal do São Paulo vai ficar na consciência dele essa questão.

Mas onde não deu certo o projeto Daniel Alves?
Primeiro foi a grana. Na parte técnica acho que teve boas atuações e foi campeão paulista na nossa gestão. Isso me deixa com muita felicidade. Tem um quadro na parede, o Volpi saiu agora e foi campeão paulista. O que não deu certo foi um conjunto de fatores, porque o Daniel na minha opinião é um lateral-direito especialista extraordinário. No São Paulo ele veio jogar no meio campo. Não sei se isso faltou um pouco mais do Know-how dele... É a mesma coisa de eu colocar o Romário de médio-volante, ele joga na área, de decisão. Acredito que ali faltou o ajuste fino. Com o Crespo ele foi para a lateral, mas é um grande jogador.

O Rogério está certo na previsão dele que vai perder mais alguns jogadores, mas também irá receber mais alguns?
– No final do ano, eu falei três atletas que nós não vendemos. Pegamos um déficit contábil, podíamos ter zerado o déficit vendendo, mas depois teríamos que sair contratando. E eram jogadores em desenvolvimento: Welintgon, Nestor e Sara. Infelizmente o Sara se machucou. O Rogério é um grande técnico e não tenha dúvida que tem as razões. Mas não vamos esquecer que trouxemos o Andrés Colorado... Porque não é que você vende no momento e traz um jogador naquele momento. Por causa da janela você traz uma reposição antes. Veio o Andrés Colorado, André Anderson, que é um grande jogador, era um sonho do Rogério, estava na Lazio e o técnico não queria liberar. Só aqui já dei dois jogadores e claro que a gente vai estar atento ao mercado. Tem uma base, que ainda está sendo muito bem aproveitada e todo mundo tem razão. Se couber dentro do orçamento e dentro da condição, seja na base ou de fora, vamos fazer. Se for da base e o garoto tem uma proposta muito boa e ele imagina que quer ganhar o dobro, não vamos fazer. Ele vai embora porque nós não podemos assumir um custo maior do que a nossa condição financeira. E dinheiro assumido é palavra assumida.

Mas qualquer oferta que chegar vai vender...
– O São Paulo na próxima janela, porque viemos da pandemia em que a janela foi muito conservadora, o mercado sentiu. Parece que agora está se recuperando. O mercado russo, da Ucrânia, que era bom, já não existe mais. A China já não existe mais. Ai você começa a reduzir. Claro que os clubes ainda dependem de venda de atletas, e não tenha dúvidas que no meio do ano havendo uma proposta o São Paulo terá que vender. E isso está claro, o Rogério sabe disso. O Marquinhos já é uma condição conhecida, ele não conseguia mais, não queria ficar, foi tentado de tudo. Até antes do jogo contra o Racing que ele arrebentou ele já não queria ficar e é uma questão contratual que ele tinha essa condição.

Como é o Rogério Ceni fora das quatro linhas? A gente vê que ele tem assumido um papel de cobrança nas entrevistas coletivas...
– Um cara diferente, um cara muito obstinado, é um cara detalhista, que se cobra muito. Um cara que vive o futebol, muito mais do que qualquer dirigente. Então ele tem o direito do detalhe, tem o direito das colocações. Então toda essa questão que ele falou da piscina é algo que a gente estava desenvolvendo. Isso é uma coisa engraçada, acho que merece uma explicação. Quando eu cheguei, tinha uma piscina com cadeiras que tinha um vazamento e parece que ninguém conseguia resolver. Chegamos ao Crespo: "Crespo, temos uma piscina, você vai usar ela?" Ele respondeu: "No meu esquema de trabalho não utilizo piscina". E estávamos pensando em fazer dessa piscina um reservatório, porque hoje você molha muito os campos, a toda hora. E estava com isso na cabeça. Quando o Rogério chegou perguntamos isso a ele. Ai dali em diante, a piscina ficou pronta em uma semana. Ele usou a piscina como uma forma de exemplificar...

