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Por Juliana Vaz — Santos, SP


Um casal de Santos, no litoral de SP, foi destaque na terceira de oito etapas do Campeonato Mundial de Corrida de Aventura. A competição foi realizada no último mês de maio e reuniu 160 competidores de 11 países na Namíbia, na África.

Ao lado dos russos Konstantin Ivanov e Igor Manzhay, o arquiteto Douglas Elias da Costa e a médica Christine Alencar Costa Moreira foram vice-campeões da etapa após percorrerem 500 km nas modalidades corrida, caiaque, ciclismo e rapel; veja no vídeo abaixo.

Casal santista participa de desafio na África; entenda

Casal santista participa de desafio na África; entenda

A competição funciona da seguinte maneira: as equipes são formadas por quatro integrantes – três homens e uma mulher. Um deles fica responsável por definir o caminho, após receber 40 mapas impressos. Só é permitido utilizar bússola e equipamentos de segurança obrigatórios, como roupas adequadas para mudanças bruscas de temperatura, barracas e cobertores térmicos. Além de materiais exclusivos para remar, como canoas infláveis, e cordas próprias para a descida de paredões.

- Vale tudo na escolha de caminho. Como se a gente fosse daqui (Santos) para São Paulo; um resolve ir pela Imigrantes e o outro vai cortando o mato pela Serra. A gente vai fazer a escolha pela qualidade da equipe. Se corre melhor, ou não consegue correr porque alguém está machucado. Ai você vai buscar um caminho mais curto - explica Douglas, guia da equipe, em conversa com o ge.

Uma das estratégias para conseguir uma boa colocação na prova foi não fazer pausa para dormir. Eles passaram 75 horas acordados. Para isso, foi preciso ter alguém para motivar a equipe e a Christine desempenha bem esse papel.

Casal de brasileiros é prata em etapa do Mundial de Corrida de Aventura — Foto: Juliana Vaz

- Eu tenho a cabeça muito boa durante a prova e me preocupo com o bem-estar dos meus companheiros.

Para o guia, a privação de sono é um desafio ainda maior.

- Eu tenho muita dificuldade neste quesito e ainda tenho que continuar lúcido e positivo para levar a equipe pra frente, no caminho certo.

Como a maioria dos competidores dorme em média 1h30 por noite, o time dos santistas acabou ganhando de três a seis horas de vantagem na chegada.

Ao lado dos russos Konstantin Ivanov e Igor Manzhay, médica Christine e o arquiteto Douglas na Namíbia — Foto: Rob Howard/Ar World Series

- Quando você está na frente, entre os três primeiros, a cabeça muda. Você fica forte e confiante. Quando alguém tinha sono, outro falava: ‘Vamos, que seremos pódio’ - explica Christine.

Desidratação aguda

O casal também revelou momentos tensos durante o percurso, quando pensaram em desistir. [Todos os competidores têm um chip com um botão de segurança que pode ser acionado em situações de emergência para que os organizadores possam encontrá-los. Mas, nestes casos, a equipe é desclassificada automaticamente da prova].

No terceiro dia, eles erraram o caminho no meio de um deserto. Ainda restavam 180 km de bike e corrida. O Douglas relembra os momentos de desespero.

Casal ficou 75h sem dormir e sofreu com desidratação aguda — Foto: Paola Nande/Expedicion Uruguay

- Nós ficamos sem água e nossa equipe entrou num processo de desidratação bem agudo. Foi muito sofrido. Tivemos que tomar uma decisão que quase nos tirou da prova.

A equipe voltou para o último posto de controle onde havia troca de modalidade e reabasteceu as garrafinhas de água. Depois retomaram a prova em um ritmo mais acelerado e combinaram que iriam correr os últimos 50 km sem fazer nenhuma parada.

- Tudo deu certo, mas foi muito sofrido ficar na areia fofa, num sol de 40 graus e sem água. É desesperador. Você não sabe se vai conseguir sair dali e começa ter até alucinação - diz Douglas.

Equipe voltou para o último posto de controle onde havia troca de modalidade e reabasteceu as garrafinhas de água — Foto: Fabio Cerávolo/Arquivo Douglas Elias da Costa

Foi a primeira vez que o casal santista conseguiu subir no pódio desde que iniciaram as corridas de aventura, há dez anos. Eles foram vice-campeões da etapa da África.

