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Por Arcílio Neto — Itu, SP


Um Pacaembu com 35 mil torcedores ansiosos se preparava para presenciar a 16ª cobrança de uma disputa de pênaltis que parecia interminável. O zagueiro Neto pegou a bola e precisou ajeitá-la três vezes para colocar na marca da cal. O chute fraco e no meio do gol encontrou as pernas do goleiro Vagner. Estava tudo acabado. O Ituano superava o Santos e era campeão do Paulistão.

Ituano bate o Santos nos pênaltis e se sagra campeão paulista de 2014

Ituano bate o Santos nos pênaltis e se sagra campeão paulista de 2014

O histórico 13 de abril de 2014 marcou a última vez que um time do interior furou o bloqueio dos quatro gigantes e conquistou o título do Campeonato Paulista. Dez anos se passaram e o clube responsável pelo feito não tem motivos para celebrar a data.

Em uma década, o Galo de Itu experimentou o extremo dentro da mesma competição e viajou do topo do pódio diretamente para a lanterna. Com uma vitória em 12 jogos, o rebaixamento para a Série A2 de 2025 foi inevitável.

Além de frustrar a comemoração da década do título de 2014, Rubro-negro perdeu o posto de time caipira mais longevo na elite estadual. O clube era figura carimbada na primeira divisão desde 2002. O Ituano também ostenta o feito de ser o único do interior a levantar duas vezes a taça do Paulistão.

Jogadores do Ituano comemoram com torcedores o título do Paulistão 2014 no Pacaembu — Foto: Marcos Ribolli

O outro título, menos glamoroso, foi o de 2002, quando os grandes deixaram de disputar o Paulistão para jogar o Rio-SP. O Galo de Itu não tinha nada com isso e aproveitou para conquistar o título pela primeira vez.

Desconfiança e protestos da torcida

Quando o Paulistão 2014 começou, o Ituano não era, nem de perto, um postulante ao título. Nos cinco anos anteriores, tinha escapado do rebaixamento quatro vezes na última rodada. Em 2013, um ano antes de conquistar a taça, o Galo de Itu só não caiu graças a um gol nos acréscimos.

O Rubro-negro precisava vencer o Palmeiras na rodada final, mas o placar era de 1 a 1 até os 48 minutos do segundo tempo. O grandalhão Marcão aproveitou o rebote do goleiro Bruno para marcar o gol da vitória e o da permanência dos donos da casa, no estádio Novelli Júnior.

Ituano x Palmeiras, pelo Paulistão 2013 — Foto: Agência Estado

O técnico do Ituano era Doriva, que havia acabado de começar sua carreira de treinador. O ex-volante do São Paulo e da seleção brasileira estava na comissão técnica do clube desde 2010 e teve o rebaixamento evitado como sua primeira conquista.

Bom começo para um jovem treinador, que conduziria o Galo ao auge um ano depois. 2014 chegou e o momento do Rubro-negro não era bom. Ídolo e revelação do clube, Juninho Paulista começava seu quinto ano de gestão com o Ituano sem divisão nacional desde 2010.

No começo do ano, antes da temporada começar, Juninho foi alvo de protestos da torcida rubro-negra. O motivo? O Galo perdeu todos os jogos-treinos da pré-temporada e os reforços não empolgavam os torcedores.

O mais próximo de uma estrela daquele elenco era o meia Marcinho, que teve destaque no São Caetano e no Athletico Paranaense, além da passagem pelo Palmeiras. O jogador, aliás, foi reserva daquele time de 2014 e, nove anos depois, viraria treinador do time.

O começo não foi nada empolgante. Foram dois jogos sem vitória em casa, no empate com a Portuguesa e na derrota para o Santos, naquela que seria a prévia da final. Os quatro grandes do estado tinham total foco no Paulistão, já que todos não se classificaram para a Libertadores naquele ano.

Jackson Caucaia e Paulinho em ação no duelo entre Ituano e Portuguesa, pelo Paulistão 2014 — Foto: Miguel Schincariol / Ituano FC

A primeira vitória veio na quarta rodada no 3 a 2 sobre o Paulista. Em seguida, empates com São Bernardo e Rio Claro e o Ituano parecia se encaminhar para mais um ano brigando contra o rebaixamento. Mas veio a virada de chave. O Galo de Itu enfileirou três vitórias seguidas contra Oeste, Ponte Preta e Bragantino.

