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Por Pedro Alves — João Pessoa


Em setembro deste ano, mais um processo da Operação Cartola — investigação feita pela Polícia Civil e pelo Ministério Público que apurou supostas manipulação de resultados no futebol paraibano — foi julgado em primeira instância e resultou em quatro condenações e três absolvições.

Operação cartola: ex-dirigentes do Botafogo-PB são condenados e outros absolvidos

Operação cartola: ex-dirigentes do Botafogo-PB são condenados e outros absolvidos

Foram condenados dois ex-dirigentes do Botafogo-PBBreno Morais e Guilherme Novinho —, o atual presidente do Conselho Deliberativo do Alvinegro e vereador de João Pessoa — Zezinho Botafogo —, além do ex-presidente da Comissão Estadual de Arbitragem de Futebol da Paraíba (Ceaf-PB), José Renato.

Foram absolvidos no processo o ex-presidente do Belo, Alexandre Cavalcanti, o ex-executivo de futebol do clube, Francisco Sales, e o empresário de jogadores Alex Fabiano. A reportagem do ge se debruçou sobre a sentença, a leu na íntegra e traz abaixo detalhes e curiosidades sobre as audiências, as condenações e as absolvições.

Organização Criminosa descartada

Nessa sentença, em que o juiz José Guedes analisou denúncias de manipulação de resultados em pelo menos duas partidas do Campeonato Paraibano de 2018, e fraudes de documentos relacionados a mais um jogo do estadual daquele ano, o juízo negou as teses da Polícia Civil e do Ministério Público de que se tratava de uma Organização Criminosa dentro do futebol paraibano.

— Pelo que se apurou nos presentes autos, não vislumbrei a existência de uma organização criminosa, posto que não ficaram evidenciados aspectos como permanência, estabilidade, hierarquia, divisão de tarefas, requisitos esses imprescindíveis para fazer configurar o tipo penal em questão. Ademais, vislumbro a existência de interesses conflitantes entre os clubes do futebol paraibano, não sendo plausível a ideia de que eles, organizadamente, integrariam organização criminosa para manipulação de jogos na Paraíba — escreveu o juiz em sua sentença.

Até aqui, o não acolhimento dessa tese por parte do juiz foi a maior vitória jurídica dos réus desse processo oriundo da Operação Cartola.

Policiais em frente à sede da Federação Paraibana de Futebol (FPF-PB) por ocasião das investigações da Operação Cartola — Foto: Reprodução / TV Cabo Branco

Torcedor identificado pelo Botafogo-PB não estava no jogo

Um dos pontos que o processo em questão trata é sobre uma suposta falsificação de um Boletim de Ocorrência, realizado por dirigentes do Botafogo-PB, para identificar o torcedor que jogou objetos no gramado na partida do Belo diante do CSP, pelo Campeonato Paraibano de 2018.

O torcedor foi convocado para depor e disse que não estava na partida e que não autorizou usar seu nome como um suposto torcedor identificado que jogou objetos no gramado do Almeidão, o que poderia prejudicar o Botafogo-PB. Ele revelou que só soube que estava metido nisso quando foi intimado para depor pelo oficial de Justiça. Para o juízo, ficou provado que o torcedor sequer estava no Almeidão no dia e que sua identificação no Boletim de Ocorrência tratava-se de uma fraude.

Breno Morais em silêncio

Outra curiosidade do processo aconteceu nas audiências de instrução com os réus. De todos os réus que foram indiciados no processo, o ex-vice-presidente de futebol do Botafogo-PB, Breno Morais, foi o único que ficou em silêncio em juízo e não usou o seu direito de se defender, falando.

Vale lembrar que ficar em silêncio é um direito constitucional que jamais pode ser entendido como confissão ou resultar em qualquer prejuízo para a defesa.

Breno Morais prestando depoimento em meio às investigações da Operação Cartola — Foto: Reprodução / Rede Globo

Condenações

BRENO MORAIS

As condenações no processo envolvem dois fatos diferentes. O primeiro, já citado acima, tem a ver com o que o juízo concluiu por fraude de documento, no caso, o Boletim de Ocorrência em que identificou de maneira fraudulenta um torcedor que nem a campo foi no jogo entre Botafogo-PB e CSP.

Para o juízo, Breno sabia que um nome de torcedor foi "arrumado" para ser culpado pelo arremesso de objetos no gramado no Boletim de Ocorrência que seria e foi feito. De acordo com o juiz, "é incontroversa a ciência de Breno acerca da fraude. Ele sabia da utilização do nome de um terceiro para figurar como o do torcedor responsável pelo arremesso de objeto no gramado". Apesar disso, Breno não foi denunciado pelo crime de falsidade ideológica, portanto não foi sequer julgado por esses fatos.*

Já em relação ao jogo entre Nacional de Patos e CSP, o juiz entendeu que ficou claro que o ex-dirigente do Botafogo-PB entrou em contato com o árbitro auxiliar Tarcísio José para que ele ajudasse a manipular a partida, para que o Canário do Sertão não vencesse.

Em sua sentença, o juiz José Guedes ficou convencido de que "restou fartamente comprovada a promessa de vantagem, por parte de Breno, com o fim de que o árbitro atuasse de forma parcial, alterando o resultado de competição esportiva", o que é vedado pela Lei Geral do Esporte, motivo pelo qual Breno foi condenado.

