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Por Arcílio Neto — Novo Horizonte, SP


O ano era 2023 e o técnico Eduardo Baptista fez um pedido para o seu pai Nelsinho: 'não para (a carreira) que um dia quero estar em um campo para enfrentá-lo'. Alguns meses se passaram e chegamos ao sexto mês de 2024 com uma notícia: o desejo será realizado neste dia 15 de junho.

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Após trabalharem juntos por dez anos, pai e filho viverão o outro lado da moeda e se enfrentarão pela primeira vez na história. O confronto será neste sábado, às 17h, no jogo entre Ponte Preta e Novorizontino pela 10ª rodada da Série B do Campeonato Brasileiro.

Curiosamente, o duelo acontecerá na "casa" de ambos. O palco será o estádio Moisés Lucarelli, em Campinas, na cidade natal de Eduardo e Nelsinho.

Quando Eduardo nasceu em Campinas em março de 1972, o pai Nelsinho ainda era um jovem de 22 anos que era lateral-direito no São Paulo. 18 anos depois, em 1990, Nelsinho estouraria como técnico no Grêmio Novorizontino, na disputa da "final caipira" do Campeonato Paulista contra o Bragantino de Vanderlei Luxemburgo.

Apesar da derrota, Nelsinho chamou a atenção do Corinthians e foi para o Timão no mesmo ano para ser o comandante do primeiro título brasileiro da história do clube. O pai de Eduardo treinou diversos times como São Paulo, Santos, Internacional, Flamengo, além de equipes do Chile, da Arábia Saudita, e principalmente do Japão.

Nelsinho e Eduardo Baptista em reencontro no Sport em 2015 — Foto: Aldo Carneiro / Pernambuco Press

A partir do começo deste século, Nelsinho passou a ter um novo funcionário. Durante uma década, Eduardo foi o preparador físico dos times treinados pelo pai, no Brasil e no Japão. Depois de trabalhar dez anos auxiliando o Nelsinho, Eduardo passou a escrever sua própria história.

Começou a carreira de técnico em 2014 no Sport e foi o comandante do Leão da Ilha por quase 130 jogos. Campeão da Copa do Nordeste em seu ano de estreia, Eduardo também passou por outros 12 clubes, com Palmeiras e Fluminense encabeçando a lista. Além do Sport, teve passagens de destaque por três times do interior paulista: Ponte Preta, Mirassol e, agora, o Novorizontino.

Nelsinho Baptista e Eduardo Baptista (criança em pé) em foto da década de 1970 — Foto: Arquivo pessoal

Apesar do pai ter treinado o Novorizontino na década de 90, o clube não é exatamente o mesmo. O Grêmio Novorizontino de hoje foi fundado em 2010. O Grêmio Esportivo Novorizontino, vice-campeão paulista em 1990, foi extinto em 1999. Ambos têm as mesmas cores (preto e amarelo), e o Tigre como mascote.

Em entrevista exclusiva ao ge, Eduardo Baptista descreveu os sentimentos inéditos que está vivendo na semana que vai enfrentar seu pai em um jogo importante para ambos.

Nelsinho Baptista junto com o presidente do Novorizontino e Eduardo Baptista no estádio Jorjão, em 2023 — Foto: Divulgação/Novorizontino

A realização de um sonho

Em uma entrevista ao ge em novembro de 2023, Eduardo Baptista revelou que tinha o sonho de enfrentar o pai.

– Já falei para ele: ‘não para (a carreira) que um dia quero estar em um campo e poder enfrentá-lo. Sempre trabalhei do lado dele e sonho podermos nos enfrentar desportivamente com ele em outro clube. Quem sabe. Meu pai está bem, com saúde e com disposição para trabalhar. Se não puder enfrentá-lo, que eu possa voltar a trabalhar com ele. Às vezes ele demonstra que quer voltar a ser treinador, outras vezes não – disse Eduardo Baptista em novembro.

Adiantamos sete meses na linha do tempo e novamente o ge entrevistou o técnico do Novorizontino. O sonho está prestes a se realizar, mas Eduardo conta que ainda não consegue enxergar o confronto com o pai.

– Não consigo enxergar eu contra ele. Além de ser filho há 52 anos, eu trabalhei ao lado dele por dez anos. Os dois são muito competitivos, têm uma personalidade forte e vão fazer o melhor para suas equipes. Mas sempre um querendo o bem do outro, é um jogo que vai muito além do resultado. Pra mim é uma satisfação pessoal, você poder estar do lado do seu ídolo, no mesmo nível, enfrentando de igual para igual. O resultado fica em segundo plano. Pra mim é uma realização como pessoa e como filho. É muito emblemático pra mim – disse Eduardo Baptista.

Nelsinho Baptista e Eduardo — Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press

A semana atípica é refletida até nas conversas entre os dois. Eduardo revelou que futebol não tem sido assunto nestes últimos dias.

– Os dois se resguardam um pouquinho. Conversamos até ontem, batemos papo, mas nada de futebol. Eu nunca tinha vivido uma semana dessas. É tudo novo para mim também e eu sei que ele gosta de se concentrar, eu também. Cada um vai seguir o seu caminho, traçar sua estratégia – falou.

Com a rotina de treinos e de concentração, Nelsinho e Eduardo só conseguirão se encontrar na beira do campo, minutos antes da bola rolar. O filho já pensa na foto que registrará o momento para a eternidade.