– O Rogério, então, tem o direito pelo profissional que é. Vou contar um bastidor importante, quando infelizmente, porque ninguém gosta de demissão. Até me criticam porque foi muito rápida a contratação do Rogério. Se você é rápido e eficiente criticam. Eu liguei para o Rogério, ele mora do lado do Morumbi, e falei para ele vir tomar café. Ele foi na minha sala e falei: "Rogério, vou ser sincero com você, te conheço há 30 anos, o orçamento é esse, você tem que treinar o time hoje e ir para o banco amanhã contra o Ceará". Ele levou um susto, porque o Santos tinha procurado ele, tinha um projeto de só começar um projeto em 2022. Eu falei que o não era uma resposta. Para mim, partir para uma nova tentativa de profissional eu tenho que ouvir você. Porque na minha campanha eu falava assim: "Se existir uma vacância no cargo o nome natural é o Rogério". Ele foi campeão pelo Flamengo: esquece. Fomos atrás do Crespo. Mas quando teve a vacância procuramos. Aí o Rogério relutou um pouco e a pergunta dele foi a principal questão. Ele disse: "Presidente, tem iluminação no centro de treinamento da Barra Funda para treinar hoje?". Falei: "Não, mas vamos treinar no Morumbi". Peguei o telefone, mandei os atletas virem, ele pegou uma roupa de treino na casa dele e foi muito rápido. Registramos no BID à noite e ele começou a trabalhar.

Rogério Ceni comanda treino do São Paulo — Foto: Rubens Chiri / www.saopaulofc.net

E como você vê o trabalho dele hoje em relação àquele que saiu logo depois de parar de jogar?
– Muito mais maduro. Eu vejo o Rogério hoje além do detalhe com uma convicção de jogo, uma proposta de jogo. O time do São Paulo joga com intensidade e é o que ele acredita. Então os jogadores, desde o Jandrei, começam propondo jogo de forma mais vertical, mais rápida. E o que me dá muita satisfação, e o futebol é resultado... Eu analiso o sistema como um todo: a valorização dos meninos da base, os jogadores da base estão tendo oportunidades como nunca tivemos. Isso tem dois aspectos: primeiro que é o nosso fim, revelar e colocar para jogar. Segundo que é um ativo do clube. Então hoje, se vamos ter uma prateleira de uma "venda" logo temos um ganho técnico com esses meninos. Por isso não vendemos em dezembro o Sara, o Nestor e o Welington. Nós tínhamos que dar sequência a esse trabalho que o Rogério vem fazendo com Igor Gomes, Welington... Então analiso que o trabalho dele está muito maduro. Agora tem conceitos, mas é um cara trabalha e acredita muito no que está fazendo.

Onde o São Paulo pode chegar nesta temporada?
– Acho que tem que ter crença no médio e longo prazo, acreditar sem afobação. Ganhamos do Palmeiras que é um grande time do Brasil, 3 a 1 no Morumbi, mas podíamos ter ganho de 4, 5, 6, não sei... Tomamos um gol que nos custou muito e depois perdemos lá. Foram dois jogos abertos, o São Paulo não conseguiu jogar no Allianz Parque. Aquele título era importante, claro, mas o trabalho continua.

– Um time de futebol do tamanho do São Paulo, Corinthians, Santos, Flamengo, Palmeiras... Deve estar sempre competindo, porque uma hora você está próximo. Então no Campeonato Brasileiro, se você disputar entre o primeiro ao sexto, está próximo, porque às vezes a diferença é de três, quatro pontos. Você perde dois jogos você cai, você ganha dois jogos você sobe. Tem que estar no bolo, e o São Paulo está conseguindo fazer com elenco. Não tem condição de você trabalhar com 15 jogadores, você precisa de 28. E vai, nos pontos corridos, que é viagem, logística, pagar essa conta. Então eu vejo que tem que ter perseverança e paciência, que é difícil no futebol.

