A insegurança e o descaso caminham lado a lado no Estádio Municipal Alair Corrêa, o Correão, em Cabo Frio, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro. O local, sob administração da prefeitura da cidade, ficou conhecido por receber jogos da Cabofriense, clube que atualmente disputa a Série A2 do Campeonato Carioca, mas já figurou na elite e chegou a disputar as semifinais do torneio em 2014.
Estádio Correão encontra-se em estado de abandono e sofre com falta de manutenção
Sem fiscalização ou controle, o Correão virou caminho de passagem de um bairro a outro para os moradores da cidade. Há uma espécie de rua anexada na parte lateral do estádio que pedestres e ciclistas utilizam para cortar caminho. Os carros só não passam devido aos portões que hoje só servem de enfeite e estão emperrados por causa do longo tempo sem uso.
O ge esteve no local e observou o abandono das instalações do estádio. Em algumas horas, a reportagem ouviu inúmeras queixas.
A maior delas diz respeito justamente ao fácil acesso ao estádio (veja no vídeo acima). Os portões são inoperantes, e qualquer um consegue entrar e transitar pelo local sem questionamento ou dificuldade. O que facilita outra grande queixa: a invasão ao gramado é comum e praticamente diária. Ao fim da visita do ge ao Correão, crianças jogavam bola no campo.
Há um processo administrativo para que seja colocado um muro na lateral do gramado do estádio, para separá-lo da rua e acabar com a passagem pela parte interna. Mas os trâmites do processo ainda não foram concluídos pela prefeitura.
O estádio funciona quase como uma pracinha para os moradores do bairro. As autoridades se apressam para preparar o local para receber jogos da A2 do Carioca, mas a falta de manutenção coloca em risco a presença de público. Nas arquibancadas, além da falta de pintura e do acúmulo de poças dependendo do clima, há partes em que os ferros ficam expostos.
Outro local que chama atenção e coleciona relatos curiosos é o espaço que um dia foi destinado à imprensa. Entre uma arquibancada e outra, há pequenas salas que eram destinadas aos jornalistas e se tornaram abrigos para moradores de rua. Há marcas da utilização do local para dormir, comer e fazer sexo.
“Até de motel o Correão já serviu”, revelou uma fonte.
Caminhando para o outro lado do estádio, há uma ampla estrutura que já abrigou uma academia. Hoje, porém, o local está inutilizável. Os aparelhos estão aglomerados em uma sala, e há acúmulo de sujeira e restos de materiais de obras na área de hidromassagem.
Na parte interna, o teto da entrada principal está caindo. Perto da bilheteria da área que se torna uma cantina em dias de evento no Correão, há uma abertura na qual é possível ver a luz do sol.
Vestiário passou por reforma e apresenta boas condições no Correão
O estádio sediou diferentes eventos nos últimos meses, incluindo competição de crossfit. Entre setembro e dezembro do ano passado, houve três grandes shows no gramado: Mumuzinho, Menos é Mais e Sorriso Maroto. Segundo relatos de pessoas que frequentam o estádio, a estrutura permaneceu montada por semanas, o que prejudicou ainda mais o campo.
Os shows, porém, não são os únicos eventos no Correão. No dia a dia, o local recebe escolinha de futebol para crianças na parte da tarde, e os treinos acontecem no mesmo gramado usado pela Cabofriense. Além disso, há uma academia para a terceira idade que é montada na parte de trás do campo. Os projetos sociais ocorrem de segunda a sexta.
Se idosos e crianças frequentam o Correão de forma legal, há também quem use o local para consumir drogas. Há anos o estádio carrega essa fama, principalmente pela proximidade com a Rua Duque de Caxias, um ponto do tráfico da região.
A rotina de encontrar vestígios de entorpecentes diminuiu nos últimos anos. Mas outros problemas permanecem. Em abril, houve três dias seguidos de furtos na madrugada. Estruturas de ar-condicionado e motores de bebedouros foram levadas.