A série foi interrompida com a derrota para o Palmeiras na 9ª rodada, mas logo foi restabelecida com vitórias sobre Mogi Mirim e Linense. Definitivamente, o Rubro-negro estava na luta para se classificar, mas o ímpeto foi freado após tropeços contra dois times que seriam rebaixados: derrota para o Comercial-SP e empate com o Atlético Sorocaba.

Anderson Salles comemora gol do Ituano contra o Mogi Mirim, no Paulistão 2014 — Foto: Miguel Schincariol / Ituano FC

"Entrega essa por**"

O Ituano chegou pressionado à 14ª rodada, que impôs o primeiro grande teste ao time: enfrentar o São Paulo em pleno Morumbi. Curiosamente, a partida teve as torcidas unidas pelo mesmo objetivo.

Com o tropeço do Corinthians, a vitória do Ituano eliminaria o grande rival do Tricolor. Torcedores são-paulinos cantavam durante o jogo: "entrega essa por**".

São Paulo e Ituano chuva no Morumbi — Foto: Ale Cabral / Agência Estado

Sob uma tempestade homérica, Esquerdinha abriu o placar para o Galo de Itu logo no começo e o placar de 1 a 0 persistiu até o fim. O resultado eliminou o Corinthians de Mano Menezes, que estava no mesmo grupo do Rubro-negro que, por sua vez, ainda não se garantiu nas quartas de final.

Isso porque o Audax, que estava na mesma chave, ainda tinha chances de ultrapassar o Ituano na rodada final. Porém, o triunfo sobre o Penapolense garantiu o time de Itu nas quartas para enfrentar o Botafogo-SP.

Com Rogério Ceni ao fundo, Esquerdinha comemora gol da vitória do Ituano sobre o São Paulo — Foto: Miguel Schincariol/Ituano FC

Botafogo-SP e Palmeiras ficam pelo caminho

Com a eliminação do favorito Corinthians, uma das quartas de final colocou dois times do interior frente a frente: Botafogo-SP e Ituano duelariam no estádio Santa Cruz, em Ribeirão Preto.

Com o campeonato tendo o mesmo regulamento de atualmente, o jogo único das quartas foi na casa do time com melhor campanha: Bota e Galo somaram 28 pontos, mas o Pantera teve uma vitória a mais e sediou o confronto.

Após um empate sem gols, o Ituano venceu nos pênaltis por 4 a 1 e confirmou o passaporte para a semifinal. O adversário na semifinal era o Palmeiras treinado por Gilson Kleina e liderado pelo ídolo Valdivia.

Jogadores do Ituano comemoram vitória nos pênaltis sobre o Botafogo-SP — Foto: Miguel Schincariol / ItuanoFC

A partida única do Pacaembu parecia se encaminhar para a decisão de pênaltis, mas o Galo de Itu marcou aos 39 minutos do segundo tempo. Marcelinho acertou um chute letal e fez o único gol do jogo, que confirmou o time do interior na final do Paulistão.

Marcelinho comemora gol do Ituano contra o Palmeiras na semifinal de 2014 — Foto: Marcos Ribolli

Ituano elimina o Palmeiras no Pacaembu e faz final com Santos

Ituano elimina o Palmeiras no Pacaembu e faz final com Santos

As finais no Pacaembu

Para chegar ao tesouro prometido, o Ituano tinha apenas mais um obstáculo: o Santos, que superou o Penapolense na semifinal e evitou uma final caipira. O CAP havia eliminado o São Paulo nas quartas de final. A FPF definiu que as finais, em dois jogos, seriam no Pacaembu, colocando, na prática, o Galo de Itu duplamente como visitante.

Vencer um grande em um mata-mata de jogo único era algo que, vez ou outra, acontecia no Paulistão. Mas, em um confronto de ida e volta, a chance seria bem menor. Mas as porcentagens mudaram após a partida de ida.

Cristian comemora gol sobre o Santos na primeira partida da final do Paulistão — Foto: Miguel Schincariol/Ituano FC

O Ituano ganhou por 1 a 0 com gol de Cristian "Mendigo", após uma bela jogada coletiva. Cícero ainda perdeu um pênalti, que garantiu o triunfo do time rubro-negro, que jogaria pelo empate no duelo de volta, uma semana depois.

Na coletiva de imprensa, o técnico santista, Oswaldo de Oliveira, garantiu que o Santos não jogaria duas partidas ruins e mostrou confiança para o duelo de volta. O Peixe devolveu o 1 a 0, com gol de pênalti de Cícero, e levou a decisão do título para os pênaltis.