O CT do São Paulo já foi uma referência e ficou ultrapassado em equipamentos, tamanho de vestiário, concentração de atletas... O que fazer em relação à estrutura do clube. Tem algum plano de modernização?
– Antes da parte técnica de equipamento, estrutura mobiliária, nós temos que mudar o conceito dos profissionais. Então o São Paulo teve uma mudança. Lembro que há uns anos atrás sofríamos muito com o departamento médico. Temos hoje jogadores contundidos, mas diminuiu bastante a permanência de jogadores no departamento médico, porque não é só o tratamento da fisioterapia, é a transição para o campo, é a preparação física que não estoura o cara antes. Então o conceito primeiro dos profissionais é o primeiro caminho. Na parte estrutural nós estamos trabalhando. Claro que aí tem que ser com parceria, porque hoje todo dinheiro que arrecadamos vai para pagar dívida do passado. Vai para pagar pendência de atletas, jogador que não está mais... Então não há condição de eu pegar esse dinheiro e falar: "Agora eu vou cuidar do patrimônio, da estrutura". Claro que estou fazendo isso, mas dentro de parcerias. O Naming Rights do CT, estamos discutindo. E patrocinadores hoje que anunciam, uma parte vai para o CT, para a modernização. Mas não tenha dúvidas que tem uma demanda que nós vamos precisar trabalhar.

– Nós tínhamos que montar elenco, o Miranda foi contratado, foi para a seleção brasileira de novo. O Benítez cumpriu seu papel no Paulistão, foi emprestado, não contratado. Tiveram erros, contratamos o Orejuela, que não conseguiu jogar. Por onde passou, no Grêmio foi bem. Tem jogadores que dão certo, outros não, mas conseguimos ser campeões paulistas. Mas veio o Calleri, Rigoni que deverá voltar a jogar... Acho que o São Paulo está em um processo de reconstrução e passa por essa questão de estrutura. Um pouco mais de tempo e a gente vai voltar a ser referência também no CT, como é em Cotia, a maior base do Brasil. Isso eu falo de boca cheio, em termo de estrutura, revelação. Hoje a base do São Paulo está integrado ao profissional, por isso tem esses frutos de escalação.

Como está a Libra e como você enxerga a união de clubes brasileiros em prol de um campeonato melhor? O que podemos esperar?
– Para mim, tenho convicção que é a maior oportunidade que o futebol brasileiro tem. Vai depender da maturidade dos dirigentes, do equilíbrio e, entre aspas, achar que você vai perder um pouquinho, mas você vai ganhar o bolo no futuro. Tirar essa vaidade, discutir o bolo porque vai ter dinheiro para todo mundo, vai ter investidor. Tenho convicção e por isso demos um passo muito incisivo e está crescendo a adesão dos clubes... No sentido de o futebol ter oportunidade. A CBF vai homologar. Ela vai cuidar da seleção brasileira, dos tribunais, arbitragem, da governança, do futebol em termos internacionais... Mas o Campeonato Brasileiro tem que ser feito pelos clubes ouvindo os patrocinadores, os veículos que patrocinam, que são os maiores patrocinadores do futebol brasileiro. Tem discutir esses temas, senão vira a liga do botequim: todo mundo discute, mas na hora de sentar não.

Como pode ser a participação do John Textor, que é americano e tem uma visão diferente? Como ele pode ser um bom condutor dessa união dos brasileiros?
– Até pela vocação do americano, ele vê a produção, o cenário como um grande atrativo de um grande espetáculo. E eu senti isso nele. Hoje você pega, com todo o respeito, iluminação horrorosa, gramados ruins, logística ruim. Para você vender o produto, você tem que ter um teatro, um palco bonito. E ele vem com essa expertise do show americano. E ele já demonstrou. Foi muito bem recebido, ficou impressionado, assinou no mesmo dia que nos visitou e fiquei com uma boa impressão do Textor. Acho que o futebol brasileiro tem um investidor vibrante. Porque não adianta você ser um investidor frio. Eu senti que ele está incorporando o Botafogo de Garrincha, Didi, Zagallo, Nilton Santos... Acho que isso é importante para o futebol e saúdo muito a vinda dele. Aliás, todas as SAFs entraram na Libra.