JOSÉ RENATO

Ainda na esteira do jogo entre CSP e Nacional de Patos, que foi alvo de investigação, o ex-presidente da Comissão de Arbitragem da Paraíba, José Renato, também foi condenado por conta de ato ilícito, segundo a sentença do juiz José Guedes, em fatos relacionados à partida.

Para o juízo, ex-dirigente fraudou um dos sorteios de arbitragem, o do jogo entre Tigre e Canário do Sertão, a fim de manipular o resultado da partida. Na sentença, José Guedes entende "que houve manipulação no sorteio e na escalação do árbitro Tarcísio José para atuar na partida que se realizou em Patos".

José Renato prestando depoimento em meio às investigações da Operação Cartola — Foto: Reprodução / TV Cabo Branco

GUILHERME NOVINHO e ZEZINHO BOTAFOGO

Tanto Guilherme Novinho quanto Zezinho Botafogo, que na época eram dirigentes do Botafogo-PB, participaram de reuniões e diálogos em que tentavam uma resolução para que fosse feito um Boletim de Ocorrência que pudesse identificar o torcedor que supostamente teria jogado objetos no gramado do Almeidão.

Na sentença, após análises das provas e dos argumentos das defesas, o juiz disse que "ficou convencido de que José Freire e Guilherme Carvalho, como dirigentes do clube Botafogo, que estavam reunidos naquela tarde/noite para solucionar a questão do arremesso de objeto no campo, sabiam da indicação de nome inverídico para lavrar Boletim de Ocorrência e livrar o seu clube de eventual punição, conclusão advinda de diálogos interceptados, onde restou clara a intenção de atribuir a terceiro a conduta antidesportista relativa ao arremesso. Portanto, agiram em concurso para inserir dado falso em documento público (BO), incorrendo em crime de falsidade ideológica".

Breno Morais e Guilherme Novinho, enquanto dirigentes do Botafogo-PB, em reunião na FPF-PB, em 2018 — Foto: Cisco Nobre / ge

Absolvições

ALEXANDRE CAVALCANTI e FRANCISCO SALES

No processo em questão, dois ex-dirigentes e um empresário de futebol foram absolvidos: o ex-presidente do Botafogo-PB, Alexandre Cavalcanti, que na época dos fatos era vice-presidente jurídico do Belo; o ex-diretor executivo de futebol do clube, Francisco Sales; e o empresário alagoano Alex Fabiano.

De acordo com a sentença, em relação a Alexandre, todas as orientações feitas pelo dirigente, que é advogado, foram entendidas pelo juízo como sendo num lugar de assistente jurídico do clube acerca da situação.

— É bem verdade que consta áudio onde Alexandre Cavalcanti diz "Cabedelo não quer assumir essa?", o que sugere sua ciência de que um nome aleatório poderia ser utilizado. Contudo, apesar de antiética, essa fala, sozinha, não denota sua ciência inequívoca de que o nome de José Rodrigo Estevão foi "fabricado". Ademais, não se pode ignorar que a conduta de Alexandre Cavalcanti se confunde com a sua atuação como advogado, na medida em que é possível que um patrono sugira a um constituinte que assuma determinado crime para favorecer eventual tese maior, sem que isso seja imputado a ele como conduta típica. Quanto ao citado réu, penso que a prova é insuficiente para ensejar uma condenação — explica um trecho da sentença.

Alexandre Cavalcanti, durante entrevista coletiva, quando ainda era presidente do Botafogo-PB — Foto: Reprodução / TV Belo

Já sobre Francisco Sales, que foi uma das pessoas que foi pessoalmente fazer a lavratura do Boletim de Ocorrência, o juiz entendeu que não vislumbrou "dolo em sua conduta, pois estava trabalhando como funcionário há poucos meses, recebeu uma ordem da diretoria do clube (que estava reunida) e apenas obedeceu". A sentença completa: "Conduta essa que entendo ter sido decorrente de vínculo empregatício e da submissão hierárquica advinda dessa situação, impondo-se a sua absolvição quanto ao crime de falsidade ideológica".

ALEX FABIANO

Por fim, Alex Fabiano foi absolvido também no processo, mas em outro episódio. O processo também se debruçou sobre uma suposta tentativa de manipular o resultado da partida de ida da final do Campeonato Paraibano de 2018, entre Campinense e Botafogo-PB, em Campina Grande.

Mas todos os envolvidos nesse episódio foram absolvidos. Casos de Breno Morais, Zezinho Botafogo e Alex Fabiano. Para o juízo: "é bem verdade que os áudios acima sugerem que houve, na pior das hipóteses, uma tentativa de corromper o árbitro Chicão para atuar de forma parcial a favor do Botafogo. Contudo, não se tem a certeza de que houve efetivamente essa promessa de vantagem patrimonial ao citado árbitro, ainda mais quando o resultado da partida foi desfavorável ao interesse dos interlocutores, pois o Campinense saiu vencedor da partida, hipótese que enfraquece a acusação de que houve cooptação do árbitro e manipulação do resultado da partida pelos réus José Freire, Breno Morais e Alex Fabiano".

*Errata: a reportagem foi publicada com a informação equivocada de que Breno Morais foi condenado também pelo crime de falsidade ideológica. O ex-dirigente, no entanto, não foi denunciado por esse crime e, portanto, não foi julgado por isso. A informação foi corrigida no dia 15 de outubro de 2023 às 15h.

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