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Por Juliana Felisberta, Com Augusto César Gomes — Natal


Oito vezes campeã do Circuito Mundial de vôlei de praia, três vezes eleita melhor jogadora do mundo e medalhista de bronze nos Jogos Olímpicos de Londres 2012. Juliana Felisberta deixou as quadras em 2021 e, aos 40 anos, decidiu correr a Maratona do Rio de Janeiro, no último dia 2. Em relato ao ge, a ex-atleta - e agora empresária - conta como foi a preparação, os desafios enfrentados, as dores, a "guerra mental" e a felicidade de ter concluído a prova.

Medalhista olímpica no vôlei de praia, Juliana Felisberta agora é maratonista — Foto: Cedida

Desafio aceito

Vou tentar resumir como foi essa loucura. No começo de outubro, em uma conversa com um amigo, ele falou: 'Juliana, tu tem coragem de correr uma maratona?'. Eu disse: ‘Coragem, eu tenho, mas não sei se eu consigo'. E aí ele despertou uma coisa em mim. Fui atrás de algumas pessoas e consegui me inscrever para a Maratona do Rio. Uma colega que eu havia conhecido há pouco tempo me convidou para fazer parte de uma assessoria. Fui muito bem acolhida pelos professores e pelos alunos. Comecei a correr. Na verdade, a 'dar carreira', diferente de correr. Em novembro, eu fiz a primeira prova, e corri 10 km em Natal. Ali eu percebi que o buraco era mais fundo. Dito isso, fui atrás da minha nutricionista, eu pensei: 'Vou ter que melhorar o meu momento que estou agora para me preparar realmente para a maratona. Dani cuidou de mim quando eu jogava. Sabe que eu corro em jejum, como é que eu ia correr em jejum 42 km. Então, ela teria que fazer alguma coisa para que eu conseguisse aguentar a prova e fazer sem tantos problemas. Fiz de novo a segunda prova de 10 km, em João Pessoa, e fui treinando, cada vez mais aumentando a quantidade. Depois dos 10 km, passei a me preparar para fazer os 21 km, na Meia Maratona da PF, em abril, aqui em Natal. Foi uma prova dura, mas consegui completar. Antes da maratona, eu fiz essas três provas.

Comecei esse processo de ter que dormir cedo, de ter que me preparar. Meu corpo já percebeu que eu teria que descansar, que eu teria que regrar mais a minha vida. Agora em 7 de setembro, vai fazer três anos que eu não jogo mais. Mas aquilo foi uma coisa que despertou um desafio em mim. Aquilo me desafiou, isso me move e aí disse: 'cara, eu vou enfrentar isso daqui'. Tenho os dois joelhos operados, né? Então, eu tenho algumas limitações articulares.

Os cuidados com corpo e a mente

Conversava diariamente com meus treinadores. E comecei a minha saga, me preparando e fui aumentando km por km, dia a dia. Percebi que a corrida é muito mais do que dar carreira. A gente acha que correr é qualquer coisa, mas não é. Correr é muito mais do que isso. A corrida me ensinou durante essa minha preparação, essa jornada, o quanto a gente consegue ultrapassar barreiras, limites e, quando a gente quer realmente um objetivo, a gente tem que pagar um preço.

Eu sabia que eu teria que dormir cedo, eu teria que abrir mão de alguns prazeres porque eu queria de fato conseguir completar a maratona. Então, assim, sexta-feira, oito da noite eu já estava dormindo.

Estava dormindo porque sábado de manhã era o treino mais importante pra mim, que na corrida chamam de 'longão'. Os 'longões' eram importantes porque eles iam melhorar a minha performance no dia da corrida. E aí você passa o sábado cansada e você descansa pra ir correr de novo. Chegou um período, mais ou menos por três meses, que eu corria quatro vezes por semana. Segunda, terça, quinta e sábado. De todos os meus treinos, eu deixei de fazer um treino. Eu cumpri a planilha inteira. Tive que me readaptar porque chegou um momento que meu joelho começou a incomodar e eu tive que recuar um pouco para poder concluir a maratona.

A corrida tem tem essa parte também de a gente conhecer o nosso corpo, a gente respeitar os sinais dele. Percebi que, além da parte física, a corrida tem uma coisa fundamental que é a parte mental. Eu percebia que eu não estava correndo assim só pelo desafio.