Ituano sai na frente do Santos com vitória por 1 a 0 no Pacaembu

Ituano sai na frente do Santos com vitória por 1 a 0 no Pacaembu

Os pênaltis intermináveis

A apreensão tomava contava do Pacaembu e os pênaltis começaram com o Ituano batendo. Jackson Caucaia fez o primeiro, enquanto Cícero empatou. Batedor oficial do Galo de Itu e que nunca tinha perdido um pênalti pelo clube, Anderson Salles parou no goleiro Aranha. Alan Santos colocou o Alvinegro em vantagem: 2 a 1.

Melhores momentos: Ituano 0 (7) x (6) 1 Santos pela final do Paulistão 2014

Melhores momentos: Ituano 0 (7) x (6) 1 Santos pela final do Paulistão 2014

Marcelinho empatou, mas David Braz recolocou o Peixe em vantagem. Esquerdinha fez 3 a 3 e Rildo mandou na trave, deixando tudo empatado. Marcinho e Gabigol (ele mesmo) marcaram e levaram a disputa para as alternadas.

Jean Carlos e Arouca também converteram e o placar ficou 5 a 5. O lateral-esquerdo Denner, que morreu no acidente aéreo da Chapecoense, também balançou as redes, mas Alison também fez o gol, trazendo requintes de crueldade em uma decisão que parecia interminável. Capitão rubro-negro, Josa também marcou e novamente o Santos ficou nas cordas.

Desta vez, o Peixe não resistiu e com a cobrança desperdiçada pelo zagueiro Neto, os milhares de ituanos que lotaram a arquibancada visitante gritaram para celebrar o impossível: Vagner defendeu o pênalti derradeiro e o Ituano era o novo campeão paulista, após a vitória por 7 a 6.

vagner santos x ituano campeão paulista 2014 — Foto: Marcos Ribolli

Evolução e queda

Com o título paulista, o Ituano teve a chance de voltar a disputar uma divisão nacional após cinco anos. Em 2014, participou da Série D, mas foi eliminado pelo Moto Clube na primeira fase de mata-mata. O acesso para a Série C, viria apenas em 2019. Dois anos depois, em 2021, mais um acesso. Este, aliás, veio acompanhado da taça da terceira divisão nacional.

No primeiro ano de retorno à Série B, o Galo de Itu quase subiu. Na Batalha de Itu, em 2022, perdeu para o Vasco e ficou a uma vitória de conquistar um acesso inédito para a elite nacional. O ano incrível foi sucedido por um 2023 péssimo. O time escapou de dois rebaixamentos no fim, mas continuou sem juízo para o ano seguinte.

Derrota do Ituano para o Água Santa no Paulistão de 2024 — Foto: Rebeca Reis/Ag. Paulistão

O Rubro-negro jogou cartas com a sorte e, em 2024, perdeu. Venceu apenas o Corinthians em 12 rodadas e foi rebaixado com o fardo de ter sido o lanterna do Paulistão.

As palavras de um campeão

O atacante Rafael Silva ficou fora de apenas um dos 19 jogos do título paulista de 2014. No auge dos seus 23 anos, o jogador foi titular em 15 partidas e foi o vice-artilheiro daquele time com cinco gols marcados.

Entre os campeões de 2014, Rafael é, possivelmente, aquele que mais alto chegou. O jogador fez gols importantes em clássicos por Cruzeiro e Vasco e tem, até hoje, o carinho de torcedores dos dois gigantes do futebol brasileiro. Nada disso teria acontecido sem 2014, como diz ele próprio em entrevista exclusiva ao ge.

– Foi um dos mais importantes da minha carreira, porque aí que eu apareci pro cenário nacional do futebol. Ninguém estava esperando o título a não ser o nosso grupo. Não vou dizer que, desde o começo do campeonato, achamos que ia ganhar, mas quando chegamos no mata-mata, nos unimos e passamos a acreditar. Sou muito grato ao Ituano, porque sem essa oportunidade eu não teria conquistado outros títulos – relembra.

Rafael Silva em sua primeira passagem pelo Ituano — Foto: Miguel Schincariol / Ituano FC

– Nossa união e nosso grupo eram muito fortes. Sabíamos receber as críticas, nos cobrar da maneira que ninguém ficava para baixo. Tínhamos um líder, o Doriva, que não fazia diferença de ninguém, dava oportunidade para todos e tratava todo mundo igual. Todos se sentiam importantes e isso foi fundamental para o título – concluiu o atacante.