A relação do Correão com a Cabofriense
O estádio é conhecido por ser a casa do time, porém não pertence - e nunca pertenceu - à Cabofriense. Inaugurado em 1985, o Correão sempre foi administrado pela prefeitura local, que cede o espaço para os jogos da equipe. O objetivo é incentivar o esporte na cidade.
A relação entre o clube e o estádio passou por diversas fases nesses quase 30 anos. Hoje, há claro incômodo dos funcionários da Cabofriense com o descaso no Correão. O gramado foi um dos tópicos que chamaram atenção em meio à preparação do time para estrear na A2 do Carioca.
O primeiro jogo em casa seria na segunda rodada contra o América, que tem Romário como presidente e jogador. No entanto, a Cabofriense vendeu o mando de campo, e a partida do próximo domingo acontecerá no Luso-Brasileiro, na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. O Correão não conseguiu o alvará necessário para a partida, visto que uma nova legislação aponta a necessidade de para-raios.
Estado do gramado do Correão antes do retoque feito pela Cabofriense
O ge apurou que não há projeto para novos investimentos para o estádio - a prioridade do município é reformar o Ginásio Poliesportivo Alfredo Barreto, que está interditado. Para o Correão, uma avaliação determinou a necessidade de um investimento considerado alto demais para a realidade da prefeitura.
Para recuperar o gramado e conseguir mandar os jogos no estádio, a Cabofriense entrou em acordo com a prefeitura e investiu cerca de R$ 60 mil em obras. A reforma na grama começou no meio de abril.
A Cabofriense optou por assumir este custo porque o valor para treinar e jogador fora do Correão é muito alto. Os treinos na cidade vizinha de São Pedro da Aldeia, por exemplo, custam quase R$ 1 mil por dia - entre aluguel do local e transporte -, enquanto os jogos poderiam chegar a R$ 20 mil.
- É deprimente ver o estádio nessa situação. É muito desleixo com o morador de Cabo Frio. A gente quer o bem público. Eu já estive aqui para assistir a jogo com o estádio "nos trinques". Mas os anos foram passando... Agora, estou há quatro anos trabalhando no clube e só vejo piorar a cada dia - comentou Lucas Lobato, morador da cidade e supervisor da Cabofriense, antes de completar:
- A gente optou por mexer no campo primeiro e depois, se tiver que dar algum outro retoque, estamos vendo de acertar a arquibancada e as grades em volta. Seria ruim não jogar no Correão, sair da cidade. A gente perde o mando de campo, fica muito neutro. Aqui, quando tem jogo, a torcida comparece em um número legal. Fora o custo que a gente teria de mandar um jogo fora.
O que diz a prefeitura de Cabo Frio?
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Esporte da cidade para entender as razões do atual estado do Correão e questionar se há previsão de liberação de verba para reforma do local. A administração local é de responsabilidade da prefeita Magdala Furtado (PV).
- As necessidades atuais do Estádio Correão são fruto de um longo período sem execução de manutenção por gestões anteriores, fato que, infelizmente, veio causando uma degradação ao longo dos anos. A Prefeitura está buscando, através de um trabalho entre a Secretaria de Turismo, Esporte e Lazer e a Secretaria de Relações Institucionais e Captação de Recursos, novas verbas para as melhorias no local. Existe ainda um processo administrativo em trâmite com a mesma finalidade, no valor de R$ 500 mil - respondeu a prefeitura em nota enviada ao ge.
O valor informado pela secretaria inclui a construção do muro ao redor do campo citado no início desta reportagem. Quando questionada sobre o último investimento feito no estádio, a prefeitura afirmou que não tem essa resposta e justificou que os reparos recentes foram pontuais.
A prefeitura informou ainda que o estádio tem custo mensal de R$ 10 mil com água e luz - o valor não inclui os salários dos funcionários. A quantia pode dobrar com o aumento do consumo dos serviços quando o local é utilizado para jogos e treinos da Cabofriense.
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