Leila Pereira, John Textor e Julio Cesaresna filiação do Botafogo à Libra — Foto: Divulgação

A padronização de iluminação e gramado estão na pauta de vocês? Como isso seria bancado?
– Essa padronização não é algo do dia para noite. Estamos falando da Liga a partir de 2025. Então teremos todos os contratos até 2024, vamos ter tempo para se preparar, temos que fazer um manual importante de produção, onde nós temos que ter o mínimo de iluminação, cenário... Todas as praças terão que se adequar. Tem grandes estádios que foram construídos na Copa do Mundo que o vestiário está ruim, acomodações péssimas. Tem que ser a forma privada para fazer isso, temos que cobrar.

A questão do calendário já foi discutida pela Libra?
– Isso é um grande problema que não dá para falar agora. Tudo é uma transição, não é uma ruptura total, porque você tem seleção, compromisso, eliminatória. Se você analisar bem a Sul-Americana e Libertadores ganharam espaço, agora termina em novembro , a Copa do Brasil também. Os regionais são importantes para os clubes do interior... Então eu acho que tudo tem que ser colocado dentro de um novo formato que você tem que diminuir jogos. É um desafio que será gradativo.

Você é muito presente na rede social. É algo seu particular ou o presidente do São Paulo está tentando se comunicar com o público torcedor?
– Se não se comunica, você se esconde. Falavam do meu antecessor, que ele não se comunicava com a torcida, não tinha rede social. O Brasil ficou meio com ódio, uma parte gosta a outra não. Eu faço o que eu tenho convicção de fazer. Eu coloco Grêmio, coloco minha opinião, me exponho, mas é melhor assim. Transparência, você se comunica assim. Eu acabei de falar aqui que sou de um tempo que tem seis ou sete veículos de TV aberta, rádios, jornal impresso e você conseguia se comunicar com as pessoas. Hoje você tem mil veículos, então não dá para ficar desmentindo coisas que nem existem.

– A rede social é um caminho que eu falo a verdade. Eu falo para o torcedor: "Acredite em uma contratação quando ela sair no nosso site ou quando sair de um vídeo nas nossas redes sociais, porque senão vamos ficar falando inverdades". Então a minha opção pela rede social tem bônus e ônus. Eu não sou tutelado por pseudo formadores de opinião, eu falo o que eu sou, falo as verdades. Aí tem torcedor que fala: "Você tirou comentário". O cara é mal-educado eu tenho que tirar comentário. Aí falam que só apareço quando ganha. Não é verdade. Quando perdeu para o Palmeiras de 4 a 0 eu postei. Até brinco com isso, mas isso traz também um relaxamento. É importante o dirigente estar próximo do sentimento do torcedor.

Juvenal Juvêncio uma vez disse que o futebol é uma fantasia? Você também considera o futebol uma fantasia?
– Acho que o futebol é um enredo que mistura aventura, comédia, drama e terror. Está tudo isso aí, no mesmo dia. Anúncio do Daniel Alves, Morumbi lotou. Não deu certo, o casamento não deu certo, a saída foi melancólica, mas ele é um grande atleta, cara reconhecido mundialmente. Você ganha um jogo quarta-feira, o Rogério é o melhor técnico do mundo. Perde domingo o torcedor pede "fora, Rogério". O futebol então ele está nesse contexto. Acho que com as redes sociais é tudo isso ao mesmo tempo. Você tem que ter uma carga emocional muito grande, porque não é muito fácil.