Rafael Silva assinou com a Portuguesa-RJ e vai jogar a Série D do Campeonato Brasileiro em 2024. O atacante teve uma segunda passagem pelo Galo de Itu em 2023 e depois foi para a Malásia. Na entrevista ao ge, ele lamentou o rebaixamento do Ituano no Paulistão deste ano.

– Fico triste por ter caído. Estava torcendo muito para que se livrasse, mas infelizmente aconteceu. Mas tenho certeza que vão saber retornar à Série A1. Eu acredito muito que o Ituano vai voltar a ser quem era: uma equipe forte, um grupo forte e uma administração muito respeitada – finalizou Rafael Silva.

Rafael Silva cobra pênalti para o Ituano contra o Santo André, pelo Paulistão 2023 — Foto: Miguel Schincariol/Ituano FC

Campanha completa do Ituano em 2014

  • Ituano 0x0 Portuguesa
  • Ituano 0x1 Santos
  • Paulista 2x3 Ituano
  • Ituano 0x0 São Bernardo
  • Rio Claro 1x1 Ituano
  • Oeste 1x2 Ituano
  • Ponte Preta 1x3 Ituano
  • Ituano 2x0 Bragantino
  • Palmeiras 1x0 Ituano
  • Mogi Mirim 0x1 Ituano
  • Ituano 1x0 Linense
  • Comercial-SP 1x0 Ituano
  • Ituano 1x1 Atlético Sorocaba
  • São Paulo 0x1 Ituano
  • Ituano 1x0 Penapolense
  • Botafogo-SP 0 (1)x(4) 0 Ituano (quartas de final)
  • Palmeiras 0x1 Ituano (semifinal)
  • Ituano 1x0 Santos (final ida)
  • Santos 1 (6)x(7) 0 Ituano (final volta)

santos x ituano campeão paulista 2014 — Foto: Marcos Ribolli

Onde estão os principais nomes do título

Vagner, goleiro: Náutico

Vagner, goleiro do Náutico, em final contra o Sport — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press

Dick, lateral-direito: aposentado desde 2019

Dick ficou no Ituano até 2016 e aposentou em 2019 na Portuguesa Santista — Foto: Guilherme Giavoni

Anderson Salles, zagueiro: Bhayangkara (Indonésia)

Anderson Salles em ação pelo Vasco contra o Flamengo de Emerson Sheik — Foto: André Durão

Alemão, zagueiro: Sergipe

Zagueiro Alemão com o nariz sangrando em jogo pelo Santa Cruz em 2023 — Foto: Reprodução

Dener, lateral-esquerdo: morto em 2016 no acidente aéreo da Chapecoense

Dener no jogo entre Chapecoense e Junior Barranquila — Foto: Marcio Cunha/EFE

Josa, volante e capitão: aposentado desde 2022 e auxiliar técnico no Sergipe

Josa foi assistente técnico do Náutico em 2023 — Foto: Tiago Caldas/CNC

Jackson Caucaia, volante: Audax-RJ

Jackson Caucaia atuou pelo Vasco em 2015 — Foto: Paulo Fernandes/Vasco.com.br

Paulinho, volante: Hercílio Luz

Paulinho atuou pelo Mirassol em 2023 — Foto: Felipe Modesto/Ag. Mirassol

Cristian, meia: aposentado desde 2020

Cristian, meia do Ituano, durante final contra o Santos — Foto: Marcos Ribolli

Rafael Silva, atacante: Portuguesa-RJ

Atacante Rafael Silva ao lado de Eurico Miranda no Vasco de 2015 — Foto: Arquivo pessoal

Esquerdinha, meia-atacante: Gama

Esquerdinha em ação pelo Santa Cruz — Foto: Rafael Melo/Santa Cruz

Jean Carlos, atacante: Andraus-PR

Jean Carlos em ação pelo Barra-SC — Foto: Lucas Gabriel/O Cancheiro

Marcelinho, atacante: Desportivo Brasil

Marcelinho em sua apresentação no Desportivo Brasil — Foto: Lucas Daquino/Desportivo Brasil

Marcinho, meia: aposentado desde 2015 e ex-técnico do Ituano

Marcinho, técnico do Ituano, na partida contra o Botafogo-SP — Foto: Miguel Schincariol/Ituano FC

Doriva, técnico: auxiliar de Sylvinho na seleção da Albânia

Sylvinho é apresentado como novo técnico da Albânia, ao lado do auxiliar Doriva — Foto: Divulgação/FSHF

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