Segundo a Chris, o fato dos russos serem mais “frios” do que os brasileiros também contribuiu para o sucesso da equipe.

- Estava todo mundo focado, fomos para ganhar. Os russos são muito fortes, mas não tem a parte emocional e levam a prova mais na competição. Não dava tempo para pensar em dor ou cansaço.

Preparação antes das provas

A rotina de exercícios do Douglas e da Christine começa às 4h15 da manhã, com a prática de alguma modalidade – corrida ou bike. À noite, depois do trabalho, eles fazem mais atividades, como remo, por exemplo. Aos finais de semana, os treinos são longos, com duração de até seis horas seguidas.

O grande objetivo dos santistas é subir ao lugar mais alto do pódio na etapa final, em outubro, no Equador — Foto: Luiz Fabiano/Ar World Series

Na semana que antecede a corrida de aventura é preciso fazer um “banco de sono”, com alimentação e hidratação em excesso. Isso porque durante a prova não é permitido adquirir nenhum tipo de comida, então eles carregam na mochila tudo que precisam para sobreviverem durante os dias de competição.

- No primeiro dia a equipe prioriza carboidratos em gel ou alimentos liofilizados (que passam por um processo de desidratação)”, explica o Douglas. A Chris conta que eles também levam frutas desidratadas e lanches. Em algumas estações de troca de modalidade, conseguem água quente para misturar nos alimentos e seguem o percurso comendo.

Acidentes de percurso

Em 2018, durante uma etapa do mundial disputada no Paraguai, a equipe do casal santista estava em sétimo lugar no segundo dia de prova, quando a Chris sofreu um acidente. “A gente estava descendo uma montanha (de bicicleta), um “downhill” bem íngreme, e eu caiu de sono. Acho que eu dormi. Eu já estava avisando a equipe, mas ninguém me ouviu porque estava todo mundo na euforia de estar entre os dez. Fraturei o braço em várias partes. Então tenho placa e pino, porque eu tive que fazer cirurgia.”

O Douglas também relembra alguns momentos tensos que eles passaram durante competições de longa distância.

75h sem dormir e desidratação aguda: casal brasileiro revela detalhes do Mundial de Corrida de Aventura — Foto: Arquivo Pessoal

- No Everest tivemos acidente com uma avalanche. Foi muito ruim. Perdemos a visão por três dias e fomos resgatados de helicóptero. E o segundo foi em Oregon (EUA) no frio. Nosso barco furou no meio de um lago semicongelado e tivemos que nadar por horas. Foi horrível sentir as extremidades congelando. Mas depois que passa e gente esquece.

Como tudo começou

Douglas e Christine estão juntos há 17 anos. Em 2007, os dois estavam acima do peso e resolveram se matricular na academia. Depois, começaram a participar de algumas corridas de rua, inclusive competiram nos 10 km da Tri FM.

Animados com a modalidade, começaram a percorrer distâncias maiores, como maratonas (42 km). E então decidiram encarar ultramaratonas e provas em montanhas, com trilhas. As corridas de aventura surgiram em 2014, quando o casal começou a praticar outros esportes, como bike e remo. A Chris gosta de estar em uma competição em que é preciso de união de equipe.

- É um esporte que você depende dos outros para tudo dar certo. Todo mundo precisa ter o mesmo objetivo. É bem desafiador estar em quatro pessoas o tempo inteiro.

Douglas e Christine estão juntos há 17 anos — Foto: Arquivo Pessoal

- A corrida de aventura é desafiadora: trabalho em equipe e pelos locais inóspitos que a gente conhece. São locais que as pessoas em geral não visitam. E particularmente essa superação de desafio, essa sensação de que você consegue fazer coisas que a maioria das pessoas não consegue, me traz uma satisfação muito grande, uma sensação de eu estou cumprindo com aquilo que eu vim fazer - afirma Douglas.

O grande objetivo dos santistas é subir ao lugar mais alto do pódio na etapa final, que será disputada em outubro, na altitude do Equador, com cerca de 500 participantes.

- Estamos muito perto disso. A equipe está evoluindo muito. Se tudo der certo, este ano voltamos para falar que somos campeões mundiais - conclui.

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