Como foi a sua luta conta a Covid?
Teve um jogo do São Paulo contra o Vasco no Morumbi, eu estava muito mal, eu já tinha sido vacinado duas vezes. Aí fiz o teste, deu positivo, peguei meu carro, consultei alguns médicos, estava com 37 graus de febre e fui ao hospital. Pensei que seria rápido, aí faz aqueles exames todos no pulmão e me falaram: "Você vai ficar". Isso foi na sexta. Na terça, vários médicos paramentados entraram ao mesmo tempo: "Olha, o seu organismo está muito bom, mas temos que dar uma notícia que você será entubado". Imagina se eu não estivesse bem (risos) E foi um drama, porque eu fiquei 14 dias entubado, onde você tenta na extubação tirar o sedativo e quando tirava o sedativo eu reagia muito. Nessas tentativas deu erro três vezes e isso demorou duas semanas.

Julio Casares, presidente do São Paulo, deixa o hospital após Covid-19 — Foto: Reprodução / redes sociais

Qual o respaldo do Rogério no comando?
– O que eu posso passar para o torcedor é que existe uma convicção no trabalho dele, claro que ninguém pode falar, porque o futebol é inevitável. Não tem a menor expectativa de saída, porque é um trabalho de médio e longo prazo. Nós tomamos uma cacetada no Allianz Parque de 4 a 0, é difícil, qualquer um fica... Mas o trabalho seguiu, outras derrotas também e continuou o trabalho. O que vale é acreditar no planejamento e o trabalho seguir com seriedade. E ele tem feito um trabalho que sinaliza uma continuidade muito grande.

O São Paulo tem alguma cartilha que obriga ou sugere aos jogadores a não falarem de política, principalmente neste ano eleitoral?
– Acredito que a opção política ou qualquer uma outra é individual, mas se você está no exercício de sua função recomenda-se, não precisa escrever, você fala o que você quiser, ninguém vai tutelar ninguém. Mas até eu como dirigente, nessa questão de ficar dando camisa para esse e aquele eu não gosto. Eu acho que o governante, o governador, presidente, eu respeito, mas essa coisa de ficar vestindo a minha camisa, a do outro e do outro a do São Paulo eu não gosto que seja tratada assim. Acho que o São Paulo até pode dar uma lembrança, já até fiz para algumas pessoas. Faço no privado, porque pode ter uma conotação eleitoral e isso não é bom para instituição. Quando eu recebo a autoridade eu recebo a autoridade que ele representa, mas a camisa do São Paulo ou de qualquer clube é o maior símbolo que nós temos. Agora opção eleitoral de cada um... Cada um tem sua rede social, pode falar, desde que ela não seja utilizada pela instituição. Acho que isso é ruim, porque a instituição ela não tem lado, ela é pragmática no sentido de preservar valores. Aí sim a minha opção pessoal eu exerço.

Até quando o torcedor do São Paulo vai ter que olhar muito para cima para enxergar o Palmeiras, o Flamengo, o Corinthians que nesse tempo ganhou muito mais títulos, o Atlético-MG?
Ele vai ter que olhar um pouquinho para trás para enxergar mais. Eu faço isso no meu exercício. Hoje eu olho para o meu 2021 e falo: "Puxa, melhorou muito". Espero chegar em 2023 e dizer que melhorou mais. Então quando ele entender esse tipo de reconstrução, ele tem que entender que a obra ou está concluída 50% ou 60% e ele pode fazer essa projeção. E isso nós vamos dar esse instrumento no final da obra. Porque quando você chega e fala que tem que pagar em 60 dias R$ 82 milhões eu não tinha. Aonde eu fui? Claro que eu fui a banco, só que para eu conseguir dinheiro de banco eu tive que apresentar um projeto, defender o projeto... A credibilidade trouxe. Vou fazer uma colocação: o São Paulo por várias razões não ganhava clássicos, agora voltou a ganhar clássicos. Parece que não, mas é importante, o sentimento do torcedor. Pode perder um ali outro aqui, mas voltou a ganhar clássicos. Então ele está vendo que está acontecendo uma mudança de comportamento, um time mais aguerrido, que luta mais. São exemplos que fica. Ele olha para trás, caminha, olha para trás e ele vai começar a enxergar. A cada ano são degraus que a gente vai subindo.

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