"Lesão no ligamento cruzado do joelho direito". O diagnóstico seco, que indicava a necessidade de cirurgia, também apontava para o fim de um sonho de Guilherme Valadão: disputar as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016.
Guilherme Valadão, armador de handebol e estudante de medicina — Foto: Danilo Sardinha
Armador esquerdo da seleção brasileira de handebol, Valadão vivia a expectativa de estar nos Jogos Olímpicos após já ter sido cortado do Pan-Americano de Toronto, em 2015, também por lesão. O acúmulo de frustrações diante desses diagnósticos fez virar uma chave na mente do jogador. Se a vida o estava levando constantemente para o Departamento Médico, decidiu virar o "Doutor Valadão".
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Craque do handebol faz faculdade de medicina e se destaca em jornada dupla
O armador está no quinto ano de medicina na Universidade de Taubaté (Unitau) e concilia os estudos com a carreira como atleta. Valadão tem passagens por times da Europa e, atualmente, defende o Handebol Taubaté. No início deste mês, foi campeão e MVP da final do Campeonato Sul-Centro Americano de Handebol.
– Na hora, é uma frustração enorme porque um ciclo olímpico são quatro anos de trabalho. O handebol, por não ter Copa do Mundo... Tem mundial, mas não tem essa mesma expressão, você acaba se preparando quatro anos para estar bem naquela semana, para jogar a Olimpíada. Quando se prepara por quatro anos e fica fora, a frustração é enorme. Foi o que aconteceu comigo – relembrou.
Guilherme Valadão em ação pela seleção brasileira de handebol — Foto: Divulgação
– Hoje em dia, falo que foi exatamente o que me fez ter essa virada de chave, me fez entender que eu poderia ajudar, que eu poderia ir para outra área, de outra maneira. A partir dessas lesões, a partir deste momento, falei: “por que não posso ajudar e auxiliar, fazer ele estar condições saudáveis para, no momento da Olimpíada dele, não acontecer uma lesão?”. Foi o que me fez escolher a área médica. Hoje, passado vários anos, estou totalmente grato às coisas que aconteceram no passado. Na época, assumo que foi uma frustração enorme – completou.
Rotina maluca
Cursar uma faculdade de medicina exige muito estudo. Agora, acrescente o dia a dia de um atleta de alto rendimento. A soma disso é isso mesmo que você imaginou: Guilherme Valadão encara uma rotina bastante puxada para dar conta da medicina e a carreira no esporte.
Guilherme Valadão em treino do Handebol Taubaté — Foto: Danilo Sardinha
Confira abaixo como é a rotina do armador:
- 5h30: acorda e realiza trabalho físico separado do time (treino de endurance e musculação)
- 7h: vai para a faculdade para ter as primeiras aulas
- 9h: vai para o estágio no hospital e/ou vai para o treino da equipe
- Período da tarde: volta para a faculdade e faz mais estágio
- 19h às 20h: estuda mais em casa
- 21h: dorme.
Guilherme Valadão na faculdade de medicina — Foto: Danilo Sardinha
– Em muitos momentos, durante o semestre, você vai pensando se está dando conta ou se está apenas empurrando. Vai ficando maluco. Mas o resultado vem. As notas na faculdade estão boas, estou passando, sendo aprovado, faço projeto científico... Dentro do esporte, fica mais claro porque o alto rendimento te coloca numa divisão. Se você está bem, vai jogar, vai fazer gol, vai defender bem e seu time vai ganhar. Se você está mal, não. Acaba que semanalmente você vai passando por essas provas e tendo o resultado. Esse fim de semestre agora foi espetacular, com título pan-americano, sendo o MVP da final, e com as notas da faculdade indo bem. Você vê e fala: “realmente, valeu a pena a loucura do semestre inteiro” – comentou Guilherme Valadão.
Transição de carreira
A jornada dupla, de atleta e estudante de medicina, está na reta final. Ao mesmo tempo que formatura vai se aproximando, Guilherme Valadão vai enxergando o fim da carreira nas quadras. O armador pretende encerrar a trajetória como atleta quando o CRM chegar.
Guilherme Valadão com troféu do Campeonato Sul-Centro Americano de Handebol — Foto: Danilo Sardinha
E após deixar as quadras, Valadão não deve seguir na área esportiva da medicina.
– Entrei na faculdade e o meu pensamento era só trabalhar com atleta. Entrei já pensando: “preciso trabalhar com atletas, cuidar de atletas, recuperar atletas”. Era a mentalidade que eu tinha na época a partir das lesões que tive. Só que foi passando o tempo e fui descobrindo, tendo as matérias... Hoje em dia, sou apaixonado pela área clínica, gosto de estar no dia a dia na frente com o paciente. Hoje estou muito mais propenso a ir para a área clínica, talvez uma neurologia, nefrologia. Ainda tenho esse fim de faculdade para me decidir melhor. Se fosse para falar hoje, provavelmente não estaria indo para o lado para os atletas – afirmou.
Guilherme Valadão na faculdade de medicina — Foto: Danilo Sardinha
Embora não pretenda trabalhar com atletas, o armador tem aproveitado o contato com os médicos das equipes para aprender mais. Quando a seleção brasileira de handebol realizou treinos em Taubaté, neste ano, Valadão aproveitou a oportunidade para pegar experiências com o médico da seleção.
A expectativa para viver esta nova profissão, segundo o armador, tem ajudado na transição de carreira.
– Vejo os amigos que jogaram comigo há bastante tempo sofrendo muito com essa aposentadoria. Acabam ficando um pouco perdidos. São 20 anos, 25 anos desde que começa a jogar na base até a aposentadoria. Quando você para, você se pergunta: quem sou eu fora da quadra? Você nunca tem esse pensamento. Eu sou o Valadão, o armador esquerdo do Taubaté, o armador da seleção brasileira. Pronto. Chega um momento que você fala: “E agora? Quem sou eu?”. Acho que vou ter essa felicidade de não sofrer tanto com a aposentadoria das quadras porque, hoje em dia, já nem tenho tempo de estar todos os dias na quadra, fazendo coisas. No dia seguinte, acho que só vou falar: hoje não tem treino, mas tem plantão.
Guilherme Valadão, armador do Handebol Taubaté — Foto: Danilo Sardinha
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