– Vamos nos encontrar na hora. É dar um abraço nele e que Deus encaminhe o melhor para os dois. Sou um cara católico e a Bíblia fala em honrar pai e mãe. No sábado, eu cumpro um mandamento. Todo pai quer ver o sucesso do filho. Ali cumprirei uma etapa muito importante. Pra mim é muito especial e simbólico. Vou pedir para tirarem uma foto minha com ele e isso vai ser para a eternidade. Vai estar registrado – concluiu Eduardo.

Eduardo Baptista comemora classificação do Novorizontino à semifinal do Paulistão — Foto: Gustavo Ribeiro/Novorizontino

As dicas de filho para pai

O encontro entre pai e filho será possível devido ao retorno de Nelsinho ao futebol brasileiro após seis anos. O último trabalho do técnico de 73 anos no Brasil havia sido em 2018 no Sport. Ele foi anunciado pela Ponte Preta no último dia 29 de maio.

Eduardo revelou que o pai nem pensou duas vezes ao aceitar a proposta da Macaca.

– Meu pai tinha o desejo de voltar a trabalhar no campo. Recebeu propostas e sempre conversamos muito a respeito disso, tanto do meu lado, quanto do dele. Quando ele me fala da Ponte Preta, ele já nem me consulta. É um time que ele tem um carinho grande, começou como jogador e tem uma história fantástica. Ele só pediu para eu ajudá-lo com mais informações de jogadores. Enfrentei bastante a Ponte Preta ano passado e foi mais para dar um norte. Ele já conhecia bem, acompanhou de perto o Paulistão. Ele estava bem decidido a ir para lá, está muito motivado e é muito legal de ver – falou Eduardo ao ge.

– Fiz minha categoria de base na Ponte Preta, fui treinador e temos uma história construída em Campinas. Agora é torcer para que as coisas deem certo para ele, porque é um cara do bem. Um cara desse nível não pode ficar fora do cenário. Coincidentemente a Ponte tem muitos atletas que trabalharam comigo e passei algumas informações para ele. Às vezes ajuda bem, você dá uma dica aqui e ali como abordar (o jogador) – completou.

Nelsinho Baptista na estreia pela Ponte Preta — Foto: Diogo Reis/ PontePress

O dia a dia entre Nelsinho e Eduardo

Desde 2023 quando voltou do Kashiwa Reysol, do Japão, Nelsinho passou a morar na cidade de São Paulo. Com a rotina apertada de jogos do Novorizontino do filho Eduardo, é difícil os dois estarem juntos pessoalmente. Mas as ligações por telefone acontecem quase todos os dias.

– Nos falamos praticamente diariamente por telefone. Minha ida para o Novorizontino aproximou mais ele ainda. Ele tem um carinho não só pela camisa, mas também pelas pessoas que aqui estão. É um elo de família e um carinho grande. Ele começou a acompanhar mais o Novorizontino e conversamos bastante também de tudo. Quando tem um jogo emblemático na televisão, ele já avisa: 'dá uma olhada e amanhã a gente conversa'. Depois trocamos uma ideia do que vimos – disse Eduardo.

Técnico Eduardo Baptista comanda treino do Novorizontino durante reapresentação — Foto: Gustavo Ribeiro/Novorizontino

O filho de Nelsinho contou o quanto ele se aproximou do pai na reta final do Paulistão deste ano, quando o Novorizontino fez campanha histórica e só parou na semifinal para o campeão Palmeiras. Os dois últimos jogos foram na capital paulista: a vitória nos pênaltis sobre o São Paulo e a derrota por 1 a 0 para o Verdão.

– Na reta final do Paulistão, fizemos os jogos em São Paulo. Ele mora em São Paulo e estivemos muito juntos ali. Ele vinha até o hotel. Ele gosta de futebol, de falar sobre, é a vida dele. Tanto é que com 73 anos ele estava ansioso em voltar a trabalhar – falou.

Essas idas ao hotel fizeram Nelsinho criar relações com integrantes da comissão técnica do Novorizontino de Eduardo Baptista. Esses contatos foram importante para a estreia de Nelsinho na Ponte Preta no último dia 2 de junho contra o CRB.

– Nessa época ele fez muita amizade com os meninos do Novorizontino do staff técnico. Criou uma relação muito forte e no primeiro jogo contra o CRB, estava muito vivo para nós. O próprio staff nosso carregou ele de informações por ter enfrentado bastante recentemente o CRB, além do Daniel Paulista (técnico) ser um pupilo meu e do meu pai – contou Eduardo.

Nelsinho Baptista durante treino da Ponte — Foto: Marcos Ribolli/ PontePress

Perguntado sobre as diferenças no trabalho entre ele e seu pai, Eduardo Baptista valorizou as diversas semelhanças na forma de treinar seus respectivos times.

– Cada um tem sua ideia. Elas se convergem em uma questão de organização. Eu sou meio sistemático para organização, mas ele é muito mais do que eu. Ele gosta de organizar o time, que as coisas funcionem, que tudo esteja no seu lugar e nos preparamos para isso: para um time bastante organizado, fiel às ideias dele. Ele consegue passar bem as ideias do que ele quer para os atletas, tem uma comunicação muito especial com os atletas. Procurei aprender e levar isso aí. As formas de jogar são parecidas, um é o estilo um pouco diferente do outro, mas são muito parecidas – finalizou Eduardo.

Cinco pontos separam Novorizontino da Ponte Preta na Série B do Brasileiro. Enquanto o Tigre do Vale ocupa a 11ª posição com 14 pontos, a Macaca é a 14ª colocada com nove.

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