Diferente do vôlei, que você joga contra o adversário e não tem empate, você tem que ganhar de alguém, isso é normal, eu percebi que a corrida era diferente. Fui aprendendo com a corrida. Eu não estou correndo contra ninguém, nem para ninguém. Eu estou correndo comigo e para mim. E as pessoas que estavam ao meu redor, uma torcia pela outra. A minha vitória era a vitória das pessoas, a vitória das pessoas também era a minha vitória. Eu achei esse ambiente muito legal, pelo menos na assessoria que estou (Start), com as pessoas que conheci. A cada km que eu aumentava, as pessoas falavam 'show', 'massa'. Esse ambiente me deixava muito feliz e motivada para continuar.

Juliana Felisberta supera dores nos joelhos e câimbras na Maratona do Rio de Janeiro — Foto: Cedida

A maratona

O máximo que eu fiz em Natal foi 30 km e fui pra maratona. Comecei a maratona, em um ambiente que eu conheço. Morei no Rio de Janeiro. No quilômetro 5, meu joelho deu um sinal: 'oh, tô aqui'. Mas essa dor era uma dor conhecida e eu disse: 'não, eu consigo chegar. Vambora'. Esqueci essa dor, continuei. Até o quilômetro 25, perto do Copacabana Palace, estava tudo bem. Passei do Copacabana Palace, chegando perto de Ipanema, comecei a sentir no quilômetro 30, que tantos falavam dessa 'parede' do quilômetro 30.

Eu comecei a ter câimbra nos dedos do pé e eu comecei a mentalizar: 'eu não vou parar, eu não posso parar'. Eu sabia que, se eu parasse, não iria continuar devido a minhas limitações articulares do joelho.'Eu vou superar'. A partir do quilômetro 30 foi uma guerra mental, quilômetro a quilômetro.

Eu pensava 'faltam 12, faltam 11, faltam 10'. No quilômetro 35, eu comecei a ver um bocado de gente caindo com câimbra, desistindo. Eu disse: ‘não vou ficar olhando pra isso'. Desistir não estava nos meus planos. 'Bora'. Comecei a olhar pro chão, não olhei mais pra frente, passada a passada. 'Vamos aqui, vamos aqui'. Eu diminuí meu ritmo, mas não parei. No quilômetro 38, começou a dar câimbra no meu braço, começou a me dar a câimbra nos dedos da mão também. Deu uma câimbra nas minhas costas. Comecei a ficar torta. Eu lembro que, no túnel do shopping ali no Botafogo, eu comecei a tentar movimentar o meu braço e doía. Aí eu dei um grito: ‘eu não vou parar, eu não vou parar'. E faltavam cinco quilômetros ainda. Eu sei que eu consegui sanar essa dor também, continuei. Eu entreguei o melhor naquilo que eu podia. O que eu podia era diminuir meu ritmo, mas não parar.

Quando chegou no quilômetro 40, eu escutei um 'bora, Ju'. Era um colega, o Anderson, que correu os 42. Ele me deu um gás, voltei a correr bem de novo, corri um quilômetro ainda com ele. Aí eu falei: 'Anderson, eu não consigo mais. Vai que eu vou aqui na minha passadinha, mas eu vou chegar'.

A superação e o aprendizado

Consegui completar a prova com 4h29. Foi uma prova extremamente dura. Para mim, foi um desafio enorme, um desafio muito mais mental até do que físico. Levei meu corpo ao extremo. Consegui entregar isso. Estou feliz demais por esse desafio. Meu corpo ainda está se recuperando de todo esse esforço, mas saio mais fortalecida. Saio com um respeito maior pelos corredores, por tudo que a corrida envolve, por essa superação, por esse ensinamento de você buscar o seu melhor a cada momento, a cada km, a cada treino, a cada recomeço, superar as dores. Às vezes conversar com seu corpo e falar: 'eu não vou parar, isso aqui não é meu limite'.

Embora eu já tenha vivido algumas coisas no vôlei, na corrida foi diferente. O vôlei era minha área de competência, a corrida, não. Fiquei muito feliz. Consegui. Não pretendo tão cedo fazer outra maratona. Mas o aprendizado, as amizades, tudo que a corrida me ensinou me fez respeitar e amar, sim, a corrida. Agora vou pegar de uma forma mais leve. Foi essa a experiência. A maratona em si foi dolorida e dolorosa, mas eu consegui. E hoje eu faço parte de 2% da população que consegue se inscrever em uma maratona e concluir. E estou muito feliz por esse desafio.

Juliana Felisberta

Certificado de Juliana Felisberta na Maratona do Rio de Janeiro — Foto: Cedida

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